Bob queria que eu conseguisse explicar tudo isso não como um fisiculturista, mas como um artista ou um historiador da arte: com sentimento. “E ainda por cima você vai ter que fazer isso na frente das câmeras. Eu já o ouvi falar assim algumas vezes, mas será que vai conseguir quando eu disser ‘Ação!’? Será que vai conseguir quando eu fizer o close, o contraplano, o plano geral e o plongée? Vai conseguir manter o personagem nessa hora, e no dia seguinte tornar a entrar no mesmo personagem quando houver uma sessão de treinos puxada no roteiro, na qual você e os outros levantam cargas superpesadas? É isso que torna esse papel único.”
E sua lista de exigências ainda não tinha terminado.
“Além do mais, se você for Joe Santo, vai ter que lidar com o ambiente de um country club no Sul do país, com todas aquelas pessoas meio idiotas, que vivem dando festas de arromba e estão o tempo todo bêbadas. Tudo o que você tem, conseguiu graças ao trabalho. Aí vem um cara chamado Craig Blake, que herdou uma fortuna e vive para lá e para cá com seus ternos caros, querendo ser seu amigo. Como você se sente em relação a isso?”
Fiz que ia responder à sua pergunta, mas ele se apressou a continuar:
“Eu acho que você consegue aprender a fazer tudo isso, mas quero que tenha aulas de interpretação antes de começarmos a filmar.”
Bob devia estar esperando alguma resistência da minha parte, porque pareceu surpreso quando concordei. Fiquei animado. Não apenas alguém finalmente me explicava em que consistia de fato a interpretação no cinema como também transformava isso em um desafio. Eu não estava sendo contratado apenas porque ele me vira ganhar o Mister Olympia e porque eu me dava bem com seus amigos atores. Eu tinha que fazer por merecer, justamente como gostava.
Bob ainda impunha uma condição, e essa era bastante difíciclass="underline" queria que eu passasse de 109 para 95 quilos. “A câmera faz o corpo parecer maior”, explicou. “Além disso, não quero que você deixe os outros atores intimidados com seu tamanho. Você pode pesar 95 quilos e ainda assim vender a ideia de ser Mister Universo.”
Era um pedido e tanto. Eu sabia que o único jeito de pesar 95 quilos era abandonar a visão que tinha de mim mesmo como o cara mais musculoso do universo. Eu não podia ter as duas coisas. Assim, fui forçado a tomar a decisão para a qual, de toda forma, já estava tendendo: aposentar-me das competições. Já praticava o fisiculturismo havia 12 anos, e a filosofia do filme me atraía. Eu gostava da ideia de ser ávido por algo e nunca ficar acomodado. Quando tinha 10 anos, queria ser bom o suficiente em algo que fosse reconhecido no mundo inteiro. Agora, queria ser bom o suficiente em outra coisa para me distinguir mais uma vez e me tornar ainda melhor do que antes.
O professor ao qual Rafelson me encaminhou, Eric Morris, já fora instrutor de interpretação de Jack Nicholson. Ele tinha um estúdio em Los Angeles, e até hoje me lembro de seu endereço e telefone de cor, pois o indiquei a várias pessoas ao longo dos anos. Logo na entrada do estúdio havia uma placa junto à porta que dizia: “Não faça teatro.” Fiquei pensando sobre isso na primeira vez que li, mas a produtora estava me pagando três meses de aulas particulares e eu estava pronto para tentar.
Morris era um cara magrelo que beirava os 40 anos, com cabelos louros desgrenhados e um olhar penetrante. Seu lema completo era: “Não faça teatro. Seja real.” Ele vivia falando com grande entusiasmo a respeito das descobertas que tinha feito e sobre o que faltava nas outras teorias de interpretação. Eu não conhecia nenhuma outra teoria de interpretação. Sabia, porém, que o mundo que ele me revelou era de deixar qualquer um maravilhado.
Foi a primeira vez que ouvi alguém articular ideias sobre as emoções: intimidação, inferioridade, superioridade, constrangimento, incentivo, conforto, desconforto. Um mundo inteiramente novo de palavras se descortinou para mim.
Era como começar a trabalhar em uma nova profissão e de repente aprender o vocabulário relacionado ao ofício, e pensar: “Eu não sei nem como se escrevem essas coisas.” Um oceano inteiro de palavras que eu ouvia sem parar até finalmente perguntar: “O que significa isso?”
O processo estava ampliando meus horizontes para lugares que eu antes ignorava. Nas competições, eu sempre reprimia minhas emoções. É preciso controlar os próprios sentimentos para não correr o risco de ser derrubado. As mulheres viviam falando em sentimentos, mas eu considerava isso uma bobagem. No meu plano não havia espaço para as emoções. Não que eu admitisse isso para elas, porque essa declaração não lhes agradava muito. Eu simplesmente ouvia sem prestar atenção e dizia: “É, sei como é.” Atuar era o contrário. Era preciso se deixar afetar e manter a guarda baixa, pois era assim que se virava um grande ator.
Sempre que era preciso exprimir alguma emoção em cena, Morris o fazia voltar no tempo e resgatar alguma lembrança sensorial. Digamos que você associasse o cheiro de café sendo feito à época em que tinha 6 anos e sua mãe preparava essa bebida, provavelmente não para você, mas para seu pai. Você se imaginava na cozinha, visualizava como era esse cômodo com seu pai e sua mãe presentes, e isso o fazia entrar em um estado emocional específico. O que o levava até lá era o cheiro de café. Ou então um cheiro de flores, talvez da primeira vez que você comprou um buquê para uma namorada. Você a visualizava na sua frente: o sorriso, o jeito de beijar, e isso também causava determinada disposição. Ou, ainda, se você ouvisse um rock dos anos 1960, a música poderia transportá-lo para uma época em que alguém punha o rádio para tocar na academia enquanto você malhava. Morris estava me ajudando a identificar os elementos que desencadeavam emoções específicas das quais eu poderia precisar no filme. Ele dizia: “Nas competições, quando estava ganhando, você se sentia eufórico ou excessivamente empolgado? Talvez possamos usar isso em uma cena.”
Tive que explicar que eu na verdade não ficava especialmente empolgado quando ganhava, pois vencer, para mim, era natural. Fazia parte da profissão. Eu tinha obrigação de ganhar. Então não sentia nada do tipo “Caramba! Ganhei!”. Em vez disso, pensava: “Muito bem, essa etapa está concluída. Vamos à competição seguinte.”
Disse que sempre achava as surpresas mais empolgantes. Quando era aprovado em todas as matérias na universidade, saía de lá eufórico, porque, embora esperasse passar, ainda assim era uma surpresa agradável. Ou então quando ia a uma festa de Natal e ganhava um presente inesperado. Expliquei isso a ele. Então Morris disse apenas: “Está bem, vamos voltar para esses momentos.”
Ele continuou a me fazer perguntas. Quando eu havia me apaixonado pela primeira vez? Em que situações me sentira excluído? Que sensação tivera ao sair de casa? E quando meus pais me disseram que estava na hora de eu começar a lhes pagar pela minha comida se quisesse continuar morando em sua casa? Os americanos não costumam fazer isso, então como eu tinha me sentido? Ele ia transitando por episódios diferentes até encontrar a emoção certa.
No início, detestei o processo todo.
– Até hoje eu nunca lidei com nenhuma dessas coisas de que você está falando – retruquei. – Não é assim que eu vivo.
Ele não acreditou.