Durante todo este discurso eu estivera sobre brasas. A decisão me encheu de alegria. Me inclinei segundo o cerimonial sinzu. Agradecer teria sido uma indelicadeza: só se agradecem as dádivas de pouco valor. — Uma advertência: — disse ainda.Hélon — segundo o nosso costume, você não deve procurar se encontrar com Ulna agora. Só a verá no dia do casamento. Mas ninguém impede de você enviar mensagens para ela.
Saí do Tsalan com o coração aliviado. Caí sobre o inevitável Souilik, a quem dei a boa nova.
— Então toda a gente se casa! — volveu ele — Essine e eu, Ulna e você, e acabo de estar com Beichit, que me anunciou o seu enlace com Séfer. Apenas, no seu caso, você está em falta com os nossos costumes.
— Como pode ser isso?
— Você foi o meu stéen-sétan, e ainda não há um ano que casei. Você me deve a multa tradicionaclass="underline" um bloco de platina da grossura de um punho! Hoje, se não conseguir um, o primeiro laboratório que apareça terá muito prazer em fabricar um…
Creio que o seu casamento se. realizará em Arbor. Como é que você irá? Sei que o Conselho quer conservar aqui todas as astronaves sinzus. Quer que lhe conduza no meu ksill?
E foi assim que, três dias depois, Souilik, Essine, Hélon, Akéion e eu partimos para Arbor, com Ulna fechada num compartimento, para que eu não a pudesse ver.
Um dia lhe contarei as suntuosas cerimônias que se desenrolam no casamento da filha de um ur-shémon, Falarei também dos esplendores desse planeta Arbor. Assim como Ella é um mundo calmo e sereno, assim como os planetas mortos são mundos de horror, Arbor é uma terra bravia e bela, com os seus oceanos de um azul-violeta, as suas montanhas de vinte quilômetros de altura, as imensas florestas verdes e púrpuras, as quais os Sinzus velam com um cioso cuidado. Oh! nunca esquecerei a curta estada que fiz, após o meu casamento, no vale de Tar. Ali ficamos apenas seis dias de Arbor, isto é, cerca de oito vezes vinte e quatro horas terrestres. Havia uma moradia reservada para noivos, no meio de uma floresta, a meia encosta de uma vertente onde correm as águas azuis do glaciar. Alguns quilômetros mais abaixo, a torrente, retida por um dique, forma um lago, nas margens do qual se ergue a agradável cidade de Nimoê. E, no entanto, nenhum Sinzu ultrapassa o limite invisível que separa o vale reservado do lago. É um velho costume, que existia também, creio eu, nos nossos índios apaches, esse de os jovens casais terem de passar alguns dias completamente isolados. Segundo o meu ponto de vista, é de inscrever isto no ativo da civilização sinzu.
No passivo, também segundo a minha opinião, é necessário inscrever a mania das cerimônias: nenhum povo, com exceção, talvez, do chinês, é cerimonioso a este ponto. Uma vez decorridos os nossos seis dias de solidão, tive de participar de uma série de festas, de visitas. A ignorância dos costumes me fazia sempre recear cometer faltas, e me senti aliviado quando os shémons me comunicaram que podia regressar a Ella logo que me aprouvesse.
Tive ainda em Arbor uma estranha experiência. Akéion me conduziu um dia, ao principal observatório do planeta, no hemisfério austral. E aí os astrônomos me mostraram, perdido na constelação de Brénoria, uma pálida mancha de luz: a nossa galáxia. No mais potente instrumento — que não é inspirado no princípio do telescópio — essa mancha resumia-se a uma poeira de estrelas, dispostas em espiral. Entre essas estrelas, perdido na irradiação delas, encontrava-se o nosso humilde Sol. E em volta dessa estrelinha girava a minha Terra natal, tão longe, tão pobremente invisível. A luz que eu via tinha partido há mais de oitocentos mil anos e, admitindo que a ciência dos Sinzus tivesse permitido ver a Terra, tudo o que eu podia esperar perceber seriam, talvez, algumas miseráveis famílias de pitecantropos, na orla de uma floresta.
