Ao longo de todo o inverno, os quilos a mais foram desaparecendo e eu fiquei satisfeito. Ao mesmo tempo, contudo, minha vida estava ficando intensa demais. Eu cuidava do meu negócio de vendas por correspondência, ia às aulas de interpretação, ia à faculdade, malhava três horas por dia e trabalhava em obras de construção. Era demais para uma pessoa só. Muitas vezes, me sentia sobrecarregado e começava a pensar: “Como posso continuar dando conta de tudo isso? Como faço para não ficar pensando na tarefa seguinte quando ainda estou na anterior? Como faço para pensar em uma coisa de cada vez?”
A meditação transcendental era muito popular entre o pessoal da praia em Venice. Havia um cara lá de quem eu gostava, um magrelo que fazia ioga, mais ou menos o oposto de mim. Nós sempre batíamos papo, e depois de algum tempo descobri que ele era instrutor de meditação transcendental. Ele me convidou para uma de suas aulas em um centro perto da UCLA. Tinha uma bobajada envolvida no processo: era preciso levar um pedaço de fruta e um lenço e fazer uns pequenos rituais. Mas eu não liguei para isso. Ouvi-los falar sobre a necessidade de se desligar e arejar a mente foi como uma revelação. “Arnold, você é um idiota”, pensei. “Passou esse tempo todo cuidando do corpo, mas nunca pensou na sua mente, em como torná-la mais afiada e aliviar o estresse. Quando tem cãibra em algum músculo, você o alonga, entra na hidromassagem, põe gelo, aumenta o consumo de sais minerais. Então por que nunca pensou que a mente também pode ter um problema? Pode estar estressada demais, cansada, entediada, desanimada, prestes a explodir... Vamos aprender algumas técnicas para lidar com isso.”
Eles me ensinaram a entoar um mantra e a fazer sessões de meditação de 20 minutos para alcançar um estado em que não pensaria em absolutamente nada. Ensinaram-me a desligar a mente a ponto de não ouvir o tique-taque do relógio ao fundo ou as pessoas conversando. Se você for capaz de fazer isso nem que seja por alguns segundos, os efeitos já serão positivos. Quanto mais conseguir prolongar esse período, melhor.
No meio disso tudo, Barbara também estava passando por transformações. Ela e Anita, mulher de Franco, inscreveram-se no Seminário de Treinamento Erhard, um curso de autoajuda bastante popular. Convidaram-nos a participar, mas Franco e eu não achávamos que precisássemos daquilo. Sabíamos quais eram os nossos objetivos. Sabíamos o que queríamos. Tínhamos controle sobre nossas vidas, que era o que o curso supostamente ensinava a adquirir.
O truque da primeira aula era que ninguém podia sair da sala para ir ao banheiro. A ideia era que, se você não consegue controlar nem mesmo sua própria bexiga, como vai conseguir controlar a si mesmo ou qualquer outra pessoa ao seu redor?
Eu ficava assombrado com o fato de as pessoas pagarem por aquilo! No entanto, se Barbara e Anita queriam tentar, por mim tudo bem.
Depois do primeiro fim de semana de curso, as duas voltaram bastante animadas e otimistas. Franco e eu começamos a pensar que talvez também devêssemos participar. No segundo fim de semana, porém, aconteceu algo que as deixou muito abaladas. Elas voltaram zangadas, pessimistas, achando que estava tudo errado nas suas vidas e prontas para culpar todo mundo à sua volta. Barbara estava uma fera com o pai. Era a mais nova de três irmãs e achava que ele a travava como o filho que nunca tivera. Discordei veementemente. Gostava muito do pai dela e não tinha sofisticação suficiente para entender o que ela estava dizendo. Para mim, não havia qualquer indicação de que ele a tratasse como menino. Ela então me acusou de estar obcecado pelo poder e de não lhe dar atenção suficiente.
Em geral nos dávamos muito bem, e fazia mais de três anos que morávamos juntos. Mas Barbara era uma pessoa normal, que queria coisas normais, ao passo que eu não tinha nada de normal. Minha determinação não era normal. Minha visão de aonde queria chegar na vida não era normal. A simples ideia de uma existência convencional era como criptonita para mim. Quando Barbara viu que eu estava me afastando do fisiculturismo e entrando para o cinema, acho que percebeu que não tínhamos futuro juntos. Logo depois que fui para o Alabama a fim de começar a filmar O guarda-costas, ela saiu de casa.
