– Que prazer estar aqui hoje, nesta festa de noivado – disse ele. – Maria vai se casar com Arnold Schwarzenegger. Arnold, que maravilha, muito obrigado por me convidar.
Caí totalmente na brincadeira.
– Mas eu estou aqui! – exclamei.
Foi uma brincadeira idiota, mas todo mundo riu. O gelo foi quebrado e Milton embarcou em um esquete cômico.
– Esta é Ruthie, minha esposa – falou. – Olhe só para a boca dela. A última vez que vi uma boca assim, estava atravessada por um anzol.
Ruth, sentada ao lado de Maria, comentou:
– Ai, ai, acho que já ouvi essa piada umas mil vezes...
Depois disso, Berle sentou-se conosco e nos divertimos muito. No final, ele disse:
– Vamos marcar alguma coisa qualquer dia desses.
– Claro! – respondi.
Então, um dia, combinamos ir ao Caffé Roma, em Beverly Hills, e o lugar se tornou nosso ponto de encontro. Eu sempre almoçava lá com ele e com amigos seus como Sid Caesar e Rodney Dangerfield, além de Milt Rosen, que escrevia muitas de suas piadas. Ou então ia à sua casa, onde fumávamos charutos enquanto eu lhe fazia mil perguntas sobre comédia.
Berle era presidente do Friars Club de Beverly Hills, fundado por ele em 1947 junto com outros humoristas como Jimmy Durante e George Jessel. O clube ficava em uma rua entre os bulevares Wilshire e Santa Monica, em um prédio branco que visto de fora parecia um bunker, mas que tinha restaurante e boate privativos lá dentro. Eu ia ao lugar a cada um ou dois meses para almoçar ou jantar, ou então por causa de algum evento. O clube promovia boas lutas de boxe e era famoso pelos eventos conhecidos como roasts, em que alguma celebridade era posta na berlinda para ser alvo de piadas e brincadeiras. Milton, porém, já tinha quase 80 anos, e era fácil ver que o clube estava ultrapassado.
Ele e os amigos mantinham o lugar tão protegido que novos humoristas não entravam. Gente como Eddie Murphy, Steve Martin, Danny DeVito e Robin Williams frequentava o Friars como visitante, e dava para ver a frustração em seus rostos. Eles deviam pensar: “Que velhotes sem graça são esses? As minhas piadas fazem todo mundo rolar no chão de tanto rir.”
Porém, como eu não era humorista, não fazia parte desse grupo. Além do mais, fui educado em uma cultura que respeita os mais velhos. Para mim, um profissional como Berle tinha que ser honrado, elogiado e incentivado, porque talvez sua carreira já não estivesse indo tão bem. Devia ser esquisito para ele, depois de ter entrado para a história como o “Mr. Television” e de ter sido um grande astro em Las Vegas e na Broadway, de repente ter o Friars Club como sua única identidade. Onde quer que estivesse, Milton tentava roubar a cena, pois ainda tinha aquela necessidade de atenção que o levara a se tornar humorista.
Descobri que todas essas lendas da comédia sabiam ter uma conversa normal, mas não sempre. Quando estávamos reunidos no Caffé Roma, falávamos sobre assuntos do dia a dia, mas aí aparecia Robin Williams, ou então Rodney Dangerfield, com sua habitual bermuda, e as coisas ficavam mais animadas. Se você fosse com esses mesmos caras a um evento beneficente no qual houvesse qualquer tipo de plateia, eles não paravam nunca: era piada atrás de piada, provocação atrás de provocação, e ninguém tinha pena de ninguém. O mais engraçado, porém, era que muitos dos humoristas levavam as esposas, que eram donas de casa de aparência normal. As piadas dos maridos as faziam revirar os olhos. Quase dava para ouvir seus pensamentos: “Lá vamos nós outra vez. Deus nos acuda.” Na verdade, às vezes uma delas até dizia em voz alta: “Ah, pelo amor de Deus, quantas vezes você vai contar essa?” Isso era o pior. Os humoristas mais velhos odiavam.
