Meu papel era dizer: “Gostei desse negócio.” O de Paul, por sua vez, era se certificar de que tudo estivesse realmente em ordem e de que compreendíamos os riscos. Ser dono de algo gigantesco como um avião... Você assina uns documentos e acha que não tem nenhuma desvantagem porque a manutenção e a segurança são garantidas pela companhia aérea – mas será que isso era totalmente verdade? Paul descobriu detalhes bizarros. Por exemplo: se o avião que você tinha comprado sofresse um acidente, você com certeza teria dificuldade para dormir à noite, mas, ao mesmo tempo, havia dinheiro de seguro mais que suficiente para cobrir as despesas. Por outro lado, se outras aeronaves da Singapore Airlines sofressem algum acidente e a reputação da companhia ficasse arruinada, o valor do seu investimento seria prejudicado. Outras empresas poderiam não querer mais o seu avião ao final do leasing, quando a Singapore o devolvesse.
– Essa é uma das formas como esse investimento pode dar errado – explicou David Crane. – Você ficaria encalhado com um 747 que ninguém mais quer, mas mesmo assim teria que continuar pagando as parcelas do empréstimo bancário.
De fato, a rentabilidade daquele investimento dependia muito do chamado “valor residual”. E este poderia ser afetado por diversos fatores, desde a reputação da companhia aérea à situação econômica mundial, do preço do petróleo a inovações tecnológicas que só iriam surgir dali a 10 anos. Quando ouvi David descrever o pior que poderia acontecer, porém, tive que rir.
– Tá bom! – falei. – É exatamente isso que vai me acontecer.
Eu simplesmente tinha fé de que não aconteceria.
Por fim, ficamos os dois à vontade com o acordo. Eu estava animado.
– Você deveria conversar com outras pessoas em Hollywood – falei para Paul. – Talvez elas também gostem da ideia e você possa fechar mais negócios.
Ele falou com uns cinco ou seis executivos e astros importantes, mas saiu de mãos abanando.
– Todos me olharam como se eu fosse um monstro aterrorizante – contou-me. – O que mais vi nos olhos deles foi medo. Como se a coisa toda fosse esquisita demais e grande demais para eles.
O avião que acabamos comprando custou 147 milhões de dólares. Antes de assinar os documentos, fomos ao aeroporto para vê-lo. Existe uma foto em que estou literalmente chutando os pneus do meu 747. Assinamos vários tipos de acordo de confidencialidade, claro, mas os bancos não conseguiram se segurar e a notícia vazou no primeiro dia. Eu adorei, porque todo mundo pensou que eu tivesse comprado o 747 para ficar voando por aí feito o xeique de Dubai. Não ocorreu a ninguém que pudéssemos ter feito um acordo extravagante desses como investimento. O negócio acabou rendendo belos frutos em lucros e isenções fiscais, sem falar no orgulho de ser dono de uma máquina daquelas. Eu ouvia alguém se gabar de um novo Gulfstream IV ou IV-SP e dizia: “Que legal! Mas agora vamos falar sobre o meu 747...” Essa frase interrompia qualquer conversa.
COMPRAR O AVIÃO FOI UM FEITO feliz em meio a uma época conturbada sob outros aspectos. Durante as filmagens de Batman & Robin, no final do ano anterior, eu ficara sabendo durante meu check-up anual que teria que arranjar tempo para fazer uma cirurgia cardíaca séria.
O momento era inesperado, mas o problema em si não – já fazia 20 anos que eu sabia ter um defeito hereditário que algum dia precisaria ser operado. Na década de 1970, em uma das visitas de minha mãe durante a primavera, ela sentiu tontura e enjoo e eu tive que levá-la ao hospital. Os médicos descobriram que ela era portadora de um sopro no coração decorrente de uma deformidade na válvula da aorta, a principal válvula de saída de sangue do coração. Algum dia essa válvula teria que ser substituída. Segundo o médico, esses problemas em geral são detectados na meia-idade, e minha mãe estava com 50 e poucos anos. Eu tinha apenas 31, mas mesmo assim eles me examinaram e constataram que eu tinha a mesma imperfeição.