Agora, que regressei a Terra, sempre que a noite ou o tempo o permitem, Ulna e eu observamos a nebulosa de Andrômeda. Vê-la faz-me tocar com o dedo, se assim se pode dizer, a imensidade das distâncias que percorri. A galáxia dos Hiss é muito longe, está fora do alcance mesmo dos nossos telescópios gigantes. Mas ver esta pequena opala e pensar que a mulher que está ao meu lado lá nasceu e eu aí estive!…
Ao cabo de três meses regressamos. Souilik veio nos procurar, como estava combinado. Decolamos do astro-porto de Bérinsenkor, repleto de enormes astronaves que asseguram a ligação entre Arbor e os outros planetas colonizados pelos Sinzus.
O nosso ksill parecia minúsculo ao lado deles.
Mal tínhamos partido, Souilik me confirmou que eu faria parte do seu estado-maior de «torpedeiros de sóis mortos». Parecia ter me tornado uma personagem importante em Ella. Me interroguei, durante muito tempo, sobre o motivo por que os Hiss não cessavam de me nomear para cargos importantes… e perigosos! Estaria certamente mais adequado numa equipe de biologistas. Os Sinzus não deixavam de participar, como eu, da imunidade perante as irradiações Milsliks e, além disso, eram excelentes físicos. Mas creio que os Ellianos tinham levado a peito a minha integração, e para eles eu era, portanto, um Hiss, um Hiss de sangue vermelho, e não um estrangeiro, como os Sinzus. Além disso, há entre mim e Souilik uma profunda e verdadeira amizade e, insistindo para que eu o acompanhasse, este jovem Hiss, excepcionalmente aventureiro, neste povo de aventureiros científicos, fazia-me a mais bela oferta que estava ao seu alcance: a aventura!
Aconteceu inúmeras vezes amaldiçoar, não, de qualquer forma, esta amizade, mas as suas consequências!
Quando regressamos a Ella nos instalamos numa casa da ilha Bressié. Ulna e «minha irmã Assila» entenderam-se muito bem. Continuamos a trabalhar cerca de um ano na nossa equipe de biologistas, procurando forma de imunizar totalmente os Hiss contra as irradiações dos Milsliks. Finalmente isso nos pareceu teoricamente impossíveclass="underline" as ondas particulares emitidas pelos Milsliks destroem o pigmento respiratório dos Hiss e de todas as humanidades, salvo os Sinzus e nós. E, a não ser que se mude de pigmento respiratório — o que é, evidentemente, impossível —, nada há a fazer. Assza estudou o problema do ponto de vista da física e chegou exatamente ao mesmo resultado. No entanto, conseguimos, através da injeção de certas substâncias químicas, retardar a ação lítica durante algum tempo, desde que não se tratasse de uma radiação muito intensa.
Certa noite, quando saímos do laboratório, Souilik nos levou até ao seu ksill e, sem quaisquer explicações, decolou. Eu começara a me familiarizar com a condução destes engenhos, pelo que, ao cabo de algum tempo, percebi que estávamos a caminho de Marte. Nem Ulna nem eu lá fôramos alguma vez, e, assim, encaramos a viagem com satisfação. De resto, foi feita na velocidade espacial máxima para esta distância, o décimo da velocidade da luz.
Marte é um planeta bravio, que se assemelha um pouco a Arbor, mas ainda mais árido. Sobrevoamos o solo de muito alto e, depois, Souilik desceu o ksill sobre uma enorme construção, a principal fábrica onde eram construídos os ksills para todos os planetas. Que o termo «fábrica» não lhe desperte a idéia de ruído insuportável. Os Hiss têm horror ao ruído, pelo que ali tudo se passava em silêncio, ou quase. Os ksills eram dispostos em cadeia por autômatos, que alguns, poucos, Hiss vigiavam.