Procurava eu arrombar uma porta em mau estado quando o solo começou a tremer debaixo de nós. Pressentindo uma catástrofe, puxei Ulna rapidamente pela mão e, correndo, voltamos ao ponto de partida.
No local onde, ainda há pouco, estava o nosso ksill não havia mais do que um montão enorme de pedras e metais. Um campanário, a esquerda, sob a ação do calor intenso, tinha desabado sobre o Ulna-ten-Sillon!
Silenciosamente caíam ainda destroços, que se acumulavam em pirâmide.
Encostada a uma parede, Ulna murmurou: — Hen! Akéion, Akéion sétan son!
Por momentos nada se moveu; depois, silenciosamente, uma grande cornija desabou também.
Estávamos perdidos num planeta desconhecido, a milhares de léguas de qualquer socorro, e apenas tínhamos ar respirável para onze horas.
Então, com a carapaça cintilante, refletindo a luz do nosso projetor, surgiu o primeiro Mislik!
CAPÍTULO II
ENCONTRO COM OS MISLIKS
O Homem — e emprego o termo no sentido mais lato —, incluindo os Hiss, os Sinzus, etc., é uma estranha criatura. Estávamos perdidos, sem recursos, mas nem por um instante pensamos em abandonar a luta. Mal o primeiro Mislik mostrou a carapaça, disparei sobre ele Morreu antes de ter podido irradiar. Com o coração a bater, espreitamos: não vinha mais nenhum. Era perigoso ficar na praça, quer por causa dos destroços que continuavam a cair, quer devido aos Milsliks, que ali tinham possibilidade de voar e cair sobre nós. Assim, retomamos a passagem coberta que já havíamos explorado, após um último olhar ao monte de escombro sobre o qual jaziam o Ulna-ten-Sillon e Akéion. Neste estreito espaço tínhamos de vigiar mais de duas direções. Ultrapassamos o local em que paráramos e atravessamos uma outra praça. Esta regurgitava de Milsliks, que emitiram violentamente quando chegamos, mas em vão. Fomos obrigados a passar por cima deles e pude verificar que se tratava de uma outra raça diferente daquela que eu combatera em Sete, de Kalvénault: mais encorpados, mais curtos, de forma diferente. A sua fluorescência, em vez de ser violeta, aproximava-se do índigo Caminhamos várias horas nas ruas da cidade morta sem encontrar uma única porta aberta ou que pudesse ser arrombada. Por motivos ignorados os habitantes tinham fechado cuidadosamente as casas antes de desaparecerem. A única descoberta interessante que fizemos, a muitos quilômetros do ponto de partida, foi um veículo de seis rodas, muito baixo. No instante em que me dispunha a examiná— lo minuciosamente fomos assaltados pelos Milsliks. Eram centenas e aproximavam-se planando a quatro pés do solo. Apesar de os matarmos com as nossas pistolas térmicas, continuavam no seu trajeto e tínhamos muita dificuldade em os evitar.
Depois mudaram de tática, aproximando-se tão rapidamente que nem os víamos, o que nos obrigou a nos deitarmos na terra, estabelecendo um verdadeiro fogo de barragem a custa de um assustador consumo de munições. Ao cabo de alguns minutos o pavimento e as paredes da rua estavam tão quentes que irradiavam o calor suficiente para impedir a passagem dos Milsliks. Assim, o ataque cessou.
Ficamos sentados, tristemente, num patamar. Ainda nos restavam três horas de ar, apenas três horas! A fadiga começava a nos dominar e, através do vidro do escafandro, eu podia ver os olhos pisados e o rosto fatigado de Ulna. Falamos pouco.
Sei muito bem que nos romances os heróis escolhem sempre as situações desesperadas para fazer ternas declarações, mas posso lhe afirmar que nem nisso pensamos. Permanecemos sentados durante muito tempo.
Ulna me sacudiu bruscamente: — Os Milsliks! Estão voltando!
Agora avançavam rastejando entre os cadáveres dos outros.
Arriscando tudo por tudo, deixamos que se aproximassem e se concentrassem.
