Eram integrantes do sindicato das enfermeiras e estavam bravas porque eu suspendera um decreto de Gray Davis que teria diminuído a carga-padrão de trabalho das enfermeiras de hospital de seis pacientes por profissional para cinco. A maior parte do público na gigantesca sala de conferências mal pareceu reparar na confusão, mas as câmeras da imprensa deram um close nas 15 mulheres sendo conduzidas para fora da sala, ainda entoando seu hino. Achei o comportamento delas realmente irritante. Se o seu desagrado era comigo, por que estragar o evento de Maria? Virando-me para a plateia, falei: “Não deem atenção àquelas vozes ali. Elas representam os interesses de grupos específicos. E esses grupos não gostam de mim em Sacramento porque eu não dou mole para eles. Mas eu gosto deles mesmo assim”, concluí.
Foi um grave erro. Para começar, ridicularizar as manifestantes deixou Maria constrangida. Além disso, o sindicato das enfermeiras transformou minhas palavras em uma declaração de guerra. Por meses depois disso, a cada aparição pública que fazia eu era recebido por piquetes de profissionais da classe entoando palavras de ordem.
Na primeira gaveta da minha mesa de trabalho eu guardava uma lista com as 10 principais reformas que tinha prometido realizar ao me candidatar. Sabia que determinado nível de confronto era inevitável, porque eu estava desafiando os poderosos sindicatos que controlavam os democratas e exploravam o estado. No alto dessa lista estavam abusos como estabilidade no emprego para professores medíocres, pensões milionárias para funcionários públicos do estado e a divisão desigual dos distritos políticos a fim de proteger a classe eleita.
Acima de tudo, havia uma necessidade gritante de reforma orçamentária. Muito embora finalmente houvéssemos conseguido aprovar um orçamento equilibrado para 2004 e a economia do estado estivesse começando a renascer, o sistema apresentava sinais claros de deficiência. Enquanto o crescimento da receita projetado para 2005 girava em torno de 5 bilhões de dólares, a previsão era que as despesas se elevassem em 10 bilhões, isso por causa das estranhas fórmulas orçamentárias que permitiam aumentos independentemente de qualquer outro fator. Esses aumentos incluíam importantes expansões de programas e generosas aposentadorias que os democratas haviam garantido para os sindicatos de funcionários públicos no auge do avanço tecnológico. Nossa perspectiva para 2005 era mais um déficit multibilionário. Ou fazíamos mudanças radicais ou esse mesmo desequilíbrio iria continuar nos prejudicando ano após ano.
Eu considerava nossa vitória em relação aos seguros e indenizações trabalhistas um modelo. Tinha usado a ameaça de uma proposta de votação popular para forçar a outra parte a negociar e firmar um acordo. Por que então não aplicar a mesma estratégia para garantir reformas em uma escala muito maior? Esse sucesso, bem como outro que tivéramos em relação ao dinheiro da recuperação econômica, havia me deixado animado. Movidos por esse otimismo, nos últimos meses de 2004 minha equipe e eu começamos a redigir um novo arsenal de propostas de votação popular.
Em relação à educação, queríamos dificultar a obtenção da estabilidade no emprego para os professores de desempenho inferior. Em vez de passarem por uma reciclagem ou serem demitidos, os maus professores muitas vezes iam sendo transferidos de escola em escola, em um processo conhecido como “a dança dos indesejados”. Em relação ao orçamento, queríamos evitar que o estado gastasse um dinheiro que não tinha e nos livrar dos aumentos automáticos para a educação. Pretendíamos mudar o sistema de aposentadoria do funcionalismo público, tornando-o mais parecido com o moderno sistema de planos de aposentadoria empresariais do setor privado, conhecidos nos Estados Unidos como 401(k), em razão da seção do código tributário americano em que estão previstos. E queríamos enfraquecer o domínio dos sindicatos sobre o legislativo, exigindo que tivessem permissão de seus membros antes de usarem as contribuições para financiar campanhas políticas. Talvez tenha sido ingênuo pensar que fôssemos conseguir realizar tantas coisas, mas meu instinto natural depois desse primeiro ano foi simplesmente continuar percorrendo minha lista de objetivos.
