Lou chegou a Nova York a alguns dias da competição, pouco depois de defender o título de Mister Universo em Verona, na Itália. Em uma entrevista antes da disputa, seu pai se gabou de que, se Lou vencesse, iria manter o título por uma década. “Não há ninguém no horizonte capaz de enfrentá-lo.” Na manhã da competição, porém, Lou faltou a um programa de entrevistas ao qual fora convidado junto comigo e com Franco. “Ele é tímido, deve estar suando frio”, intuí. No ar, brinquei: “Ele deve estar em casa olhando para o meu corpo e andando de um lado para outro em frente à televisão, posando e pensando se deve competir.”
Nessa noite, no Madison Square Garden, Lou não chegou nem perto do troféu. Na hora da pose final, estava com uma cara deprimida, como um novato que acaba de cometer um erro. E era verdade. Ele tentara com tanto afinco ganhar definição que perdera peso demais, o que fez seu corpanzil parecer magro e menos musculoso do que o meu. No palco, diante de uma multidão, eu copiei suas poses, fazendo cada uma delas melhor do que ele. Então chegou um momento em que ficamos frente a frente, em poses de bíceps espelhadas, e eu dei um sorrisinho como quem diz: “Você perdeu.” Ele sabia, os jurados sabiam e o público também.
Franco e eu não ficamos no Madison Square Garden por muito tempo depois da disputa. Junto com o casal Weider e meu velho amigo Albert Busek, que viajara de Munique para cobrir o evento, saímos discretamente para a festa de lançamento do Pumping Iron na casa de Delfina. Assim que entramos no apartamento dela, eu passei a ser o novato. Delfina morava em um tríplex gigantesco perfeitamente decorado e bastante moderno. Quadros pendiam do teto, e não das paredes, então você podia se jogar doidão em cima de um dos sofás e ficar de papo para o ar admirando as obras de arte.
Um fluxo sem fim de pessoas abarrotava os imensos cômodos do apartamento. A festa tinha garçons servindo comes e bebes e parecia muito bem organizada, embora eu nunca tivesse visto algo daquele tipo antes, de modo que não tinha base para comparação. Foi extraordinário. Eu nunca vira aquele tipo de gente – a elegância, os saltos altos, as joias, as mulheres estonteantes, atores, diretores, personalidades do mundo da arte e da moda e muita gente que eu sequer sabia quem era. Vi que era uma coisa meio europeia, com convidados muito sofisticados em matéria de vestuário (ou falta de), homossexuais e figuras meio estranhas – havia de tudo.
Minha única reação foi balançar a cabeça e dizer: “Isto vai ser interessante.” Eu não esperava aquilo. Era meu primeiro gostinho do que o show business e a fama me proporcionariam em Nova York. Por mais vezes que você visite a cidade como turista ou a trabalho, nunca consegue de fato penetrar em seus círculos. Mas ali eu sentia que estava sendo aceito – ou pelo menos estava assistindo ao espetáculo sentado na primeira fila.
CAPÍTULO 10
O guarda-costas
BOB RAFELSON ESTAVA HOSPEDADO NA SUÍTE do diretor e produtor Francis Ford Coppola no hotel Sherry-Netherland, de frente para o Central Park, e na véspera do Mister Olympia me convidou para conhecer o lugar. Eu não sabia que um apartamento do hotel podia ser daquele jeito, do tamanho de uma casa. Fiquei bastante impressionado. Até então, só tinha me hospedado em hotéis das redes Holiday Inn e Ramada. E ele tinha um imóvel daqueles e sequer morava nele! Coppola o usava apenas para hospedar seus amigos. A suíte tinha lindos quadros e móveis e contava com serviço de quarto 24 horas por dia. Fiquei perplexo com a coleção de vídeos, uma parede inteira de filmes organizados por gênero: musical, ação, drama, comédia, história, pré-história, animação e assim por diante.
Na noite seguinte, no lançamento do livro, os amigos de Bob estavam todos lá me observando. Ele os convidara porque queria saber sua opinião. Eles gostavam da minha personalidade? Será que eu ficaria bem no seu filme?
