Eu vi que Bob Rafelson estava satisfeito com o andar da carruagem porque, depois das duas ou três primeiras semanas, ele parou de conferir meu peso. Quando rodamos as poses de Mister Universo, eu já estava com 97,5 quilos. Essa sequência aparece perto do final do filme: os fisiculturistas que concorrem a Mister Universo desconfiam de que Joe Santo roubou o dinheiro do prêmio e saem correndo pelas ruas de Birmingham. Depois que o verdadeiro ladrão é pego, os atletas percebem que atraíram uma multidão e começam, espontaneamente, a fazer suas séries de poses. As pessoas gostam tanto disso que logo estão todas posando também, em um grande e alegre clímax. A filmagem da cena também foi assim: os figurantes e os espectadores de Birmingham se misturaram uns aos outros, todos rindo e fazendo poses musculosas, enquanto Rafelson gritava ao microfone: “Por favor, não toquem nos fisiculturistas.”
No meio disso tudo, George Butler apareceu no Alabama para virar meus novos planos de cabeça para baixo. Ele sempre falara em transformar Pumping Iron em documentário, mas não tinha conseguido financiamento porque o livro ainda não estava pronto. Agora a situação era outra. Com toda a publicidade em torno da disputa de Mister Olympia, a obra se tornara um inesperado sucesso de vendas. Além disso, como eu estava fazendo um filme com Bob Rafelson, foi mais fácil levantar dinheiro. Para completar, Victoria, mulher de George, era uma investidora inteligente, e, contanto que eu estrelasse o documentário, mostrou-se disposta a contribuir.
– Vamos poder fazer o filme! – anunciou ele quando nos sentamos para conversar.
Sua ideia era centrar o documentário na minha participação na edição seguinte do Mister Olympia, que estava marcada para novembro em Pretória, na África do Sul. Tive que lembrar a ele que meu objetivo agora era a interpretação e que eu havia mudado completamente minha rotina de treinos.
– Eu me aposentei – falei. – Olhe só, perdi um monte de músculos.
Ele não gostou.
– Bom, se você não participar, não vai ter documentário – insistiu George. – Os outros caras não têm personalidade para o filme. Na verdade, você é o único atleta capaz de dar vida ao fisiculturismo. Preciso de você. Caso contrário, não vou conseguir o dinheiro.
Ele então afirmou que participar desse projeto seria bom para minha carreira de ator.
– Eu não preciso disso para a minha carreira – discordei. – As coisas não poderiam estar melhores do que neste filme com Bob Rafelson. Assim que eu voltar para Los Angeles, quero continuar atuando. É aí que estão as oportunidades.
George tentou outra cartada:
– Nós estamos dispostos a pagar 50 mil dólares para você fazer o filme.
Era uma quantia que ele já havia mencionado no ano anterior. Na época, eu tinha ficado tentado, porque estava comprando o prédio em Santa Monica e contraindo várias dívidas. A ideia de ganhar tanto dinheiro assim ainda me agradava, mas naquele momento o argumento não me convenceu.
– Eu realmente não quero voltar a competir – falei.
Eu não devia nada a George, mas havia muitas coisas envolvidas. Ele era o melhor produtor que eu já conhecera, e eu sabia que mergulharia de cabeça no projeto. Um filme baseado em Pumping Iron poderia ser uma ótima oportunidade de apresentar o fisiculturismo como esporte a pessoas que normalmente jamais lhe dariam a menor atenção. Eu sentia que não podia virar as costas ao fisiculturismo. Uma parte grande demais da minha vida estava relacionada ao esporte, além de muitos amigos.
Havia também considerações profissionais a ser levadas em conta. Anos antes, nos bastidores de Columbus, Ohio, eu tinha dito ao produtor Jim Lorimer que um dia gostaria de ser seu sócio na produção de eventos de fisiculturismo. Depois de meu último concurso de Mister Olympia, eu telefonara para ele. “Lembra que eu disse que ligaria para você quando me aposentasse das competições?”, perguntei. Concordamos em trabalhar juntos e estávamos montando uma proposta com alguns outros investidores que ele conhecia para transformar Columbus em sede das futuras disputas de Mister Olympia. Se alguém tinha a habilidade e os contatos necessários para levar o fisiculturismo para o Meio-Oeste e torná-lo popular no universo do esporte americano, essa pessoa era Jim. Naturalmente, eu ainda tinha a empresa de venda de produtos por correspondência, que agora me rendia 4 mil dólares por ano e estava crescendo.
Além disso, eu continuava ligado a Joe Weider. Nós havíamos tido algumas desavenças – por exemplo, houve ocasiões em que ele ficou zangado quando me inscrevi em uma competição que ele não patrocinava –, mas o vínculo de pai e filho ainda existia. Joe se adaptara à minha carreira no cinema cobrindo as filmagens de O guarda-costas para suas revistas. Todos os fãs sabiam que eu estava me aposentando, e ele apresentou as coisas da seguinte maneira: “Arnold está começando a trabalhar em outra área e, não importa o filme que faça, ele vai levar o fisiculturismo consigo, então vamos segui-lo e apoiá-lo.” Quando percebeu que eu estava levando a carreira de ator a sério, Joe desistiu do sonho de me ver assumir seu império. No entanto, teria tido um troço se achasse que iria me perder por completo, pois eu era a sua galinha dos ovos de ouro.
George acabou me convencendo a voltar a competir. Avaliei o que desejava realizar. Além de ser campeão de fisiculturismo, eu agora tinha certeza de que o próprio esporte estava pronto para um grande salto. George e Charles tinham dado o pontapé inicial para isso, com as matérias jornalísticas e o livro. Os seminários que eu ministrava viviam lotados. Ao trabalhar com jornalistas, eu havia transformado os meios de comunicação em um sistema de apoio para qualquer coisa que quisesse vender. Na condição de fisiculturista com personalidade e vários seguidores, eu sentia que era minha responsabilidade levar isso adiante. Não deveria pensar apenas na minha própria carreira, mas também no contexto geraclass="underline" a necessidade de atividades físicas no mundo e como a musculação podia melhorar o desempenho de um atleta no tênis, no futebol americano ou no futebol. E nós podíamos tornar o fisiculturismo divertido.
Um filme baseado em Pumping Iron poderia ter um impacto enorme. Documentários como Marjoe, sobre um pastor evangélico chamado Marjoe Gortner, e The Endless Summer, sobre dois jovens surfistas que viajam pelo mundo em busca da onda perfeita, faziam muito sucesso na época. As películas iam de cidade em cidade, usando o dinheiro da última exibição para financiar a projeção seguinte.
Eu disse a George que deixar meu corpo em forma para competir outra vez seria tão difícil quanto fazer uma curva com o Titanic. Do ponto de vista mecânico, era uma decisão fáciclass="underline" eu sabia exatamente o que precisava fazer nos treinos. No entanto, a parte psicológica era bem mais complicada. Eu havia desprogramado minha mente para as competições em cima de um palco e para não precisar mais sentir essa glória. Agora minha principal motivação era atuar no cinema. Essa mudança exigira muitos meses de ajustes. Portanto, voltar atrás agora era um desafio de verdade. Como tornar a me convencer de que o mais importante de tudo era o corpo?