Os caras do Friars Club não me viam como humorista. Eles gostavam de mim e dos meus filmes e achavam que eu tinha certo talento humorístico dentro de determinado limite. Também sabiam que eu os respeitava e admirava seu talento. Eu não achava isso ruim. É preciso saber avaliar o próprio potencial. Então digamos que, em uma escala de um a dez, sendo Milton Berle o dez, eu tinha um potencial de cinco. Em matéria de comédia, o potencial dele era bem maior do que o meu, claro, mas em outras áreas talvez não fosse o caso. É difícil imaginar Milton Berle como herói de filmes de ação, por exemplo.
O truque, porém, é saber como alcançar 100% do seu potencial. Eu estava em um bom momento da carreira para começar a fazer papéis cômicos e diversificar um pouco meus trabalhos. No entanto, sabia também que isso era algo arriscado, principalmente para mim, que, sendo europeu, não tinha um senso de humor americano. Além disso, meu ritmo e minha velocidade de dicção tendiam a ser meio esquisitos. Então, estar em contato com esses caras e poder entrar no seu mundo me deu a oportunidade de entender melhor esse terreno. Descobri que gosto muito de conviver com gente engraçada, que escreve comédia e vive procurando um jeito único de dizer as coisas – embora tenha precisado me acostumar com Milton brincando que meus peitos eram maiores do que os da minha namorada.
Ele se tornou meu mentor de comédia. Costumava me incentivar dizendo: “Ser engraçado é duas vezes mais difícil para você, com esse sotaque, do que para mim. As pessoas já esperam que eu seja engraçado!” Milton me ensinou muito sobre como contar piadas, não exagerar no humor e não enfatizar demais a parte engraçada. Eu lhe perguntava como escolher piadas para suavizar uma situação séria e como inseri-las na conversa de modo natural. Aprendi que, no caso da comédia stand-up, nada precisa estar interligado. Primeiro você faz algumas piadas com assuntos da atualidade, como Jay Leno costuma fazer, por exemplo. Depois escolhe algumas pessoas da plateia e brinca com elas, sem se esquecer de incluir algumas piadas sobre você mesmo para amenizar o fato de estar fazendo graça à custa dos outros.
Milton muitas vezes me dava conselhos sobre o ritmo. “Quando você é um astro, recebe vários prêmios, mas muitos deles são irrelevantes”, dizia ele. “No entanto, mesmo assim é preciso fazer um discurso de agradecimento. Então você deve dizer: ‘Já ganhei muitos prêmios, mas este aqui... para mim...’ E tem que se emocionar nessa parte e fingir que está com a voz embargada: ‘Este aqui, para mim, é o mais... recente!’ Entendeu? Você demonstra emoção para fazer a plateia ir na direção contrária.”
Berle escrevia as próprias piadas – The Milton Berle Show fora o mais importante e duradouro programa dos primeiros tempos da TV –, mas também era famoso por roubar piadas de todos os outros humoristas. Jack Benny certa vez foi acusado de se apropriar de uma piada de Berle e comentou: “Pegar uma piada de Milton Berle não é roubo, é reintegração de posse.”
A maior frustração de Milton comigo era minha mania de exagerar o tempo todo. Um dia, ele estava me ajudando a me preparar para um roast ao qual não poderia comparecer. Quem estaria na berlinda nesse dia seria eu, e Milton estava me ensinando algumas piadas para contar quando chegasse a minha vez de responder aos outros participantes. “Não queime ninguém, só chamusque”, dizia ele, lembrando-me de seu antigo preceito sobre roasts e brincando com o significado da palavra roast em inglês: “assar”. Não lhe dei muita atenção. Uma das piadas que ele me ensinou foi sobre o humorista Henny Youngman: “Henny tem um problema de peso. Mas na verdade não é gordura, é só retenção de líquido. Ele está retendo um lago inteiro.”
Na noite do evento, quando chegou minha vez de falar, fiz um gesto em direção a Henny e disse: “Olhem só esse balofo aqui. Na verdade ele não é balofo. Está só retendo líquidos...”
Os amigos de Friars Club de Milton descobriram que ele estava me dando dicas e no dia seguinte ligaram para ele aos gritos: “Como você pôde dizer para o Arnold chamar o Henny de balofo?” Milton disse que eu deveria ligar para os sócios do clube que tinham se ofendido e me desculpar. “Pensei que ir além do que estava escrito no papel seria mais engraçado”, expliquei a eles. “Mas sei que contrariei as regras e sinto muito por isso.”