Depois do jantar, o apresentador da cerimônia, Harry Belafonte, subiu ao palco. Senti meu corpo tomado pela mesma serenidade que me invadia durante as competições – ali, assim como nas disputas de fisiculturismo, eu sabia que podia relaxar, pois fizera o possível para vencer. Quando minha categoria foi anunciada e eu venci, foi Sylvester Stallone quem puxou as palmas. Em seguida, quando Rocky também venceu, ele ficou maluco e saiu beijando todas as mulheres pelo caminho até chegar ao palco.
Receber meu primeiro prêmio como ator foi uma sensação incrível. Ganhar o Globo de Ouro foi uma confirmação de que eu não tinha ficado doido: estava no caminho certo.
EU AGORA PASSAVA QUASE TANTO TEMPO em Manhattan quanto em Los Angeles. Para mim, Nova York parecia uma loja de doces. Conviver com todos aqueles personagens fascinantes era muito divertido. Eu estava orgulhoso e feliz por ser aceito e me sentia um sortudo por ter o tipo de personalidade que deixa as pessoas à vontade. Ninguém se sentia ameaçado pelo meu corpo. Pelo contrário: todos queriam me estender a mão, me ajudar e entender o que eu estava tentando fazer.
Elaine Kaufman, dona do Elaine’s, era conhecida por ser durona e difícil, mas comigo era um amor. Assumiu o papel da minha mãe em Nova York. Sempre que eu aparecia, ela me levava de mesa em mesa e me apresentava a personalidades como o diretor Robert Altman, Woody Allen, Francis Ford Coppola, Al Pacino. “Vocês precisam conhecer este rapaz”, dizia ela. “Arnold, por que não puxa uma cadeira e se senta aqui? Vou buscar algo para você comer.” Às vezes eu ficava muito sem graça, porque ela interrompia a conversa e podia ser que aquelas pessoas não quisessem a minha presença. No entanto, ali estava eu.
Cometi alguns erros estúpidos, como dizer ao grande bailarino Rudolf Nureyev que ele não deveria perder contato com seu país de origem e que precisava voltar para visitá-lo, sem me dar conta de que ele saíra fugido da Rússia em 1961. Os habitués do restaurante, contudo, em geral se mostravam curiosos e simpáticos. Coppola fez várias perguntas sobre o universo do fisiculturismo. Andy Warhol quis intelectualizar o esporte e escrever sobre o seu significado: como uma pessoa pode ficar igual a uma obra de arte? Como pode ser a escultora de seu próprio corpo? Identifiquei-me com Nureyev porque ambos estávamos tendo nossos retratos pintados por Jamie Wyeth, artista plástico renomado e filho do famoso pintor Andrew Wyeth. Às vezes, o bailarino convidava a mim e a Jamie para ir ao Elaine’s. Aparecia já tarde da noite, depois de um de seus espetáculos, usando um casaco de pele extraordinário com uma gola imensa e um cachecol esvoaçante. Não era um homem alto, mas tinha uma atitude que tomava conta do lugar. Ele era o rei. Dava para ver isso na sua forma de andar e no jeito como tirava o casaco, cada movimento justo e perfeito. Assim como quando estava no palco. Eu pensava o seguinte: diante de alguém como Nureyev, a imaginação assumia as rédeas e fazia a pessoa parecer um gigante. Ele era um doce de pessoa e me falou de seu amor pelos Estados Unidos e por Nova York. Mesmo assim, continuei intimidado. Ser um astro do balé era diferente de ser um astro do fisiculturismo. Eu podia ser Mister Olympia por 4 mil anos, mas jamais teria a mesma importância de Nureyev. Ele pertencia a outra esfera, assim como Woody Allen, que podia aparecer em um evento de gala de smoking e tênis brancos sem que ninguém comentasse nada. Era a sua maneira de dizer: “Vocês que se fodam. O convite dizia traje de gala, então eu vim de smoking, mas também vim calçado de Woody Allen.” Eu admirava a audácia que tanto ele quanto Nureyev tinham.
Na região sul de Manhattan, o restaurante One Fifth, no Greenwich Village, era um ótimo lugar para se frequentar. Aos sábados, já tarde da noite, após o Saturday Night Live, era para lá que iam os integrantes do elenco – John Belushi, Dan Aykroyd, Gilda Radner e Laraine Newman. Muitas vezes eu ia assistir ao programa nos estúdios da NBC no Rockefeller Plaza, depois os encontrava no One Fifth – e de lá íamos todos para o Elaine’s.
