Meu relacionamento com o legislativo, porém, logo ficou complicado. Parte dessa complicação se devia à grande diferença de popularidade entre mim e eles. Quando provei que era capaz de fazer as coisas acontecerem, minha taxa de aprovação superou os 70%, enquanto a do legislativo não chegava a 30%. Eu estava sendo ovacionado como o “Governator” – um trocadilho com o título original de O exterminador do futuro, Terminator –, não apenas na Califórnia, mas também pelos meios de comunicação nacionais e internacionais. Em um ano de eleição presidencial nos Estados Unidos, os jornalistas começaram a especular sobre uma futura candidatura minha, embora isso fosse exigir uma mudança na Constituição que ninguém de fato imaginava possível. Minha popularidade se manteve alta o ano inteiro e sobreviveu à eleição de novembro de 2004, quando os eleitores da Califórnia me apoiaram em todas as propostas de votação popular nas quais me posicionei. As mais expressivas foram medidas para impedir processos extorsivos contra empresas e a histórica votação sobre o uso de células-tronco, na qual adiantamos 3 bilhões de dólares para pesquisas científicas inovadoras depois de o governo Bush restringir os recursos federais. Também conseguimos derrubar duas propostas de votação popular que teriam aumentado os já exorbitantes privilégios das tribos indígenas proprietárias de casas de jogos.
Meu mandato estava indo tão bem que líderes republicanos pediram que eu ajudasse na campanha de reeleição do presidente Bush. Fui convidado para fazer o discurso de abertura na Convenção Nacional Republicana, em horário nobre. Pouco importava que eu fosse muito mais centrista em relação à maioria das questões do que o governo Bush, que havia se posicionado cada vez mais como de direita. Mas eles sabiam que eu poderia atrair atenção.
Assim, na noite de 31 de agosto, subi ao palanque do Madison Square Garden – minha primeira aparição sob aqueles holofotes desde a vitória na disputa de Mister Olympia, 30 anos antes. Na época, porém, o evento fora realizado no Felt Forum, diante um público de 4 mil fãs. Agora, 15 mil representantes republicanos me aplaudiam na arena principal, em horário nobre, com transmissão em rede nacional de televisão. Maria, que no passado teria feito a cobertura da convenção como correspondente da NBC, estava sentada com nossos filhos ao lado de George Bush pai. Toda vez que as câmeras se viravam para captar a reação dele, o sorriso de minha mulher aparecia na imagem. Fiquei comovido com quanto ela me ajudou naquela noite.
Meu coração batia disparado, mas os vivas da plateia me fizeram pensar no dia que venci o Mister Olympia, e isso me acalmou. Quando comecei a falar e ouvi a plateia reagir, tive a sensação de que aquilo não era muito diferente de posar nas competições de fisiculturismo. Aquela plateia estava na minha mão.
Eu havia me preparado para aquele discurso mais intensamente que nunca. O texto sofrera inúmeras revisões e eu ensaiara dezenas de vezes, repetindo as falas à exaustão. Aquilo era um ápice na minha vida.
“Quem diria que um garoto austríaco franzino iria crescer e se tornar governador do estado da Califórnia, depois vir aqui, ao Madison Square Garden, falar em nome do presidente dos Estados Unidos da América... Esse é o sonho de qualquer imigrante”, falei.
Minha parte favorita do discurso era uma espécie de fórmula mágica sobre “como saber se você é republicano”. Acreditar que o governo deve se responsabilizar perante o povo, acreditar que uma pessoa deve ser tratada como indivíduo, acreditar que nosso sistema educacional deve ser responsabilizado pelo progresso de nossas crianças – esses eram alguns dos meus critérios. Finalizei com um apelo para reconduzir George W. Bush à Casa Branca por mais um mandato e puxei um coro da plateia: “Mais quatro anos! Mais quatro anos!” Choveram aplausos.
No dia seguinte, Maria e eu tomamos café da manhã no hotel com Eunice e Sarge, que haviam assistido a tudo pela TV. Minha sogra tinha gostado muito de meu tema sobre inclusão. “Do jeito que você falou, até eu sou republicana!”, brincou.
