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É preciso esperar cerca de meia hora para o cimento secar. Sua mente começa a lhe pregar peças. E se você não conseguir respirar uma quantidade de ar suficiente? E se um pouco de cimento entrar em um dos canudos e fechar a narina? Como muitos atores já surtaram durante o processo, eles tentam manter o clima descontraído com música e conversas sobre amenidades. Mesmo depois que para de ouvir, você ainda pode sentir as pessoas se movimentando à sua volta para aplicar as faixas. Elas avisam antes que estarão bem ao seu lado, então, se você sentir que vai mesmo ter um troço, basta fazer um gesto com a mão ou tocar seu braço.

Depois de algum tempo, o medo se instala para valer. Você sente o cimento começar a endurecer, o que significa que não é mais possível simplesmente arrancá-lo da cabeça. Agora vai ser preciso cortar. Você já reparou nas ferramentas ao se sentar – uma pequena serra elétrica circular que se usa para cortar os moldes –, mas não fez perguntas suficientes quando ainda tinha oportunidade.

Então você pensa: “Peraí. Como é que eles vão saber a que profundidade cortar? E se essa serra pegar no meu rosto?”

Na primeira vez que passei por isso, fiquei tão aflito com a serra que comecei a hiperventilar. Não conseguia inspirar uma quantidade suficiente de ar pelos canudos e comecei a surtar para valer. Tentei me acalmar. “Pare de pensar nisso, pare de visualizar o canudo”, ordenei a mim mesmo. “Tire isso da cabeça... Pronto, tudo bem, já tirei. Isso, agora vamos pensar em outra coisa. Quem sabe no mar? Ou quem sabe em uma grande floresta, alguma coisa agradável? Quem sabe em pássaros gorjeando e folhas farfalhando ao vento, e ao longe pessoas trabalhando e um ruído de... serra elétrica!” E voltei a ficar nervoso. É claro que, a essa altura, não havia mais nenhum ajudante por perto. Talvez eles ainda estivessem no recinto, mas eu não sabia onde. Podia ser que estivessem me dizendo: “Calma, só mais 10 minutos”, mas eu não conseguia escutar. Estava trancado dentro de mim mesmo. Não havia ninguém por perto. Então eu simplesmente torci para dar tudo certo.

Ser operado me fez lembrar disso.

Maria ficou tão assustada ao receber o telefonema do Dr. Starnes às quatro da manhã que ligou para sua amiga Roberta Hollander e pediu que ela a acompanhasse ao hospital. Roberta, produtora de jornalismo da CBS, fora como uma irmã para Maria no início de sua carreira diante das câmeras – uma líder decidida e mulher forte que sabia realmente como lidar com as pessoas. Algumas horas depois, as duas estavam sentadas no consultório do meu médico enquanto eu voltava para a mesa de operação. Havia um monitor enorme lá dentro que permitia que o Dr. Starnes visse e ouvisse o que acontecia na sala de cirurgia, já que ele não executava pessoalmente determinadas partes da intervenção, como por exemplo retirar o paciente do aparelho de circulação extracorpórea. Nesses momentos, ele voltava ao consultório, visitava outros pacientes e fazia reuniões, mas continuava acompanhando o procedimento, caso precisassem da sua ajuda. Mais tarde, Maria me disse que teve que virar o rosto para o outro lado várias vezes. Não conseguiu ver quando abriram meu peito, nem quando soltaram, com alicates cirúrgicos, as suturas usadas para fechar minha caixa torácica depois da primeira intervenção, nem quando expuseram meu coração. Roberta, porém, puxou a cadeira bem para junto da tela. “Está vendo isso?”, perguntou. “Eles acabaram de cortar a aorta e estão inserindo a válvula nova!”

Assim, tive uma segunda ou terceira chance de vida, dependendo da contagem. Quando acordei da cirurgia, vi Maria ao meu lado com Roberta, dando-lhe apoio moral. Estava me sentindo bem outra vez. A tosse dolorida havia passado e eu conseguia respirar. “Incrível!”, exclamei. “Isso é maravilhoso! Quando o médico disse mesmo que posso ir para casa?”

