Não quis contar nem para minha mulher. Maria estava no meio de uma quarta gestação complicada e eu não queria deixá-la preocupada. Mesmo que não fosse questão de vida ou morte, sua tendência era tratar as coisas de forma exagerada e transformá-las em um grande drama, enquanto eu minimizava tudo. Por exemplo, eu jamais dizia a ela: “Daqui a três meses vou à Noruega fazer um discurso”, porque ela já ficava nervosa com o fato de eu viajar naquela semana e deixá-la sozinha. Ela ficava muito ansiosa: “Que voo você vai pegar? Por que ir no sábado e não no domingo? Precisa mesmo passar tanto tempo fora? Que duas reuniões extras são essas?” Quando eu entrava no avião, não conseguia relaxar, porque tinha falado demais sobre o assunto. Então sempre pedia a Ronda e Lynn que nunca informassem minha agenda a ninguém e só avisava Maria alguns dias antes. Sou uma pessoa que não gosta de ficar falando mil vezes sobre as coisas. Tomo decisões bem depressa, não peço a opinião de muita gente e não faz meu feitio pensar sem parar sobre o mesmo assunto. Quero seguir em frente. É por isso que Maria sempre disse que eu era igual à sua mãe.
Ela é o contrário. Quando se trata de medicina, é um verdadeiro gênio, e seu método é discutir cada assunto à exaustão e conversar com várias pessoas. Ela processa as coisas externamente, enquanto eu internalizo tudo. Tive medo de que, caso ela agisse assim, a notícia se espalhasse antes mesmo de eu ser operado. Também receei que ela fosse ficar me criticando e que, por isso, todos os dias houvesse um bate-boca. Eu precisava negar a realidade. Tinha tomado minha decisão no consultório do médico e nunca mais queria lidar com ela. Se Maria ficasse tocando no assunto o tempo inteiro, meu truque de negar a realidade não iria funcionar. Minha forma de lidar com a vida e a morte seria prejudicada. Desse modo, sempre achava melhor só avisar Maria na véspera da viagem ou, nesse caso específico, logo antes de ir para o hospital.
Quando o dia da cirurgia se aproximou, comentei sobre meu plano com o Dr. Starnes.
– Vou dizer à minha família que estou indo para o México – falei. – Que preciso tirar uma semana de férias. Aí fazemos a cirurgia. O senhor disse que eu vou ter alta em cinco dias, então depois desse período vou para um hotel. Vou ficar me bronzeando para recuperar minha cara saudável, e aí, quando voltar para casa, ninguém nunca vai saber que operei o coração. Que tal?
O médico pareceu meio espantado. Olhou para mim e disse, em seu habitual estilo direto:
– Não vai dar certo. Você vai sentir dor, vai precisar de ajuda, não vai conseguir fingir. Recomendo fortemente que avise à sua mulher. Ela está grávida. Tem que saber. Eu contaria agora.
Então, nessa mesma noite, em tom casual, falei para Maria:
– Você lembra que eu comentei que, em algum momento, teria que trocar a tal válvula do coração? O médico tem uma vaga disponível para mim daqui a duas semanas e pensei que seria uma boa época, porque estou no intervalo entre um filme e outro e só vou ter que ir à Europa para a promoção do Batman daqui a seis ou sete semanas. Então poderia encaixar a cirurgia. Só queria avisar você.
– Espere aí – respondeu ela. – Espere um instante... Está me dizendo que vai ter que operar o coração?
Foi como se eu nunca tivesse tocado no assunto antes. Daí em diante, ela não parou de falar nisso um só instante, mas também me ajudou a guardar o segredo. Minha mãe estava hospedada conosco em sua visita anual, e nem para ela nós contamos.
