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Tirou a tampa com cuidado e fez sinal a Bagheri para aproximar a lanterna. O

foco de luz inundou o interior da caixa, incidindo sobre as folhas amarelecidas do velho manuscrito. Tomás inclinou-se, focou os olhos e confirmou o título e o poema ostentados na primeira folha de papel quadriculado. As palavras emergiram tênues, estranhamente familiares, mas também singularmente misteriosas; estas, sabia-o com mal contida emoção, eram as folhas originais, as páginas datilografadas pelo próprio Einstein, o testemunho perdido de uma outra era. Mergulhados num fino véu de pó, os papéis gastos e carcomidos pelos anos exalavam um antigo perfume, o aroma arcano de um tempo há muito consumido.

DIE GOTTESFORMEl

Terra if fin

De terrors tight

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Sabbath fore

Christ nite

A. Einstein

"É isto?", perguntou Bagheri.

"Sim, é isso."

"Tem a certeza?"

"Absoluta", devolveu Tomás. "Foi exatamente este o..."

Zzzzzzzzzzzzzz

Congelaram os dois, a respiração suspensa, os olhos muito abertos, a atenção alerta. A primeira reação foi de surpresa, tentaram freneticamente perceber o que era aquilo, que barulho era aquele, que significado tinha esse som inesperado, e voltaram ambos a cabeça na direção da fonte do ruído.

Era o cinto.

O zumbido vinha do cinto de Bagheri. Pior ainda, vinha do receptor guardado no cinto de Bagheri. O receptor. O mesmo receptor que estava sintonizado com o sinal do emissor de Babak. O mesmo receptor que lhes trazia notícias do mundo exterior. O

mesmo receptor que só zumbiria em caso de algo muito grave.

Arregalaram ainda mais os olhos, mas desta vez não foi de surpresa. Foi de algo muito mais assustador, muito mais pavoroso, infinitamente aterrador. Foi de compreensão.

Foi de horror.

"O alarme!"

XV

Uma inacreditável parafernália de luzes enchia o pátio do ministério, parecia estar ali montada uma animada feira; eram os focos brancos dos faróis dos automóveis e dos projectores, mais as intermitências rotativas laranjas dos carros da polícia. Via-se gente a correr por toda a parte, gritavam-se ordens, era evidente que aqueles homens acabavam de chegar à pressa e tomavam posições, uns de pistola, outros de espingarda, alguns com armas automáticas. Dois caminhões de lonas verdes acercaram-se da rua nesse instante e da carga começaram a jorrar soldados de camuflado, ainda os veículos não se tinham imobilizado por completo.

Paralisados na janela da sala de reuniões, para onde tinham corrido depois de ouvirem o alarme dado por Babak, Tomás e Bagheri observavam a cena com estupefacção, primeiro incrédulos, quase hipnotizados, depois apavorados, desenrolava-se diante de si o pior de todos os cenários, o maior de todos os pesadelos.

A sua presença tinha sido detectada.

"E agora?", murmurou Tomás, sentindo o pânico crescer-lhe nas entranhas.

"Temos de fugir", disse Bagheri.

Sem perder mais tempo, o enorme iraniano deu meia-volta e abandonou a sala, arrastando o historiador atrás. Avançaram às escuras, não se atrevendo a ligar a 112

lanterna, tacteando as paredes, tropeçando em obstáculos, esbarrando em móveis, trôpegos e desajeitados. Tomás corria com a caixa do manuscrito segura nas mãos, Bagheri ia com o saco das ferramentas a tiracolo.

"Mossa", chamou o português. "Vamos fugir para onde?"

"Existe uma porta nas traseiras do rés-do-chão com acesso à rua. Vamos para lá."

"Como é que sabe?"

"Vi na planta."

Chegaram à escadaria central e começaram a descer em corrida, quase num tropel, não havia tempo a perder, era preciso atingir essa porta de emergência, chegar lá quanto antes, chegar lá enquanto não se completava o cerco ao edifício. No lanço que conduzia ao primeiro andar, porém, ouviram barulho e pararam. Os sons vinham do rés-do-chão.

