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Ele ficou de queixo caído.

– Todos os 5%?

Ele ficou chocado ao me ouvir dizer aquilo de forma tão serena, pois estava esperando uma briga. Cada um desses numerozinhos pode vir a significar muitos milhares de dólares quando um filme dá certo.

– Todos os 5% – repeti. – Podem ficar, podem ficar com tudo.

E pensei: “Podem pegar e enfiar no rabo, porque não é por isso que estou fazendo o filme.” Eu entendia a realidade. Havia um desequilíbrio na negociação. Dino tinha o dinheiro, mas quem precisava da carreira era eu, então não fazia sentido brigar. Era uma simples questão de oferta e demanda. Mas pensei também que haveria de chegar o dia em que o jogo iria virar e Dino teria que pagar.

Conforme John Millius e eu íamos nos tornando amigos, aprendi que com ele tudo virava um drama. O cara parecia um urso, vivia fumando charutos e tinha uma Harley-Davidson. Seus cabelos pretos eram encaracolados e ele usava barba. Era obcecado por história, sobretudo pelas de guerra, e possuía um conhecimento enciclopédico sobre batalhas e armas da época dos egípcios, dos gregos e dos romanos até a atualidade. John era capaz de discorrer com autoridade sobre vikings, mongóis, piratas de qualquer período, samurais, cavaleiros e arqueiros medievais. Conhecia cada calibre de bala usado na Segunda Guerra Mundial e sabia que tipo de pistola Hitler carregava. Não precisava sequer pesquisar: já estava tudo na sua cabeça.

John gostava de se autodenominar zen-fascista e se gabava de ser tão de direita que nem podia ser chamado de republicano. Em Los Angeles, havia quem o considerasse um doente. Mas era um roteirista tão fantástico que até mesmo os liberais o chamavam para ajudar em seus trabalhos, como Warren Beatty em Reds. Ninguém escrevia diálogos de machão melhor do que ele. Um grande exemplo de seu trabalho é o hipnotizante monólogo de Tubarão em que o personagem de Robert Shaw, o capitão Quint, relembra o naufrágio do USS Indianapolis durante a Segunda Guerra Mundial, depois que o navio entregou a bomba atômica que seria lançada sobre Hiroshima. O resgate demorou cinco dias para chegar, e a maioria da tripulação não sobreviveu. A fala de Quint termina assim: “Então 1.100 homens acabaram no mar. Trezentos e dezesseis se salvaram, e os tubarões ficaram com o resto. Dia 29 de junho de 1945. Enfim, pelo menos eles entregaram a bomba.”

Milius também escreveu a fala antológica de Robert Duvall em Apocalypse Now: “Adoro o cheiro de napalm pela manhã... me lembra a vitória.” E, naturalmente, criou também a fala que já era a minha preferida em Conan, quando perguntam ao bárbaro “Qual é a melhor coisa da vida?” e ele responde: “Esmagar seus inimigos, vê-los aos seus pés e ouvir os lamentos das mulheres deles.”

Era divertido conviver com um cara tão comprometido com a fantasia do machão, com o ideal de Teddy Roosevelt. Eu gostava de encarnar e desencarnar esse papel a todo momento. Uma hora eu podia ser ator, no momento seguinte vagabundo de praia, em seguida homem de negócios, logo depois campeão de fisiculturismo, e então Romeu – podia ser qualquer coisa –, mas Milius estava preso a um personagem só. Isso fazia parte do seu charme. Sua sala vivia cheia de armas, espadas e facas sobre a mesa. Ele gostava de exibir suas espingardas Purdey, armas britânicas feitas sob medida e com gravação especial, cada uma das quais levava meses para ser fabricada e custava dezenas de milhares de dólares. Ele dava a si mesmo uma de presente a cada filme que fazia. A espingarda era sempre parte do acordo. Se conseguisse produzir o filme no prazo combinado, John automaticamente comprava uma Purdey.

Ele sabia muito sobre o mundo e adorava compartilhar seus conhecimentos com todos que estivessem por perto. Pegava uma espada e dizia: “Sinta só esta espada. Sinta o peso que ela tem. É essa a diferença entre a espada britânica e a francesa. A francesa sempre foi mais leve...” E por aí ia. Ou então via uma atriz e dizia: “Sim, ela é linda, mas não é sensual para a época de Conan. Não acho que as mulheres daquele tempo tivessem seios tão grandes. E está vendo como os olhos dela são afastados? E o formato do nariz e da boca? Não é uma boca egípcia.”

