Como estes dias me pareceram, alternadamente, breves e enormes!
Akéion e Ulna, como filhos do ur-shémon, acharam natural serem os primeiros a entrar em ação — pediriam, até, se fosse necessário —. mas eu, meu Deus! Mesmo pensando que era praticamente invulnerável ante a radiação mislik, que o nosso ksill seria especialmente reforçado contra os choques, que disporia das mais poderosas armas, que, enfim, não se tratava de combater, mas sim, dum reconhecimento preliminar, sentia, ao pensar nesta aventura, o coração bater desatinadamente no meu peito. Devia ser o pressentimento da catástrofe que se avizinhava. Mesmo agora, que voltei são e salvo, hesitaria em correr os mesmos riscos, ainda que me prometessem a vida salva, o poder, a glória e até a posse das mais belas mulheres de todos os planetas!
Partimos sem novidade. Souilik, acompanhado de Essine, de dois outros Hiss e da hr'ben Beichit, tripulava o seu velho ksill, o Sesson-Essine, quer dizer: a «Bela Essine».
Fiquei muito embaraçado quando Ulna me perguntou o nome do nosso ksill, a que uma fantasia de Souilik apelidara de Ulna-ten-Sillon: Ulna falava já quase corretamente o hiss e o francês, mas não lia ainda nenhuma dessas línguas.
Akéion, vendo o meu embaraço, traduziu maliciosamente:
«União dos Planetas». Na realidade, chamava-se «Ulna, Você é o Meu Sonho».
Ulna-ten-Sillon era um ksill de pequena envergadura, de três lugares, protótipo dos ksills de combate que posteriormente foram construídos em larga escala. O conforto fora sacrificado a bem da eficiência. Do posto de comando controlavam-se todas as máquinas, armas e instrumentos de bordo. O segundo compartimento tinha três leitos sobrepostos, sendo o espaço restante ocupado pelos motores, depósitos de víveres e de munições e, também, pelos reservatórios de ar.
A carlinga, com uma blindagem de onze centímetros em liga extradura, podia suportar — segundo Souilik — o choque dum Mislik lançado a 4.000 quilômetros por hora — 8.000 brunns por basike.
Na pior das hipóteses, havia ainda uma carlinga interior, com a espessura de sete centímetros.
Imunizados, como estávamos, contra as radiações Milsliks, éramos quase invulneráveis.
Os nossos ksills passaram simultaneamente pelo ahun e juntos aterraram em Brbor, cidade situada no hemisfério norte do planeta Sswft — planeta belíssimo, de tamanho médio, em que viviam algumas centenas de milhões de Kaïens.
Que esquisita raça era a dos kaïens!. Mediam quase 2,30 metros; esverdeados e calvos, sem nariz, olhos muito glaucos e pedunculares, boca enorme e de dentes pequeníssimos, sentimos por eles, a primeira vista, uma aversão irreprimível São astrônomos medíocres, aceitáveis físicos, mas, em contrapartida, extraordinários químicos. Quase não usam os metais e a sua indústria está inteiramente baseada em matérias plásticas de síntese. Segundo Souilik, eram profundos filósofos e ótimos poetas, escultores e pintores.
Não nos afastamos dos ksills. Estavam aterrados num espaço enorme e vazio, sobre o qual voavam inúmeros helicópteros, inteiramente transparentes. Sentamo— nos num pequeno bar, onde nos serviram uma excelente bebida verde.
A distância, uma grande multidão, contida por guardas armados, espreitava-nos. O vento trazia, em lufadas, o seu estranho odor.
Estivemos silenciosos largo tempo. Tudo estava já dito. Souilik, acompanhado de Akéion, foi inspecionar pela última vez o Ulna-ten-Sillon. Maquinalmente, eu brincava com a minha pistola térmica. Essine, Ulna e Beichit trocavam impressões em tom muito baixo.
Souilik voltou. — Irmão, chegou a hora! Lembre-se de que o Conselho quer informações e não façanhas. Seja prudente e… regresse.
Inclinado para mim, sussurrou: — Os Sinzus são muito valentes. Refreia Akéion!
Chegamos perto do ksill. Souilik me abraçou pela última vez e afastou-se correndo.
