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– Jacky!

– Eu o observei enquanto o senhor acariciava a criança, agora há pouco. Seu rosto estava refletido nitidamente no vidro da janela, onde o postigo formava um fundo. Vi tanto ciúme, um ódio tão cruel como poucas vezes vi em outro rosto humano.

– Meu Jacky!

– O senhor tem de enfrentar isto. É muito penoso porque foi um amor desvirtuado, um amor exageradamente louco pelo senhor, e possivelmente pela sua mãe morta, que instigou sua ação. Sua própria alma está consumida pelo ódio por esta esplêndida criança, cuja beleza e saúde contrastam com sua própria fraqueza.

– Bom Deus! Isto é inacreditável!

– Eu disse a verdade, senhora?

A mulher estava soluçando, com o rosto enterrado nos travesseiros. Então ela virou-se para o marido.

– Como é que eu podia dizer-lhe, Bob? Eu sabia que seria um golpe para você. Seria melhor que eu esperasse e que você soubesse por outra pessoa, e não por mim. Quando este cavalheiro, que parece ter poderes mágicos, escreveu que sabia de tudo, fiquei feliz.

– Acho que um ano no mar seria minha prescrição para Jacky – disse Holmes, levantando-se de sua cadeira. – Apenas uma coisa continua obscura, madame. Posso entender perfeitamente que tenha atacado Jacky. Há um limite para a paciência de uma mãe. Mas, como teve a coragem de deixar a criança nestes dois últimos dias?

– Eu havia contado à sra. Mason. Ela sabia.

– Exatamente. Eu calculei isso.

Ferguson estava de pé ao lado da cama, sufocado, as mãos esticadas e tremendo.

– Imagino que este seja o momento propício para sairmos, Watson – disse Holmes num sussurro. – Se você segurar a fiel Dolores por um dos cotovelos, eu a segurarei pelo outro. Bem, agora – ele acrescentou, enquanto fechava a porta atrás de si –, acho que podemos deixar que resolvam o resto entre eles.

Tenho apenas mais uma coisa a registrar neste caso. É a carta que Holmes escreveu, como resposta final àquela com a qual começa esta narrativa. Diz o seguinte:

BAKER STREET,

21 de novembro

Ref.: Vampiros

PREZADO SENHOR,

Com referência à sua carta do dia 19, tomo a liberdade de informar que examinei o caso do seu cliente, sr. Robert Ferguson, da firma de corretores de chá, Ferguson e Muirhead, de Mincing Lane, e que o assunto chegou a um final satisfatório. Com os agradecimentos pela sua recomendação,

Firmo-me, atenciosamente,

Sherlock Holmes

a aventura dos três garridebs

Pode ter sido uma comédia ou pode ter sido uma tragédia. Custou a um homem a sua razão, a mim dinheiro, e ainda a outro homem as penalidades da lei. Mesmo assim, havia  certamente um elemento de comédia. Bem, vocês mesmos deverão julgar.

Lembro-me muito bem da data, pois foi no mesmo mês em que Holmes recusou um título de nobreza por serviços que, algum dia, talvez possam ser narrados. Eu só menciono o assunto de passagem, porque na minha condição de sócio e confidente, tenho a obrigação de ser particularmente cuidadoso, evitando qualquer indiscrição. Mas repito que isso me torna capaz de determinar a data, que foi o final do mês de junho de 1902. Logo após o fim da guerra sul-africana, Holmes tinha passado alguns dias na cama, como era seu hábito de vez em quando, mas ele apareceu naquela manhã com um documento do tamanho de uma folha de papel almaço na mão e

um brilho divertido nos austeros olhos cinzentos.

– Há uma oportunidade para você fazer dinheiro, amigo Watson – ele disse. – Você já ouviu alguma vez o nome Garrideb?

Eu disse que não.

– Bem, se você conseguir botar as mãos num Garrideb, há dinheiro nisso.

– Por quê?

– Ah, é uma longa história – bastante esquisita também. Acho que em todas as nossas investigações a respeito das complexidades humanas, jamais deparamos com algo mais estranho. O sujeito estará aqui daqui a pouco, para responder a umas perguntas, de modo que não vou revelar o assunto enquanto ele não chegar. Mas, enquanto isso, é este o nome que queremos.