Na véspera de minha ida para o hospital, fiquei até uma da manhã bebendo e jogando sinuca com Franco e um grupo de amigos. Foi muito divertido. Não contei a nenhum deles para onde iria no dia seguinte. Então, às quatro da manhã, Maria acordou e me levou de carro para o hospital. Fomos na van que usávamos quando saíamos com as crianças, em vez de no chamativo Mercedes. Por sugestão de Maria, eu tinha preenchido minha ficha no hospital com outro nome. O atendente do estacionamento estava à nossa espera e nos conduziu pela garagem. Às cinco da manhã, eu estava sendo preparado e ligado aos aparelhos, e às sete o procedimento já estava bem encaminhado. Fiquei satisfeito com o modo como as coisas aconteceram. Entrar às cinco, começar a cirurgia às sete e ao meio-dia já estar tudo terminado. Às seis da tarde, acordei pronto para jogar outra partida de sinuca.
Bom, pelo menos era essa a ideia. Eles haviam concordado em me vestir com uma camisa havaiana depois da cirurgia para que, quando eu acordasse, parecesse que na verdade não estava no hospital. Foi tudo feito para dar essa impressão. De fato, funcionou. Despertei, vi Maria sentada ao meu lado, me senti bem e voltei a dormir. Na manhã seguinte, quando acordei de novo, ela continuava ali, e ao olhar para o lado eu vi uma bicicleta ergométrica que fora encomendada para eu usar dali a alguns dias. Duas horas depois, eu já tinha me levantado da cama e estava em cima da bicicleta. O médico entrou no quarto e ficou estupefato.
– Por favor, vocês têm que tirar essa bicicleta daqui – pediu.
– Está sem carga nenhuma – falei. – É só para eu poder dizer a mim mesmo que estou sentado em uma bicicleta logo depois da cirurgia.
Ao me examinar, ele ficou satisfeito com minha evolução. Nessa noite, porém, comecei a tossir. Meus pulmões estavam acumulando líquido. O médico voltou às nove da noite e pediu uma bateria de exames. Um pouco mais tarde, depois que Maria foi para casa a fim de ver as crianças, tentei dormir. A tosse, no entanto, só fez piorar, e logo comecei a ter dificuldade para respirar. Às três da madrugada, o médico tornou a aparecer. Sentou-se na cama e segurou minha mão.
– Sinto muitíssimo, mas a cirurgia não deu certo – disse ele. – Temos que operá-lo outra vez. Vou reunir a melhor equipe possível. Não vamos perder você.
– Me perder? – estranhei.
– Não vamos perder você. É só aguentar firme esta noite. Que tal lhe darmos um remédio para dormir? Onde está Maria?
– Foi para casa.
– Bom, você vai ter que ligar para ela.
– Não, ela vai ter um troço. Não comente nada com ela.
– Não, ela precisa estar aqui.
Há um momento da cirurgia que eu realmente detesto. É quando a anestesia começa a fazer efeito, quando você sabe que está apagando e vai perdendo a consciência sem saber se algum dia voltará a acordar. A máscara de oxigênio parecia estar me sufocando – eu arquejava em busca de ar, ofegante.
Era uma versão bem mais intensa da claustrofobia que senti quando tive que usar máscaras sobre o rosto e o corpo para interpretar o Exterminador ou o Homem de Gelo de Batman & Robin. Para mim, o estúdio de efeitos especiais de Stan Winston era uma verdadeira tortura. Quando precisam de um molde para fabricar as máscaras, eles colocam uma quantidade enorme – e pesada – de cimento em cima da cabeça dos atores. Muitas pessoas detestam esse processo, então Stan e seus ajudantes bolaram um procedimento.
Quando você chega ao estúdio, tem música tocando e todo mundo está feliz e animado, dizendo: “Ora, que prazer ver você aqui!” Então pedem que você se sente e falam: “Vai ser meio chatinho. Você tem claustrofobia?”
Eu sempre respondia que não, tentando bancar o corajoso.
Eles então começam a enrolar você em faixas de tecido umedecidas com cimento. Em pouco tempo, seus olhos ficam inteiramente cobertos e você não consegue ver mais nada. Então suas orelhas se fecham e você para de escutar. Um a um, seus sentidos vão sendo neutralizados. A boca é fechada, impedindo-o de falar. Por fim, o nariz é tapado, com exceção de dois canudos que saem das narinas para que você consiga respirar.