Eram vozes.

Os iranianos já tinham entrado no edifício e procediam agora às buscas. O grave significado desta inesperada evolução foi instantaneamente compreendido pelos dois, enchendo-os de um terror

indescritível. A presença de polícias e soldados no rés-do-chão queria dizer que o caminho de fuga estava cortado.

Cortado.

Não havia escapatória. O cerco fechava-se mais depressa do que pensaram ser possível, os iranianos aproximavam-se rápido e tornava-se crescentemente claro que os dois intrusos iriam ser capturados a todo o momento.

Luz.

A iluminação foi nesse instante ligada por todo o edifício e o terror transformou-se em pânico absoluto. Ainda tolhidos na escadaria, olharam freneticamente em redor, desorientados, procurando caminhos alternativos, buscando uma nova saída, uma porta, um buraco, qualquer coisa. Qualquer coisa. Escutaram barulhos e vozes a serem trocadas lá em baixo, eram os iranianos que apertavam o cerco, começavam a escalar os degraus e faziam-no em passo apressado.

Determinado em não se deixar apanhar, Bagheri agarrou Tomás pelo braço e recuou para o segundo andar, agora perfeitamente iluminado. Meteram por um corredor, tentando desesperadamente encontrar as escadas de emergência, era o seu derradeiro recurso.

"Ist!"

O grito com a ordem para pararem trovejou lá atrás, algures do fundo do corredor, emitido por uma voz rouca, gutural, mas suficientemente clara para perceberem ali, nesse mesmo instante, que acabara de acontecer o inevitável.

Tinham sido localizados.

"Iiiiiiist!"

Correram pelo corredor e abriram uma porta metálica ao fundo. Era de facto a escada de emergência, uma construção de alumínio em caracol. Bagheri agarrou-se ao corrimão e desceu veloz os primeiros degraus, Tomás no encalço com as pernas fracas 113

de medo, mas pararam ao ouvir ruídos martelados em baixo e novas vozes gritadas, eram homens que subiam apressadamente por aquelas mesmas escadas.

Também esta saída estava cortada.

Deram meia-volta e subiram de novo ao segundo andar, mas não regressaram ao mesmo corredor, presumindo que ele estava agora ocupado pelos homens que já os tinham visto. Em vez disso, optaram antes por continuarem a escalar até ao terceiro andar. Meteram pelo mesmo corredor do compartimento onde tinha sido guardado o manuscrito e viram guardas a emergirem lá ao fundo, em corrida.

"Ist!", gritaram os homens armados, mandando-os mais uma vez parar.

Bagheri alcançou a porta da sala de reuniões e forçou a entrada, sempre seguido por Tomás. O historiador, ofegante do esforço, atirou a caixa com o manuscrito para cima da mesa longa e deixou-se cair numa cadeira, prostrado pelo cansaço e pelo desespero.

"Não adianta", exclamou entre duas golfadas de ar. "Vamos ser apanhados."

"Isso é o que ainda iremos ver", respondeu Bagheri.

O enorme iraniano abriu apressadamente o saco das ferramentas e retirou de lá o que de início parecia ser um novo instrumento. Com as luzes acesas por toda a parte, Tomás reconheceu, aterrado, o objeto que Bagheri tinha na mão.

Uma pistola.

"Você está doido?"

Bagheri espreitou pela entrada, pôs o braço de fora da porta, apontou para o fundo do corredor, à direita, e abriu fogo.

Crack.

Crack.

Dois tiros estalaram da pistola.

"Um já levou", comentou o iraniano com um sorriso de desdém, após verificar o efeito dos disparos.

Tomás nem queria acreditar no que estava a acontecer.

"Mossa!", gritou. "Você enlouqueceu!"

Bagheri sentiu movimento à esquerda e rodopiou depressa, apontando para o outro lado do corredor, na direcção das escadas de emergência de onde ambos tinham vindo com iranianos em perseguição.