– Qual é a sua opinião, Watson?
– Bem, Holmes, devo confessar que quando penso que este é um homem que certamente afastaria qualquer obstáculo do seu caminho, e quando me lembro que a mulher dele pode ter sido um obstáculo e um alvo de desagrado, como aquele homem, Bates, nos contou, parece-me que...
– Exatamente. E a mim também.
– Mas quais eram as suas relações com a governanta, e como você as descobriu?
– Blefe, Watson, blefe! Quando analisei o tom apaixonado e nada formal de sua carta, diferente de uma carta de negócios, e o comparei com o seu jeito e seu aspecto reservados, ficou claro que havia uma profunda emoção que se centrava mais na mulher acusada do que na vítima. É necessário compreender as relações verdadeiras entre essas três pessoas para podermos chegar à verdade. Você viu o ataque frontal que lhe fiz, e como ele o recebeu do modo imperturbável. Então blefei para dar-lhe a impressão de que eu estava absolutamente certo, quando, na verdade, eu estava apenas suspeitando.
– Será que ele volta?
– É certo que ele voltará. Ele precisa voltar. Ele não pode deixar as coisas como estão. Ah! não é a campainha? Sim, ouço seus passos. Ora, sr. Gibson, eu estava justamente dizendo ao dr. Watson que o senhor estava um pouco atrasado.
O Rei do Ouro havia voltado à sala com uma disposição mais conciliadora do que quando saiu. Seu orgulho ferido ainda transparecia em seus olhos ressentidos, mas seu bom senso lhe mostrara que precisava se sujeitar, se quisesse atingir seu objetivo.
– Estive refletindo sobre o assunto, sr. Holmes, e percebi que fui precipitado ao interpretar erroneamente as suas observações. O senhor tem motivos para ir direto aos fatos, quaisquer que eles sejam, e eu o respeito mais por isso. Mas, posso assegurar-lhe que as minhas relações com a senhorita Dunbar realmente não têm nada a ver com este caso.
– Isto cabe a mim decidir, não é?
– Sim, suponho que seja assim. O senhor é como um cirurgião que quer saber todos os sintomas antes de fazer o diagnóstico.
– Exatamente. É o que o senhor acaba de dizer. E só um paciente que tenha o objetivo de enganar seu cirurgião ocultaria a realidade de seu caso.
– Pode ser assim, mas o senhor deve admitir, sr. Holmes, que a maioria dos homens se acanha um pouco quando lhe perguntam, sem rodeios, qual o tipo de relação que ele tem com uma mulher – quando há realmente algum sentimento verdadeiro no caso. Imagino que a maioria dos homens tenha um cantinho particular em suas almas, onde os intrusos não são bem-vindos. E o senhor de repente intrometeu-se aí. Mas, o objetivo o desculpa, desde que seja para julgar e tentar salvá-la. Bem, as apostas estão sobre a mesa e a alma aberta, e o senhor pode explorá-la onde quiser. O que é que o senhor deseja?
– A verdade.
O Rei do Ouro fez uma pausa, como alguém que põe os pensamentos em ordem. Seu rosto carrancudo e marcado por rugas ficou ainda mais sombrio e grave.
– Posso resumi-la em poucas palavras, sr. Holmes – ele disse finalmente. – Há algumas coisas dolorosas e também difíceis de dizer, de maneira que não irei me aprofundar mais do que o necessário. Conheci minha mulher quando estive no Brasil à procura de ouro. Maria Pinto era filha de um funcionário do governo em Manaus e era muito bonita. Naquela época eu era jovem e ardente, mas mesmo agora, quando olho para trás com o sangue mais frio e o olhar mais crítico, posso ver que sua beleza era rara e maravilhosa. Tinha também uma natureza profundamente rica, apaixonada, dedicada, tropical, impulsiva, muito diferente das mulheres americanas que eu havia conhecido. Bem, para encurtar a história, fiquei apaixonado e casei-me com ela. Foi só quando o amor acabou – e durou anos – que compreendi que não tínhamos nada – absolutamente nada – em comum. Meu amor desapareceu. Se o dela tivesse desaparecido também, teria sido mais fácil. Mas, o senhor sabe como são as mulheres! Nada do que eu fazia era suficiente para afastá-la de mim. Se fui áspero com ela, até mesmo brutal, como disseram alguns, foi porque eu sabia que se pudesse matar o seu amor, ou se ele se transformasse em ódio, seria mais fácil para nós dois. Mas, nada a modificou. Ela me amava nos bosques ingleses como havia me adorado há vinte anos atrás, às margens do Amazonas. Não importava o que eu fizesse, ela continuava devotada como sempre.
