Dez anos depois, a reação das pessoas à cirurgia de ponte de safena de David Letterman foi totalmente diferente. Em duas semanas ele voltou ao programa e a vida seguiu seu curso. Só que ninguém esperava que ele levantasse o set nas costas, corresse no meio de chamas ou se pendurasse no telhado. Em geral, o paciente pode voltar à vida normal depois de uma cirurgia cardíaca. Mas a vida que eu tinha antes da operação estava longe de ser normal. As cenas que eu rodava não eram normais, meus filmes não eram normais, e isso me fazia ser visto de forma diferente. Era como se um físico teórico passasse por uma cirurgia no cérebro. Todo mundo se precipita e começa a comentar: “Ih, estão dizendo que um terço do cérebro dele foi afetado. Que tragédia.”
O Access Hollywood e outros programas de fofocas sobre celebridades foram à loucura com a notícia. Supostos especialistas em medicina que sequer me conheciam e não sabiam sobre meu problema hereditário nem sobre as particularidades do meu tratamento deram entrevistas na TV e disseram coisas do tipo: “Em circunstâncias normais, quando se passa por uma cirurgia dessas, os médicos colocam uma válvula artificial no paciente, que tem que tomar remédios para afinar o sangue e evitar atividades pesadas que possam causar ferimentos, como por exemplo cenas de ação no cinema, que têm a possibilidade de provocar forte hemorragia interna e acarretar morte imediata.” Poderíamos ter esclarecido que eu não recebera uma válvula mecânica nem precisava de remédios para afinar o sangue, claro, mas o estrago estava feito. Os estúdios passaram a tomar decisões com base em informações imprecisas. O público pensou: “Não vamos mais ver Arnold em filmes de ação.”
APESAR DE TUDO ISSO, EU DE FATO passei pela fantástica recuperação física que muitas vezes se segue a uma cirurgia cardíaca. Senti-me vigoroso como um Hércules, pronto para voltar ao trabalho com força total. Em julho, já estava correndo o mundo para promover Batman & Robin. Além disso, como sempre acontecia, tinha vários projetos em diferentes estágios de desenvolvimento, com papéis que me interessavam. With Wings as Eagles (Com asas como as águias) era um filme no qual eu teria interpretado um oficial alemão da Segunda Guerra Mundial que, nos últimos meses do conflito, ignora as ordens de matar prisioneiros de guerra aliados e os salva. Minority Report – A nova lei estava sendo concebido como uma continuação de O vingador do futuro, com roteiro assinado pelo mesmo escritor. Eu teria feito o policial que acabou sendo de Tom Cruise. Em Noble Father (Nobreza de um pai), teria interpretado um policial viúvo que tenta combater o crime ao mesmo tempo que cria três filhas. Havia propostas de uma versão para o cinema de S.W.A.T., série televisiva dos anos 1970; de um filme chamado Crossbow (O arco), baseado na lenda de Guilherme Tell; e de outro filme chamado Desbravadores, sobre um órfão viking criado por índios americanos na época das primeiras explorações europeias do continente.
No início, nem reparei na reticência dos estúdios. No entanto, quando comecei a apresentar ideias e roteiros que desejava realizar, as pessoas demoravam a responder. Percebi que os estúdios agora pareciam relutar em investir grandes quantias. A Fox estava dando para trás no projeto de O exterminador do futuro 3. A Warner freou a produção de Eu sou a lenda, roteiro sobre vampiros pós-apocalípticos com direção de Ridley Scott que eu deveria rodar no outono daquele ano. O diretor queria um orçamento de 100 milhões de dólares, mas a Warner só queria gastar 80 milhões. Pelo menos foi essa a justificativa que eles deram para desistir do projeto – o verdadeiro motivo foi a minha cirurgia.
No meio disso tudo, eu me esforçava para impedir o Planet Hollywood de afundar. Será que a cadeia fora um mero modismo ou um negócio de verdade? Para usar um eufemismo, a iniciativa havia se transformado em uma louca aventura. Nos últimos 18 meses, eu participara de aberturas de restaurantes em Moscou, Sydney, Helsinque, Paris e em mais de uma dúzia de outras cidades pelo mundo. Muitas vezes, essas inaugurações mais pareciam eventos de âmbito nacional. Em Moscou, 10 mil pessoas compareceram; em Londres, 40 mil. Nossa inauguração em San Antonio, no Texas, acabou virando uma verdadeira celebração, com mais de 100 mil pessoas festejando nas ruas. Foi um evento sensacional, coberto por todos os veículos de imprensa. A cadeia Planet Hollywood era como os Beatles: uma ideia genial aliada a uma promoção sofisticada e ao melhor marketing possível.
