Lutou com os ábacos escritos em numeração hiss, fez cálculos febris, recomeçou— os. Tudo parecia estar correto. Então, cerrando os dentes, lançou o ksill no Espaço, numa velocidade conveniente, e, depois, passou para o ahun.
Quase imediatamente, abandonou-o. Mas, em vez de se encontrar na Galáxia Maldita, emergiu no centro de uma galáxia bem viva, iluminada por milhões de sóis, perdida no nosso universo. Durante um momento interrogou-se se não teria feito uma outra falsa manobra, se não teria passado além do universo negativo, num outro universo positivo.
Dirigiu o ksill para uma estrela, depois de o écran de aumento lhe ter revelado um cortejo de planetas. Aterrou sobre um deles depois de o ter circundado. Parecia deserto, tendo unicamente vida vegetal. Ali ficou mais de oito dias, perdendo toda a esperança de nos salvar, fazendo e refazendo cálculos complicados.
Aqui intercalou-se uma outra discussão técnica, da qual duvido que o próprio Einstein tivesse compreendido alguma coisa!…
Partiu de novo, voltou a passar para o ahun, aterrou num outro planeta, refez os cálculos, dominando-o de dia para dia a impressão de que estava irremediavelmente perdido. Finalmente, ao cabo de vinte e seis dias, encontrou-se nas proximidades de um mundo habitado. Desceu direto sobre ele e aterrou no planeta dos kaïens, a alguns quilômetros apenas do ponto onde Souilik aguardava o nosso regresso. Para ele também a sorte fora favorável, mas uma sorte servida pela vontade e pela ciência.
O Tsalan desceu, ao nascer do dia, no planeta Sswft. Essine e Beichit nos fizeram um acolhimento entusiástico. Foi com prazer que revi o meu ksill, o único aparelho que até então penetrara num universo negativo. O casco tinha apenas ligeiras amolgadelas devido aos choques sofridos em Siphan.
Nessa mesma noite pedi a Hélon que me desse a sua filha como esposa.
CAPÍTULO III
OS TORPEDEIROS DE SOIS MORTOS
Não nos demoramos no planeta dos kaïens. Chegamos a Ella pelo meio do dia. Eu estava esgotado, nervoso, ansioso. Hélon, perante o meu pedido, tinha replicado que me daria a resposta em Ella, na noite da chegada.
Deixando Ulna, ainda muito abatida, no Tsalan, parti para a sala do Conselho, com Souilik, O meu relato, tão preciso quanto possível, concluía por afirmar que os Hiss pareciam, infelizmente, ter razão e que toda a possibilidade de coexistência de Milsliks e humanidades era impossível, pelo menos no mesmo sistema solar. «Mas», acrescentei, «se devemos defender ciosamente as nossas galáxias, não vejo possibilidade de exterminar os Milsliks, que são, certamente, trilhões em milhões de galáxias».
Esta conclusão não agradou a maioria da assembléia. Para além da ameaça que fazem pesar sobre qualquer vida protoplasmática, os Milsliks representam para os Hiss o inimigo metafísico, o princípio do Mal, que deve ser aniquilado do universo.
Um dos Sábios me disse:
— Afirma você que Siphan tinha sido um planeta humano conquistado pelos Milsliks. Por que não se contentam eles com planetas gelados, que nós não poderemos habitar? Por que extinguem os nossos sóis? Não, não pode haver nenhum compromisso possível. Têm de desaparecer!
— Mas a luta durará milhões de anos! Por mais poderosas que sejam as armas, vocês não poderão reconquistar os planetas um a um! E que farão desses mundos gelados que não podem habitar? Esquecendo totalmente que era um Hiss de adoção, quase tomava o partido dos Milsliks.
— Nada podemos fazer desses planetas mortos, ainda que eles contenham matérias úteis. Existem bastantes mundos vivos desertos. Mas os Milsliks devem desaparecer.
E, dado que o calor e a luz os matam, nós reacenderemos os seus sóis!
Ignorando a mais elementar delicadeza, gritei: — O que?
— Snisson disse que reacenderemos os sóis — respondeu Azzlem. — Ou, pelo menos, tentaremos. Teoricamente é impossível. Na prática arrisca-se a ser mais difícil. Mas tentaremos. Durante a sua ausência começaram já as experiências preliminares.