– Então chegou a senhorita Grace Dunbar. Ela respondeu ao nosso anúncio e tornou-se a governanta de nossos dois filhos. Talvez o senhor tenha visto seu retrato nos jornais. O mundo inteiro tem afirmado que ela também é uma mulher muito bonita. Ora, não tenho pretensão de ser mais moralista do que meus vizinhos e vou admitir para o senhor que eu não podia viver sob o mesmo teto que esta mulher, em contato diário com ela, sem sentir uma veneração ardente por ela. O senhor me censura por isso, sr. Holmes?
– Não o censuro por sentir isso. Deveria censurá-lo se o senhor manifestasse isso, já que, de certa forma, a jovem estava sob sua proteção.
– Bem, talvez – disse o milionário, embora por um momento a censura tivesse feito surgir em seus olhos o velho brilho de ódio. – Não estou pretendendo parecer melhor do que sou. Creio que durante toda a minha vida fui um homem que tentava conseguir o que queria, e nunca desejei nada mais do que o amor e a posse dessa mulher. Disse-lhe isso.
– Oh, o senhor fez isso, não?
Holmes podia parecer terrível quando tinha a intenção.
– Disse-lhe que se pudesse me casar com ela eu o faria, mas, que isto estava fora da minha possibilidade. Disse que dinheiro não era problema, e faria o que fosse possível para vê-la feliz e confortável.
– Muito generoso, com certeza – disse Holmes com um sorrido sarcástico.
– Veja, sr. Holmes. Vim procurá-lo por uma questão de evidência, e não por uma questão de moral. Não estou pedindo suas críticas.
– De qualquer modo, é só em consideração à jovem que vou tratar deste caso – disse Holmes com rispidez. – Não sei se alguma coisa de que ela é acusada é, realmente, pior do que isso que o senhor mesmo admitiu, que o senhor tentou arruinar uma moça indefesa que estava sob o seu teto. Alguns de vocês, homens ricos, precisam aprender que o mundo todo não pode ser subornado para fechar os olhos aos seus crimes.
Para minha surpresa, o Rei do Ouro recebeu a reprimenda com serenidade.
– É assim que me sinto em relação a isto agora. Agradeço a Deus que os meus planos não tenham se concretizado da maneira que eu pretendia. Ela não aceitou nada que eu propus, e quis deixar a casa imediatamente.
– Por que não o fez?
– Bem, em primeiro lugar, outras pessoas dependiam dela, e não era fácil para ela deixá-las em dificuldades, sacrificando suas vidas. Depois que eu jurei – como o fiz – que ela não seria molestada novamente, ela consentiu em ficar. Mas, havia outro motivo. Ela sabia da influência que exercia sobre a minha pessoa, e que ela era mais forte do que qualquer outra influência no mundo. Ela queria usar isto para o bem.
– Como?
– Bem, ela sabia alguma coisa a respeito de meus negócios. Eles são vastos, sr. Holmes – muito além daquilo que um homem comum poderia imaginar. Posso construir ou destruir. E geralmente destruo. E não somente pessoas. Foram comunidades, cidades, até nações. É um jogo duro, e os fracos são postos de lado. Eu jogava por tudo que valesse a pena. Jamais gritava de dor e nunca me preocupava se os outros gritassem. Mas, ela via isso de maneira diferente. Acho que ela estava certa. Ela acreditava e dizia que a fortuna de um homem que fosse maior do que ele necessitasse não deveria ser construída sobre a ruína de 10 mil homens deixados sem meios de sobrevivência. Era assim que ela pensava, e creio que ela podia ver além dos dólares, e se preocupava com alguma coisa mais duradoura. Ela descobriu que eu ouvia o que ela dizia e acreditava que estava servindo ao mundo, influenciando minhas ações. De modo que ela ficou – e foi então que tudo aconteceu.