Essas propostas de votação popular passaram a ser conhecidas como minha agenda de reformas. Quando as divulguei, em janeiro, falei para o legislativo: “Amigos, chegou a hora de escolher... Eu acordo todo dia de manhã querendo ajeitar as coisas aqui em Sacramento. E hoje estou pedindo a vocês: me ajudem a fazer isso.” Proclamei em tom grandioso que 2005 seria o ano da reforma na Califórnia. O que não percebi, na época, foi quão exagerada soou essa minha retórica. Para resumir, eu havia declarado guerra aos três mais poderosos sindicatos de funcionários públicos do estado: guardas penitenciários, professores e funcionários públicos estaduais em geral. Pessoas que ouviram o discurso me disseram depois que das duas, uma: ou aquela era uma estratégia camicase e brilhante para esvaziar todo o cofre de guerra dos sindicatos antes da eleição no ano seguinte, ou então era apenas camicase – um suicídio político.
Não me dei conta do tamanho do meu erro. A maneira como apresentei meus planos fez todos no movimento trabalhista dizerem: “Xiii. Esse é um Arnold totalmente diferente. É melhor nos mobilizarmos.” Até então, os sindicatos de funcionários públicos não queriam briga. Teria sido possível convencê-los a se sentar à mesa e chegar a um acordo razoável. Em vez disso, eu os havia bombardeado – como os japoneses haviam feito em Pearl Harbor –, dando-lhes assim um motivo para se unir e lutar.
Professores, bombeiros e policiais logo se juntaram às enfermeiras para protestar durante minhas aparições públicas. Sempre que eu chegava a algum evento, lá estavam eles acenando com cartazes, vaiando, entoando musiquinhas e tocando sinetas. Os sindicatos formaram coalizões batizadas com nomes como Aliança para uma Califórnia Melhor e começaram a gastar milhões de dólares com anúncios de TV e rádio. Um dos comerciais mostrava um bombeiro convencido de que as minhas reformas das aposentadorias iriam retirar benefícios de viúvas e órfãos. Outro mostrava professores e membros das associações de pais e mestres manifestando sua decepção comigo por tentar jogar nas costas das crianças a culpa pelos problemas orçamentários do estado.
A energia dos protestos me surpreendeu, mas as reformas eram importantes demais para que eu desistisse delas. Meu porta-voz disse à imprensa: “Estaremos disponíveis, 24 horas por dia, para qualquer democrata realmente disposto a negociar. Mas eles nunca se mostraram dispostos antes, e não podemos esperar para sempre.” Comecei a veicular peças publicitárias como resposta para tentar minimizar a pior parte das distorções criadas pelos sindicatos e lembrar aos eleitores que a Califórnia precisava mudar. Em um dos comerciais, eu aparecia na fila de um café abordando pessoas e pedindo que elas me ajudassem a reformar a Califórnia para que pudéssemos reconstruí-la.
Se você passa a impressão de que está atacando professores, bombeiros e policiais, porém, sua popularidade irá cair. Meus índices de aprovação despencaram como se tivessem sido eletrocutados: de 60% em dezembro para 40% na primavera. Segundo as pesquisas, muitos eleitores também estavam frustrados com o fato de eu vir me transformando em apenas mais um político de Sacramento e me envolvendo em brigas de facções cujo único efeito seria paralisar ainda mais as atividades.
Maria ficou extremamente incomodada com minha campanha do Ano da Reforma. Os Kennedy e os Shriver sempre tinham sido próximos da classe trabalhadora e agora ali estava eu, liderando ações antitrabalhistas. Ela se retraiu. Pude sentir a diferença: eu deixara de ter uma companheira constantemente do meu lado; de repente, ela se tornara mais ou menos neutra. “Não vou falar sobre essas questões em público”, disse ela.