Gaines e Butler o vinham pressionando desde o começo para ele me dar o papel do fisiculturista em O guarda-costas. Eu também estava insistindo. “Onde mais você vai encontrar um corpo como este aqui?”, perguntava. “Chamar um ator profissional é um erro! Eu consigo fazer tudo aquilo! Tenho certeza de que vou saber atuar se você me dirigir direito.” Quando Charles me contou a sinopse do filme, achei-a divertida. A ação se passa na cidade de Birmingham, no Alabama, onde ele fora criado. O herói, Craig Blake, é um jovem aristocrata do Sul que herdou uma fortuna e precisa se encontrar. Ele é um playboy que frequenta o country club da cidade e trabalha como testa de ferro para empreendedores inescrupulosos que estão tentando comprar em segredo um quarteirão no centro da cidade. Um dos negócios que eles precisam adquirir é uma academia de fisiculturismo.
Assim que Craig põe os pés no local, seu mundo começa a mudar. Ele se encanta pela bela recepcionista, uma garota do interior chamada Mary Tate Farnsworth, e fica fascinado pelo esporte. O principal atleta da academia, Joe Santo, é um índio americano que está treinando para o Mister Universo. É um cara brincalhão e divertido, que às vezes vai malhar fantasiado de Batman. Joe e os outros atletas acabam influenciando o herói, e ele começa a aderir à filosofia de Joe: “Não dá para evoluir sem sentir dor. Eu não gosto de ficar acomodado. Gosto de continuar ávido.” Ao se envolver com as pessoas ligadas à academia, Craig descobre que não pode traí-las, e a trama parte daí.
Rafelson já tinha contratado seu amigo Jeff Bridges para fazer Craig – o que era bem animador, porque Bridges era um jovem talento em ascensão que já havia estrelado A última sessão de cinema e o mais recente filme de Clint Eastwood, O último golpe. Charles Gaines achava que eu seria perfeito no papel de Joe Santo e transformou o índio americano em um austríaco.
Talvez tenha sido o fato de me ver na TV contracenando com Art Carney e Lucille Ball que finalmente fez Rafelson se decidir. Ele me ligou depois da exibição de Happy Anniversary and Goodbye, no final de outubro, para me dizer que o personagem era meu. “Você é o único que tem a personalidade e o corpo adequados para o papel”, falou. “Mas, antes que você comece a comemorar, precisamos nos encontrar amanhã para uma conversa.”
No dia seguinte, quando nos encontramos na Zucky’s de Santa Monica para almoçar, Bob só falou de trabalho. Era a primeira vez que eu o via se comportar como diretor de cinema. Ele assumiu o comando da conversa e tinha muito a dizer. “Quero que você faça o papel principal no filme, mas não vai ganhá-lo de bandeja”, começou. “Você vai ter que fazer por merecer. Por enquanto, tenho a sensação de que você não é capaz de encarar uma câmera e transmitir toda a gama de emoções que eu preciso.” Eu não sabia o que ele queria dizer com aquilo, mas, à medida que ele falava, comecei a entender.
“Quando as pessoas pensam em um fisiculturista, a maioria delas imagina um cara que entra em uma sala, derruba tudo e põe o lugar abaixo. Quando esse cara abre a boca, ele é rude e diz coisas grosseiras.
Olhei para ele com interesse e ele prosseguiu: “Mas eu comprei os direitos do livro em parte porque esse cara, além de forte, é sensível. Nós o vemos levantar centenas de quilos, mas na cena seguinte ele é capaz de pegar um copo e dizer: ‘Sabe o que é isto aqui? Cristal Baccarat. Veja como é lindo, como é delicado.’ Isso é só um exemplo. Ele adora música. Sabe tocar flauta. Sabe avaliar a qualidade de um violão. Sua sensibilidade e intuição são quase femininas. São essas nuances que constroem o personagem. Algo bem difícil de conseguir.”
Fiz uma anotação mentaclass="underline" teria que fazer aulas de flauta.
“Por exemplo”, continuou Bob, “você me disse que o fisiculturismo é uma arte. Mas eu quero que você seja capaz de interagir com a atriz principal e, quando ela disser ‘Nossa, que panturrilhas!’, responder: ‘Bom, a panturrilha é uma parte muito importante do corpo. Para ganhar a competição, não basta ter um músculo saltado na batata da perna. O músculo tem que ter a forma de um coração invertido. Está vendo? E as medidas da panturrilha, do antebraço e do pescoço têm que ser as mesmas. É assim desde a época dos gregos. Quando você vir esculturas gregas, repare que elas têm lindas proporções. Não são só os bíceps que são grandes, mas os ombros e as panturrilhas também.’”