Então disparamos. Um deles teve tempo de atirar-se sobre nós e, falhando, arrombou a porta onde estávamos encostados. Ulna introduziu-se pela abertura e eu a segui. Estávamos numa grande divisão vazia, onde destroços informes assinalavam o lugar ocupado pelo que poderia ter sido o mobiliário. Em vão procuramos umas escadas ou um ascensor que conduzissem aos andares superiores. Se é que existiram, deviam ter também se desfeito em pó. Em contrapartida, descobrimos uma passagem que nos conduziu a um subterrâneo de pequenas dimensões, onde se tinha de marchar curvado. Depressa compreendemos que o caminho cruzava a rua mais em baixo. Continuamos a segui-lo, negligenciando as ramificações, que conduziam, como verificamos uma ou duas vezes, a divisões parecidas com a em que estivéramos, igualmente vazias, salvo alguns destroços sem importância. A minha paixão arqueológica tinha morrido, pelo menos de momento.
Depois o subterrâneo começou a descer insensivelmente. Tomamos cuidado, caminhando como num sonho, e tão bem ou tão mal que fui bater numa porta metálica. A passagem acabava aí. Nessa porta vi, pela primeira vez naqueles sítios, uma escultura: uma roda com raios ou um sol estilizado.
Detidos na marcha, sentimos a fadiga se abater sobre nós.
Há dez horas que caminhávamos, e só nos restava ar para uma hora. Consultei maquinalmente o barômetro fixado no punho do escafandro: a pressão atmosférica não era nula e o termômetro marcava 2650 absolutos. Estávamos, pois, numa zona interdita aos Milsliks. Quanto a ar, nós o possuíamos, mas tão pouco!
Nem sequer havia o suficiente para que pudéssemos utilizar o pequeno compressor colocado atrás do capacete. No entanto, era um bom indício e talvez que, no caso de conseguirmos transpor aquela porta, pudéssemos encontrar uma atmosfera suficientemente densa para ser utilizável.
Examinamos a porta febrilmente. Não tinha fechadura nem maçaneta, mas eu começava já a me familiarizar com os sistemas aperfeiçoados de fechaduras.
Pacientemente, tateamos o painel, fazendo pressão sobre os raios do sol, tentando deslocá-los. Em vão. Decorreu uma meia hora. Lentamente, inexoravelmente, a agulha do manômetro de oxigênio caía para o zero.
Então, no momento em que a esperança nos abandonava, a porta gemeu e abriu— se. Diante de nós uma outra porta, idêntica, barrava-nos o caminho. Ulna murmurou:
— Estamos numa câmara estanque. Haverá ar do outro lado?
Tentamos nos recordar dos gestos que fizéramos quando a primeira porta se abrira. Ao fim de uns momentos descobrimos o movimento conveniente: carregar no raio superior, imprimindo-lhe um ligeiro movimento para a esquerda. A porta abriu-se e penetramos num quarto obscuro, mas onde a pressão era quase a de uma atmosfera de Ella. Pus a funcionar o analisador: os mostradores ficaram encarnados.
Havia oxigênio suficiente para a nossa respiração e nenhum gás tóxico.
Prudentemente, ergui o capacete e aspirei uma lufada. O ar era seco e fresco, perfeitamente respirável. Estávamos, se não salvos, pelo menos com um longo repouso assegurado.
A sala, nua, parecia acabar em boca de saco, sem outra porta além daquela por onde entramos. A primeira coisa que fizemos foi desembaraçar-nos dos escafandros, demasiado pesados para os nossos fatigados corpos. Deitamo-nos lado a lado e adormecemos rapidamente O meu sono foi agitado c ao acordar verifiquei que tinha rolado até a outra extremidade do quarto. Tateando para encontrar a minha lâmpada, sentei-me e agarrei, na obscuridade, na altura da minha cabeça, uma pequena alavanca. Esta cedeu e o milagre produziu-se: uma porta abriu-se ao fundo do quarto, recortando, num retângulo luminoso, uma silhueta humana. De pequena estatura, erguia-se a contra luz, de tal forma que não lhe podia distinguir sequer os traços. Depois desapareceu bruscamente e no seu lugar surgiu uma bola de fogo, enquanto uma palavra estranha soava aos meus ouvidos.
— Ulna — gritei —, acorde!
A bola de fogo desapareceu, substituída por um céu constelado. A seguir surgiu a imagem de um planeta, visto primeiramente muito distante e depois cada vez mais perto. Sob os nossos olhos desfilaram montanhas e florestas, oceanos e planícies, enquanto a voz estranha repetia: «Siphan, Siphan, Siphan». Compreendi que era o nome do planeta A paisagem deixou de desfilar e vimos, iluminada pelos raios de um sol ofuscante, a cidade onde estávamos, cujo nome devia ser Gherséa. As ruas formigavam de veículos e seres, que víamos de muito alto para os conseguir distinguir.