Poremos você ao corrente de tudo no momento oportuno.
Fiquei estarrecido! Depois da minha partida da Terra já vira suceder as coisas mais fantásticas. Admitia — era forçado a isto, visto que vira com os meus olhos — que os Milsliks, esses estranhos seres, tinham o poder de extinguir estrelas. Mas que os Hiss — que, apesar de tudo, não deixavam de ser homens — pensassem em reacendê-las… Estava me sentindo dominado por uma vertigem. Azzlem prosseguiu calmamente:
— Não creio que a experiência decisiva possa ser realizada em menos de um ano.
Entretanto, continuaremos talvez a explorar as Galáxias Malditas, mas sem fazer grandes ofensivas, que apenas serviriam para matar inutilmente Hiss ou Sinzus.
Com estas palavras foi a sessão encerrada. Saí, juntando-me a Souilik, que me aguardava. Repeti-lhe o que ouvira.
— Eu sei. Acaba de ser formada uma equipe especial de físicos, a qual inclui, sob a direção do Sinzu Béranthon e de Assza, uma centena de Hiss e quase outro tanto de representantes. de cada humanidade. A nossa amiga Beichit faz parte da delegação hr'ben. Sabe quem comandará os ksills encarregados da realização do projeto?
— Não.
— Eu mesmo. E você talvez seja encarregado das equipes de desembarque. O seu aspecto é de quem saberá se desempenhar bem disso — acrescentou rindo.
O Tsalan tinha descido no local habitual. Afastei-me dele e fui passear perto da margem, no sítio onde vira Ulna pela primeira vez. Me parecia um mau indício que Hélon não me tivesse dado uma resposta imediatamente. Desejava e temia, simultaneamente, o pôr do sol. O céu estava sem nuvens, como a suave cor malva que se vê em Ella quando o tempo está úmido, na altura de Ialthar desaparecer. Me sentei na areia fina.
Atrás de mim ouvi passos. Um Sinzu aproximava-se e saudou:
— Song Vsévold Clair, o ur-shémon aguarda você — disse, dando-me o meu título sinzu.
Segui-o. A proa do Tsalan estendia o seu gigantesco cone por Cima das nossas cabeças. Hélon me aguardava no posto central, com Akéion e cinco idosos Sinzus, entre os quais Vincédon — Você ontem me pediu minha filha Ulna como esposa começou ele sem circunlóquios inúteis. — Teoricamente, tem esse direito: você é Sinzu — Then e Song.
Mas, tendo consultado os nossos amigos Hiss, concluímos que seria a primeira vez que se verificaria um casamento entre humanidades diferentes. Até o nosso encontro não conhecíamos nenhuma que estivesse suficientemente próxima da nossa para que uma tal união pudesse ser encarada. Nunca se verificaram casamentos entre os Hiss e os Krens, os quais se lhes assemelham tanto que os próprios Hiss é com dificuldade que os distinguem dos seus compatriotas. Mas os nossos biologistas afirmam, por terem examinado você durante a sua passagem pelo hospital, que, quimicamente, o seu protoplasma é indiscernível do nosso. Você tem, de resto, fragmentos de ossatura sinzus, artérias sinzus, tecidos sinzus. O seu metabolismo é idêntico ao nosso, tem o mesmo número de cromossomas e, provavelmente, o mesmo número de genes. O seu caso é, portanto, único. Só há uma diferença: é que você tem cinco dedos, em vez de quatro, mas os nossos antepassados tinham também cinco dedos. Parece, portanto, não haver nisso obstáculos, fora dos psicológicos. Mas Ulna — e sorriu — consente. Em consequência, dou a minha aprovação. Dado que nas famílias de shémons nenhum casamento se deve realizar fora de Bérisenkor, capital de Arbor, vocês partirão para lá desde que os Hiss o permitam. Digo desde que os Hiss o permitam porque, se você é Sinzu-Ten, é também Hiss e igualmente Terrestre. Me interrogo, com ansiedade — gracejou ele —, a que planeta pertencerão os filhos de vocês dois!