A lista telefônica estava na mesa ao meu lado, e eu comecei a virar as páginas, numa busca sem esperança. Mas, para meu espanto, lá estava este estranho nome em seu devido lugar. Dei um grito de vitória.

– Aqui está, Holmes! Aqui está ele!

Holmes tirou o livro da minha mão.

– “Garrideb, N”, ele leu, “Little Ryder Street, 136, W”. Lamento desapontá-lo, meu caro Watson, mas este é o próprio. Este é o endereço que está na carta. Temos de procurar outro nome semelhante a este.

A sra. Hudson tinha entrado com um cartão numa bandeja. Peguei-o e dei uma olhada.

– Ora, aqui está! – gritei espantado. – Este tem uma inicial diferente. John Garrideb, advogado, Moorville, Kansas, U.S.A.

Holmes sorriu quando olhou o cartão. – Acho que você ainda precisa fazer outra tentativa, Watson – ele disse. – Este cavalheiro também já está na trama, embora eu não esperasse vê-lo esta manhã. Mas ele tem condições de nos contar uma porção de coisas que eu quero saber.

Um minuto depois ele estava na sala. O sr. John Garrideb, advogado, era baixo, vigoroso, com o rosto redondo, saudável e sem barba, característico de tantos executivos americanos. Seu aspecto geral era gordo e infantil, de modo que tivemos a impressão de um homem muito jovem e muito sorridente. Mas seus olhos estavam atentos. Raramente vi um par de olhos que demonstrassem uma vida interior mais intensa, tão brilhantes que eram, tão atentos, e que expressassem cada mudança de pensamento. Seu sotaque era de americano, mas não era acompanhado por nenhuma excentricidade de linguagem.

– Sr. Holmes? – ele perguntou, olhando de um para o outro. – Ah, sim! Seus retratos não são diferentes do senhor, se é que posso dizer isto. Creio que o senhor recebeu uma carta do meu homônimo, sr. Nathan Garrideb, não é?

– Peço-lhe que se sente – disse Sherlock Holmes. – Acho que vamos ter muito o que conversar. – Ele apanhou suas folhas de papel almaço. – O senhor, naturalmente, é o John Garrideb mencionado neste documento. Mas, com certeza, o senhor mora na Inglaterra há algum tempo.

– Por que diz isso, sr. Holmes? – pareceu-me ver uma repentina desconfiança naqueles olhos expressivos.

– Todo o seu traje é inglês.

O sr. Garrideb deu um sorriso forçado. – Já li a respeito de suas brincadeiras, sr. Holmes, mas nunca pensei que seria alvo delas. Como foi que o senhor percebeu isto?

– O talhe dos ombros do seu paletó, o bico de suas botas – alguém poderia duvidar?

– Ora, ora, eu não sabia que eu era um inglês de maneira tão evidente. Mas os negócios trouxeram-me para cá há algum tempo, de modo que meu traje é quase todo londrino. No entanto, imagino que seu tempo seja precioso, e nós não nos encontramos para falar sobre o estilo de minhas meias. Que tal tratarmos do papel que o senhor tem nas mãos?

De algum modo, Holmes havia irritado o nosso visitante, cujo rosto gordo adquiriu uma expressão bem menos amável.

– Calma! Calma, sr. Garrideb! – disse meu amigo num tom tranqüilizador. – O dr. Watson lhe dirá que estes meus pequenos desvios às vezes acabam mostrando que tinham algo a ver com o assunto. Mas por que o sr. Nathan Garrideb não veio com o senhor?

– Por que cargas d’água ele o envolveu neste assunto? – perguntou o nosso visitante, com uma repentina explosão de raiva. Mas, afinal,  que diabo o senhor tem a ver com isto? São negócios profissionais entre dois cavalheiros, e um deles precisa chamar um detetive! Eu o vi esta manhã, e ele me contou esta brincadeira boba que fez comigo, e é por este motivo que estou aqui. Mas, sinto-me mal do mesmo jeito, por causa disto.

– Isto não o atinge, sr. Garrideb. Foi apenas zelo da parte dele para obter um resultado – resultado que acredito ser igualmente vital para vocês dois. Ele sabia que eu tinha meios de obter informações, e, portanto, era muito natural que recorresse a mim.