Na época, o médico tinha me dito: “Sua válvula só vai precisar de tratamento daqui a muito tempo. Vamos apenas ficar de olho.” Assim, todo ano eu fazia um check-up cardíaco. O médico escutava o sopro e dizia: “Não há nada com que se preocupar, basta manter a forma e controlar o colesterol”, e todo esse blá-blá-blá. E eu esquecia a questão por mais um ano.
Muito tempo depois, quando avisaram à minha mãe que estava na hora da cirurgia, ela se recusou a fazê-la.
– Quando Deus quiser me levar, estou pronta para ir – declarou.
– Engraçado, não foi o que você disse quando fez a histerectomia – comentei. – E até hoje cuida de todos os outros problemas de saúde que tem. Por que veio falar em Deus justo agora que se trata do coração? Foi Deus quem tornou a ciência possível. Foi Ele quem formou os médicos. Está tudo nas mãos Dele. Você pode estender seu tempo de vida.
– Não, eu não quero.
A atitude de minha mãe era uma coisa bem europeia. Mesmo sem a cirurgia, porém, ela parecia razoavelmente saudável, e tinha 75 anos.
Eu, porém, não estava bem. O primeiro indício de problema de verdade surgiu após a conclusão de True Lies. Eu estava em casa, nadando na piscina, quando senti uma estranha queimação no peito. Era um sinal de que a válvula estava começando a falhar. O médico falou: “A situação agora vai piorar aos poucos e depois de algum tempo vai começar a piorar bem depressa. O melhor a fazer é acabar logo com isso. Esta é a hora mais indicada e mais segura para fazermos a cirurgia. Se esperarmos, a aorta vai começar a ser afetada e o coração vai aumentar de tamanho. Não queremos que isso aconteça, mas não tenho como lhe dizer quando esse momento vai chegar. Pode ser no ano que vem, ou então daqui a cinco anos. Cada pessoa é diferente.”
Não tive mais nenhum sintoma e continuei tocando a vida. Fui esquiar, fiz filmes, compareci a inaugurações do Planet Hollywood, fiz meus trabalhos sociais. No entanto, no check-up anual de 1996 o médico falou: “Chegou a hora. Você terá que ser operado. Não precisa ser amanhã, mas tem que ser este ano.”
Fui a três hospitais conversar com cirurgiões. Sempre acreditei que, antes de tomar qualquer decisão médica importante, era preciso ter três opiniões. O cirurgião que acabei escolhendo chamava-se Vaughn Starnes e trabalhava no hospital da Universidade do Sul da Califórnia. Era um homem de boa aparência que usava óculos sem armação e falou comigo de forma totalmente direta sobre o problema e os riscos. Ele também compreendia a especificidade do meu caso.
“Adoro seus filmes de ação e quero que continue a fazê-los”, afirmou. “Portanto, não quero você andando por aí com uma válvula artificial.” A melhor opção seria implantar uma válvula substituta feita de tecido vivo, explicou. Com uma válvula mecânica, eu teria que tomar remédios para afinar o sangue, e isso limitaria minhas atividades para o resto da vida. Com uma válvula orgânica, não. “Assim, você vai poder continuar a fazer cenas de ação, a praticar esportes, esquiar, andar de moto, montar a cavalo... tudo o que quiser.”
Esse era o lado positivo. O lado negativo era o risco. Essa operação que ele estava propondo só funcionava em seis a cada 10 casos. “Quero que você entenda que em 60% a 70% dos casos a cirurgia dá certo, mas que nos outros 30% a 40% a válvula substituta não funciona”, disse ele. “Nesse caso, temos que operar de novo para tentar outra vez.”
Grandes riscos, grandes recompensas. Para mim fazia sentido.
– Tudo bem – falei. – Vou arriscar.
Marcamos a cirurgia para logo depois das filmagens de Batman & Robin, a fim de que eu pudesse voltar ao trabalho sem demora. Após a operação, em abril, eu queria divulgar o filme durante o verão e depois rodar o próximo, fosse ele qual fosse, no final de 1997.
Não falei com ninguém sobre a operação. Ninguém ficou sabendo. Nem minha mãe, nem meu sobrinho, nem meus filhos. Ninguém. Não contei porque não queria falar sobre o assunto. Para diminuir a ansiedade, fingi que na verdade não era uma cirurgia no coração. Seria mais como arrancar um dente de siso. Eu iria lá, faria a operação e voltaria para casa.