Essine e Beichit acenaram de longe. Ulna já estava a bordo. Me curvei e, com o coração aos saltos, entrei.
Decolamos assim que a porta se fechou. Tinha sido combinado com Souilik que nos demoraríamos no ahun 2,5 basikes e que não mudaríamos de direção em caso algum. Assim os Hiss saberiam onde nos encontrar em caso de acidente. Não deveríamos demorar mais de vinte dias ellianos.
Saímos do ahun no momento combinado. Nos écrans via-se um negro de tinta, salpicado de pequenos luzeiros ovais: eram as galáxias ainda vivas. A mais próxima quase cobria a Lua. Akéion apontou-a e disse:
— Deve ser o universo dos Kaïens. Chegamos.
Se, por artes mágicas, tivéssemos a nossa disposição um telescópio de potência infinita, poderíamos ver este universo, não como é atualmente, mas como era há quinhentos mil anos.
Num écran especial, funcionando segundo o princípio do radar, as ondas sness, propagando-se dez vezes mais rapidamente do que a luz, desenhavam um planeta Deve ser este o mais próximo planeta, que, segundo Souilik, nos serve perfeitamente — notou Ulna.
— Vamos descer — respondeu Akéion. — Aos postos de combate!
Tomei o comando das armas. Por um écran colocado na minha frente eu vigiava todas as direções. Ulna me ajudava com um écran mais sensível, que permitia ampliar, a nossa vontade, esta ou aquela zona.
— Vamos baixar, Slair, a zona de calor!
Baixei o manípulo respectivo.
Imediatamente o ksill ficou rodeado duma zona de 300°, temperatura suficiente para aniquilar qualquer Mislik, mas inofensiva para nós, desde que envergássemos os nossos escafandros.
A superfície do planeta aproximava-se com rapidez e começamos a analisá-la detalhadamente: viam-se montanhas, ribeiras geladas e os oceanos secos Continuávamos a descer.
De repente notei uma enorme forma piramidal, extraordinariamente regular.
Mostrei a Ulna, que, regulando o visor, pôde vê-la em pormenor. Ouvi-a murmurar:
— Oh! Meu Deus Etahan! Um planeta humano!
Era, de fato, uma cidade, ou, pelo menos, o que dela restava.
Devia cobrir milhares de hectares e parecia desdobrar-se em obeliscos e campanários altíssimos, subindo vertiginosamente em direção ao céu. O mais alto, ao centro, terminava a mais de mil metros.
Fiquei admirando o espetáculo. Que fantástica civilização teria erigido esta cidade, destruída, decerto, há milhões de anos? Como você sabe, sempre tive a paixão da arqueologia, o que me levou a pedir a Akéion para desembarcar.
— Vamos contornar primeiro o planeta; se não encontrarmos Milsliks, desembarcaremos.
Horas e horas vimos desfilar continentes gelados. Vimos mais ruínas, mas não tão imponentes. Apesar de voarmos muito baixo, não avistamos qualquer Mislik.
Voltamos, então, para a fantástica cidade morta.
Sob a luz do projetor, as construções brilhavam: pareciam de gelo e ouro. Aterrissamos numa praça enorme, ao pé de uma torre cujo cimo se perdia nos céus.
Decidiu-se que só Ulna e eu fôssemos a terra, ficando Akéion a bordo do ksill, pronto para qualquer eventualidade.
Envergamos os escafandros e saímos, munidos de reservas de ar para doze horas, alimentação sintética, armas e munições.
Hesitamos um pouco sobre a direção a tomar. O ksill tinha aterrissado numa praça vagamente circular, que parecia esmagada por construções enormes. O ar vaporizava-se em contacto com a zona quente, e rapidamente o nevoeiro escondeu o nosso aparelho Não nos inquietamos e seguimos em frente.
Entramos numa rua completamente coberta. Todas as portas, de metal verde, estavam cerradas. Pareciam estranhamente baixas se cotejadas com a grandeza das construções.
Continuamos cerca de quilômetro, sempre em frente, desprezando as transversais, a fim de evitar desnorteamentos. As fachadas apresentavam-se muito nuas, sem inscrições nem esculturas que dessem quaisquer indicações sobre os seus desaparecidos construtores.