Tínhamos encontrado um austríaco que trabalhava na cozinha do hospital e sabia fazer Wienerschnitzel, e foi isso que comi nos dois primeiros dias. Estava uma delícia. No terceiro dia, porém, quando entraram com a comida, falei: “Por favor, dá para tirar isso daqui? Não estou suportando o cheiro.” Eu estava sentindo fedor de lixo.

A partir daí, tudo o que consegui ingerir foi sorvete e frutas. Tudo parecia estar fedendo. Perdi completamente o paladar. Odiava tudo o que punham na minha frente e comecei a ficar bastante desanimado.

O médico tinha avisado que uma cirurgia cardíaca a céu aberto muitas vezes deixa o paciente deprimido. No entanto, depois de tudo por que acabáramos de passar, Maria ficou muito preocupada. “Você não é assim”, comentou ela comigo. Alguns dias depois, ao ver que eu não estava me recuperando emocionalmente, ela passou a achar os médicos descansados demais. “Vocês têm que fazer alguma coisa”, pediu. “Ele não pode ficar assim. Amanhã, quando eu voltar, espero que tenham conseguido alegrá-lo.”

Os residentes tiveram a ideia de me dar um charuto escondido, pois sabiam que eu adorava fumar. Acharam que isso fosse melhorar a situação. Havia uma área no telhado com cestas de basquete que eles podiam usar para relaxar, e foi lá que me levaram. Mal sabiam eles que eu não conseguia sentir gosto de nada e estava achando tudo detestável. Pus o charuto na boca e quase vomitei. “Não, obrigado, não consigo”, falei. Acabei sentado na cadeira de rodas vendo-os jogar basquete, como um dos personagens de Um estranho no ninho. Tinha o olhar perdido, parado. Sequer sabia o que estava vendo – não passavam de corpos pulando para lá e para cá. Com certeza aquilo não adiantou nada. Depois de alguns minutos, eles me levaram de volta para o quarto. Mas acho que ter passado algum tempo ao ar livre fez com que eu me sentisse um pouquinho mais animado.

Acabei melhorando, sobretudo depois de ir para casa. Brinquei com as crianças e gradualmente comecei a malhar na academia. É claro que não fiz supinos logo de cara, mas pedalava um tempinho na ergométrica, depois comecei a subir a encosta até o Parque Will Rogers com Conan e Strudel, nosso labrador preto que Franco me dera de presente em um de meus aniversários. Dali a mais um pouco, consegui voltar aos pesos, mas treinos mais fortes estavam fora de cogitação, pois fariam pressão na válvula. “Nada de pegar pesado”, dissera o médico. Nunca mais.

Não me dei conta de quanto a notícia da minha operação seria prejudicial para mim em Hollywood. Como os boatos já haviam começado a circular mesmo, fizemos o anúncio. Teria parecido estranho não avisar o público. Na mesma hora, comecei a receber telefonemas de executivos dos estúdios com os quais trabalhava. “Não se preocupe com o roteiro”, diziam eles. “Vamos segurá-lo para você. Cuide da sua saúde. Quando estiver pronto para voltar, é só avisar.”

Eu deveria ter adivinhado que não seria tão simples. Quanto mais você se promove como o maior de todos os heróis de ação, quanto mais alardeia sua forma física e o fato de não usar dublês nas cenas de montaria, salto e luta, mais as pessoas imaginam que você seja indestrutível. Elas passam a vê-lo como um herói de ação de verdade, não apenas um cara fantasiado na tela do cinema. E o símbolo de tudo isso é o coração. É o centro do corpo, da força física. A base da coragem e da determinação. O coração também representa emoção – amor, desejo, compaixão. É o centro de tudo.

Então, de repente, as pessoas ficam sabendo que você foi operado. Esse órgão que durante muitas décadas conduziu sua vida sofreu uma cirurgia. E elas se perguntam: “O que será que aconteceu? Será que ele teve um enfarte? Ah, trocou uma válvula... Bem, eu não sei o que isso significa, mas, puxa, uma cirurgia cardíaca a céu aberto... Tiveram que parar o coração dele, abrir tudo lá dentro e trocar umas coisas... E duas cirurgias, ainda por cima. Isso quer dizer que tem alguma coisa muito errada. Parece uma péssima notícia. Coitado. Porra, é o fim da linha!”