Milius logo me fez começar a assistir a filmes que julgava importantes para minha preparação. Punha o clássico japonês de 1954 Os sete samurais para passar e dizia: “Você tem que observar Toshiro Mifune. Repare no modo como ele limpa a boca, sua forma de falar, como ele agarra as mulheres. Tudo tem estilo, tudo é um pouco exagerado e feito intencionalmente. Conan é assim.” Ele também me fez prestar atenção no manejo das espadas, porque o kenjutsu – a arte marcial japonesa clássica do combate com esse tipo de arma – fazia parte de uma gama de estilos de luta que Milius estava incluindo no universo de Conan; o roteiro demandava uma quantidade infinita de espadas, machados de batalha, lanças, facas e armaduras de vários períodos da história.

Ele começou a mandar especialistas para me treinar: mestres de artes marciais, armeiros, dublês especializados em montaria. Durante três meses, fiz duas horas de aula de espada por dia. Ao contrário da espada samurai, muito leve e afiada – projetada para decepar cabeças e membros e cortar corpos ao meio –, a espada medieval europeia é imensa e tem lâmina dupla. Foi projetada para desferir golpes fortes, que atravessem armaduras e carne. Tive que aprender quais são as partes do corpo vulneráveis aos ataques e como se deve manejar a espada, sem falar no que acontece quando você erra o golpe. A aceleração de uma espada de 5 quilos pode desequilibrar um lutador da mesma forma que uma arma de fogo com um coice forte, então é preciso antecipar e canalizar a energia de modo a poder voltar à posição de combate e desferir imediatamente outro golpe.

Em seguida tive um instrutor de kenjutsu, depois treinei com um especialista em um estilo de combate que combinava golpes e luta livre, com todo tipo de quedas, cotoveladas e pancadas. Um dublê me instruiu sobre técnicas de escalada, ensinou-me como cair e rolar o corpo e a pular de uma altura de 5 metros para cima de um colchão. Apesar de ocupado com a pós-produção de Amargo reencontro, Milius sempre reservava um tempinho para ver como eu estava evoluindo e me filmar.

O treinamento era tão intenso e exigia tanto tempo quanto a preparação para uma competição de fisiculturismo, e mergulhei nele de cabeça. Tinha a sensação de que minha carreira de ator de repente passara a ser o centro da minha vida. O sonho sempre existira, mas estivera embaçado: eu nunca sabia que direção ele iria tomar ou como conseguiria minha grande chance. Mas ser escolhido para fazer Conan foi como conquistar meu primeiro título de fisiculturismo internacional. Até o momento daquela conquista, podia ver meu progresso no espelho, ver os músculos crescerem devagar, mas na verdade nunca sabia em que ponto realmente estava. Então, depois de ganhar o Mister Universo, pensei: “Meu Deus, aqueles eram jurados internacionais, eu estava competindo com caras que vejo nas revistas, e ganhei. Eu vou alcançar o sucesso.”

Alguns dos nomes mais importantes de Hollywood passaram a se interessar pela minha carreira. Dino estava me dando a oportunidade de provar meu valor no cinema, mais ou menos como Joe Weider fizera no fisiculturismo. E eu tinha um vínculo com a Universal Pictures, estúdio internacional de primeira linha responsável por grandes sucessos como O franco-atirador e Tubarão. A Universal estava produzindo um filme chamado E.T., sobre um adorável extraterrestre que vem parar na Terra por engano. Os principais executivos do estúdio, Lew Wasserman e Sid Sheinberg, eram figuras lendárias, homens que fabricavam astros.

Meu instrutor dublê, um veterano de Hollywood que era um astuto observador do mundo do cinema, logo me disse isso. “Cara, você tem uma baita sorte. Por acaso percebe que agora faz parte da máquina de Hollywood? Sabe quanto dinheiro vão gastar com você? Só com você? Vinte milhões no filme... 20 milhões! E você vai fazer o protagonista. Toda essa máquina vai funcionar em seu benefício. Você vai estourar.”