À medida que a empresa foi crescendo, um número impressionante de astros embarcou no negócio como proprietário ou sócio: Whoopi Goldberg, Wesley Snipes, Antonio Banderas, Cindy Crawford, George Clooney, Will Smith, Jackie Chan... a lista era interminável. Nosso time de atletas, igualmente fantástico, incluía Shaquille O’Neal, Tiger Woods, Wayne Gretzky, Sugar Ray Leonard, Monica Seles e Andre Agassi. Os atletas estavam ligados ao Official All Star Cafe, a cadeia de celebridades esportivas vinculada ao Planet Hollywood. Quando a companhia lançou suas ações no mercado, em 1996, teve o primeiro dia mais movimentado da história da Nasdaq e seu valor total chegou a 2,8 bilhões de dólares.
Ficou claro que os restaurantes Planet Hollywood eram um ótimo lugar para se dar uma festa. Quando comemoramos a estreia de Queima de arquivo no Official All Star Cafe da Times Square, o trânsito ficou congestionado por muitos quarteirões. Lá dentro, por 15 dólares, era possível comprar um hambúrguer e uma cerveja e ver George Clooney, Vanessa Williams, a mim e o resto do elenco nos divertindo com nossos convidados no andar principal, abaixo. Havia itens interessantes e nostálgicos expostos no restaurante, como parte da coleção de objetos de beisebol de Charlie Sheen e uma fatia do bolo de casamento de Joe DiMaggio e Marilyn Monroe. Havia também balcões nos quais se podiam comprar roupas e suvenires criados especialmente para a ocasião.
As viagens, as inaugurações e os eventos do Planet Hollywood eram divertidos. Às vezes eu levava Maria e as crianças e transformávamos a viagem em miniférias. Sly, Bruce e eu sempre saíamos juntos. E era interessante conhecer as celebridades locais, que eram uma parte essencial do negócio. Toda cidade tem seus nativos famosos, sejam estrelas do futebol, cantores de ópera ou qualquer outra coisa. Ao inaugurarmos casas em Munique, Toronto, Cidade do Cabo ou Cancún, fazíamos questão de que tanto estrelas internacionais quanto nacionais comparecessem, e era isso que assegurava o sucesso da festa. As celebridades locais iam porque era uma chance de elas conhecerem as estrelas estrangeiras e muitas vezes, também, porque tinham uma participação financeira naquele restaurante específico. Depois da grande inauguração, os famosos de outros países voltavam para casa e os locais passavam a promover o lugar como ponto de encontro, como um local para dar festas e para exibir sessões de filmes – quase todos os restaurantes Planet Hollywood tinham uma sala de projeção.
O lançamento das ações na bolsa proporcionou capital para a empresa se expandir. No entanto, logo vimos também as desvantagens de ter acionistas. Em comparação com cadeias de restaurantes normais, o Planet Hollywood tinha despesas altas, e, se você não fizesse parte da empresa, se não estivesse envolvido na promoção, era difícil ver por que algumas coisas caras faziam sentido.
Um exemplo eram os jatinhos corporativos: o Planet Hollywood gastava muito dinheiro transportando celebridades. Na verdade, essa era a melhor forma de conquistar a fidelidade dos astros, mais eficaz ainda do que as opções de compra de ações que eles também recebiam. Celebridades do primeiro escalão não gostam de voos comerciais, mas poucas têm avião próprio. Foi por esse motivo que o estúdio Warner Bros. teve sua própria frota por 20 ou 30 anos, mantendo aeronaves para transportar Clint Eastwood e outros atores e diretores importantes. O estúdio também tinha casas em Acapulco, no México, e em Aspen, além de apartamentos em Nova York. Eram agrados para os famosos. Quando você fazia parte da família Warner, podia usar tudo isso de graça. Então esses atores e diretores continuavam no estúdio, assinando um contrato atrás do outro, pois sabiam que se fossem para a Universal, por exemplo, não haveria mais jatinhos. Esse mesmo truque funcionava para nós, mas os acionistas reclamavam: “Esperem aí, por que estão gastando esse dinheiro todo com celebridades? Eu não quero pagar por isso.”