De volta à Califórnia, meus adversários políticos tentaram me pintar como truculento, em parte por causa da minha popularidade. Nesse primeiro ano, porém, me esforcei bastante para encantar e conquistar os membros do legislativo, e incentivá-los a trabalhar a meu favor. No dia do aniversário de suas mães, eu ligava para elas a fim de dar os parabéns. Eu os convidava para conversar na tenda que me servia de “fumódromo”, montada no pátio interno em frente à minha sala. Ela tinha o tamanho de uma aconchegante sala de estar e era mobiliada com poltronas confortáveis feitas de ratã, uma mesa de reuniões de tampo de vidro com uma linda caixa para a conservação de charutos, luminárias e piso de grama sintética. Fotografias enfeitavam as paredes, penduradas na estrutura de metal por fios de aço. Eu mandara montar a tenda para ter um lugar onde pudesse fumar meus charutos – pois é proibido fumar nos prédios públicos da Califórnia –, mas as pessoas a haviam apelidado de minha tenda das negociações.
Eu prestava atenção especial em líderes como John Burton, presidente temporário do Senado estadual, e Herb Wesson, presidente da Assembleia Legislativa. John era um democrata de São Francisco de temperamento difícil, que na realidade havia boicotado minha cerimônia de posse. Usava óculos redondos de armação metálica e tinha um farto bigode branco. Na primeira vez em que nos encontramos, ele quase não quis apertar minha mão. Então lhe mandei flores. Quando nos conhecemos melhor, descobrimos ter coisas em comum. Como ficara estacionado na Europa durante a guerra, ele sabia um pouco de alemão e era fascinado pelo príncipe Klemens Wenzel von Metternich, grande diplomata austríaco do século XIX. Muitas vezes discordávamos, sobretudo no início. Com o tempo, contudo, vimos que tínhamos opiniões parecidas em relação a questões sociais importantes, como planos de saúde e tutela pública de menores, e chegamos a ponto de dizer: “Vamos esquecer as grandes brigas em público e descobrir temas em que possamos trabalhar.” Colaboramos um com o outro e acabamos nos tornando amigos. Ele às vezes passava na tenda só para me levar Apfelstrudel e Schlag (creme chantili) para eu pôr no meu expresso.
Herb Wesson, o presidente da Assembleia, era um sujeito de 1,65 metro, afável, originário de Los Angeles, que implicava comigo perguntando se eu tinha mesmo 1,88 metro como afirma minha biografia. Eu respondia à provocação chamando-o de meu Danny DeVito e até lhe mandei de presente uma almofada para que ele pudesse ficar mais alto na cadeira. Não cheguei a conhecê-lo tão bem quanto John, porque ele estava chegando ao final do mandato. Seu sucessor, um inteligente ex-líder sindical chamado Fabian Núñez, também de Los Angeles, viria a se tornar um de meus mais próximos aliados entre os democratas.
Também desenvolvi um relacionamento sólido com o novo líder da minoria na Assembleia, Kevin McCarthy, um cara de 39 anos cheio de energia originário de Bakersfield, cujo distrito incluía o Vale dos Antílopes, local planejado para a construção de meu aeroporto supersônico. Kevin começara a vida de empresário aos 19 anos, com uma sanduicheria que o ajudou a pagar os estudos universitários, e esse lado empreendedor fez com que nos identificássemos. Ele hoje é o representante da maioria na Câmara de Deputados federal, responsável por assegurar que todos os membros votem de acordo com as posições do partido.
LANÇAR MÃO DO CHARME PARA CONQUISTAR os membros do legislativo ajudou a incluir minhas ideias de reforma no debate, gerando alguns acordos que foram um importante começo. No entanto, depois de tentar várias manobras diferentes, descobri que meu instrumento mais poderoso era, disparado, o mecanismo de propostas de votação popular. Graças a minhas fortes taxas de aprovação, eu podia ameaçar uma consulta direta aos eleitores e assim pressionar o legislativo a fazer coisas que de outra forma ele teria recusado.