Fiquei muito triste com isso tudo. Barbara fazia parte da minha vida. Eu havia nutrido por ela sentimentos que jamais experimentara. Adorava a sensação reconfortante de ter a companhia de outra pessoa, de compartilhar a vida com ela, de não ter apenas minhas próprias fotos nos porta-retratos e de ter alguém com quem escolher móveis e tapetes para a casa. Sentir-me parte da família de Barbara era maravilhoso. Nós éramos uma unidade, porém de repente tudo se desfez. Tive muita dificuldade para entender. No início, pensei que Bob Rafelson tivesse dito a ela: “Preciso que Arnold seja mais sensível. Preciso vê-lo chorar. Se quiser ajudar nosso filme, saia de casa e o deixe bem na merda.” Do contrário, parecia uma loucura ela ter ido embora.
Eu sabia que estava perdendo algo de grande valor. Minhas emoções me diziam que deveríamos ficar juntos, mas racionalmente eu a compreendia. Barbara queria sossegar, e eu precisava ficar livre para me transformar e crescer. Os anos que passei com ela me ensinaram uma grande lição: como ter um bom relacionamento pode tornar sua vida melhor.
BIRMINGHAM ERA UMA PEQUENA CIDADE industrial mais ou menos do tamanho de Graz, e as filmagens de O guarda-costas deixaram o lugar em polvorosa. Chegamos lá em abril de 1975 e em poucas semanas já era possível sentir o calor grudento do verão. Adorei isso. Nós ficamos lá por três meses e chegamos a conhecer muito bem a cidade, com todos os seus bares, as biroscas onde se comiam ostras, os restaurantes etc. O hotel em que o elenco se hospedou era ótimo. Todas as pessoas eram muito simpáticas e, como Charles Gaines tinha nascido lá, fomos convidados para várias festas. Tendo acabado de romper com Barbara, achei bom passar um tempo fora de casa.
Assim que comecei a ensaiar com Sally Field, entendi o que Rafelson havia falado. Ela tinha pleno domínio do seu ofício e em poucos segundos era capaz de chorar, ficar com raiva ou exprimir o que quer que fosse preciso. Além do mais, era divertida, animada e cheia de energia. Fiquei grato a ela e a Jeff Bridges por me ajudarem a aprender. Jeff era um sujeito bem discreto, meio hippie, que gostava de tocar violão. Era um cara tranquilo de se conviver e muito, muito paciente. Dei duro para fazer a minha parte. Pedia aos outros integrantes do elenco que dissessem o que achavam da minha atuação e fiz Jeff me prometer que seria sincero.
No início, foi bastante difícil não levar as críticas para o lado pessoal, mas Rafelson já havia me alertado de que mudar de carreira seria complicado. Naquele mundo, eu não era o número 1 do universo; era apenas mais um candidato a ator. E ele tinha razão. Tive que deixar o orgulho de lado e dizer a mim mesmo: “Bem, você está começando de novo. Aqui você não é nada. É só um iniciante. Não passa de um novato ao lado desses outros atores.”
No entanto, eu gostava do fato de um filme ser a soma dos esforços de dezenas de profissionais. Era preciso ter outras pessoas em volta para passar uma boa impressão, enquanto o fisiculturismo era muito mais orientado para o eu. Existe o parceiro de treino, claro, mas durante uma competição você sempre tenta ofuscar os outros diamantes para garantir que vá brilhar sozinho. Eu estava pronto para abandonar esse pensamento.
No fisiculturismo, você tenta reprimir as emoções e seguir em frente com determinação. Na interpretação acontece o contrário. Você tem que procurar as lembranças sensoriais que funcionam como chaves emocionais. Para tanto, precisa eliminar todas as suas defesas, e isso dá muito trabalho. Eu me lembrava das flores que certa ocasião dera de presente à minha mãe no Dia das Mães, e isso me fazia pensar na época em que morava em Thal e era parte da família. Ou então usava a raiva que sentia de John Weider quando ele não cumpria a promessa de pagar por alguma coisa. Ou, ainda, recordava a época em que meu pai não acreditava em mim e dizia: “Por que não faz alguma coisa útil? Vá cortar lenha.” Para viver como ator, não se pode ter medo de alguém vir mexer nas suas emoções. É preciso correr o risco. Às vezes você fica confuso, às vezes chora, mas isso o torna um ator melhor.