As melhores festas do sul de Manhattan eram as de Ara Gallant, sujeito macérrimo de 40 e poucos anos que sempre usava roupas justas de couro ou jeans, botas de caubói de salto alto com ponteira de prata, uma boinazinha preta com vários amuletos de ouro pendurados, suíças e, à noite, delineador nos olhos. No mundo da moda, ele era famoso como fotógrafo, além de ser o cabeleireiro e maquiador que inventara o look disco dos anos 1970: boca vermelha, roupas extravagantes, cabelos volumosos. Convidava todos os modelos que conhecia para as festas que dava em seu amplo e exótico apartamento, onde havia luzes vermelhas, música bate-estaca ao fundo e uma névoa constante de fumaça de maconha. Dustin Hoffman frequentava essas festas, assim como Al Pacino, Warren Beatty e o melhor amigo de Gallant, Jack Nicholson – todos os grandes nomes do mundo do cinema. Para mim, era o paraíso. Eu ia todas as vezes que era convidado e estava sempre entre os últimos a sair.
Andy Warhol alugara um espaço em seu célebre estúdio The Factory para Jamie Wyeth pintar meu retrato. Em geral, eu ia posar no final da tarde e às oito ou nove da noite ele terminava de trabalhar e saíamos para jantar. Certa noite, porém, Warhol disse: “Se quiserem ficar, são mais do que bem-vindos. Vou tirar umas fotos daqui a uma meia hora.”
Eu era fascinado por Warhol, com seus cabelos louros espetados, suas roupas de couro pretas e suas camisas brancas. Quando ele falava com você, mesmo que fosse durante uma festa, estava sempre com uma câmera em uma das mãos e um gravador na outra. Dava a sensação de que sempre poderia publicar algo da conversa em sua revista, a Interview.
Aceitei o convite, porque estava curioso para vê-lo trabalhar. De repente, meia dúzia de rapazes apareceu e tirou a roupa toda. Pensei: “Acho que vou participar de algo interessante aqui.” Estava sempre disposto a descobrir alguma coisa ou ter uma experiência nova. “Se as coisas fugirem ao controle”, disse a mim mesmo, “foi Deus quem me pôs neste caminho. Ele quer que eu esteja aqui, senão eu estaria trabalhando em alguma fábrica em Graz.”
Como não queria ficar olhando para os caras pelados, comecei a passear pelo estúdio casualmente e a conversar com os assistentes de Andy. Eles estavam instalando holofotes antiquados ao redor de uma mesa no meio do estúdio. Era uma mesa grande e sólida, coberta com uma toalha branca.
Então Andy pediu que alguns dos caras nus subissem na mesa e deitassem uns sobre os outros, formando uma pilha. Depois começou a mudá-los de posição.
– Você, deite ali. Não, por cima dele, e depois você vai por cima. Isso. Perfeito. – Então deu um passo para trás. – Quem aqui é flexível? – perguntou.
– Eu sou bailarino – respondeu um dos caras.
– Ótimo. Por que não sobe aqui, põe uma das pernas aqui embaixo e a outra por cima? Depois vamos ajeitando as laterais...
Quando a pilha ficou do jeito que ele queria, Andy começou a fotografar com a Polaroid e a ajustar a iluminação. As sombras tinham que ficar perfeitas – ele era obcecado por isso.
– Venha cá, Arnold. Está vendo? É isso que estou tentando fazer. Ainda não ficou legal. Estou frustrado. – Ele me mostrou uma foto do que pareciam ser apenas formas, não pessoas. – Vai se chamar Paisagens – explicou.
Pensei: “Inacreditável. Esse cara está transformando bundas em montanhas.”
– A ideia é fazer as pessoas falarem sobre o assunto e escreverem sobre como conseguimos esse efeito – prosseguiu ele.
Ao ouvir Warhol falar, tive a sensação de que, se tivesse pedido antes para vê-lo trabalhar, ele teria recusado. Nunca se sabe a reação que um artista vai ter. Às vezes, ser espontâneo e agarrar uma oportunidade é o único jeito de ver a arte sendo feita.