Maria tinha visto isso acontecer na própria família. Ela vinha de um mundo em que o bisavô era imigrante e o avô tinha construído uma grande fortuna em Hollywood e nos ramos de bebidas, imóveis e outros investimentos. Era um universo em que ver um parente concorrer à presidência ou ao Senado não era nada incomum. Em 1961, ouvira o tio John F. Kennedy jurar que, ao final daquela década, os Estados Unidos fariam o homem pisar na Lua. Sua mãe, Eunice, era fundadora da Special Olympics. Seu pai, Sargent Shriver, foi diretor do Peace Corps e criador do programa de educação e treinamento gratuitos Job Corps, do Vista (Volunteers in Service to America, um programa nacional de voluntariado para o combate à pobreza) e do Legal Services (órgão de prestação de serviços jurídicos à população carente), tudo durante os mandatos de Kennedy e Johnson. Além disso, Sargent fora embaixador dos governos de Lyndon Johnson e Richard Nixon na França. Portanto, se eu dissesse “Quero ganhar 1 milhão por filme”, isso não soava absurdo aos ouvidos de Maria. Apenas a deixava curiosa. “E como você vai fazer?”, perguntava ela. “Admiro sua determinação. Não entendo como alguém pode ter tanta disciplina.” Além do mais, observando o que eu fazia, ela pôde ver algo que nunca havia testemunhado em primeira mão: como se transforma um dólar em dois, como se constroem empresas e como se vira um milionário.
Sua criação lhe proporcionara imensas vantagens, como uma educação excepcional e o conhecimento e a experiência extensos dos pais. Ela pudera estar em contato com pessoas influentes e ouvir suas ideias. Tivera a oportunidade de morar em Paris, onde seu pai fora embaixador, e de viajar pelo mundo. Crescera jogando tênis, praticando esqui e participando de exibições de equitação.
No entanto, também havia desvantagens. Eunice e Sarge eram tão autoritários que seus filhos nunca puderam desenvolver opinião própria sobre as coisas. Os dois faziam questão de mostrar a seus rebentos que eles eram inteligentes. “Que ótima ideia, Anthony”, eu ouvia Eunice dizer a seu caçula, que estava apenas começando o ensino médio. “Eu faria assim e assado, mas essa sua ideia é muito pertinente. Não tinha pensado nisso antes.” A família tinha uma rígida hierarquia na qual os pais, em geral Eunice, tomavam as decisões. Ela tinha uma personalidade muito dominadora, mas Sarge não se importava.
Quando se cresce em uma família assim, fica difícil tomar as próprias decisões e você acaba tendo a sensação de que não consegue viver sem a opinião de seus pais. Eunice e Sarge decidiam a que faculdades os filhos deveriam se candidatar, por exemplo. Sim, eles tinham alguma participação, mas no fim das contas quem dava as cartas eram os pais. Para falar a verdade, muitas vezes quem decidia não eram nem os pais em si, mas a família Kennedy. O grau de conformidade no clã era extremo. Por exemplo, nenhum dos 30 primos era republicano. Quando se reúnem 30 membros de qualquer família, é quase impossível todos terem os mesmos gostos e preferências. Era por isso que eu vivia provocando Maria:
– A sua família parece um bando de clones. Se você perguntar a um de seus irmãos qual é a cor preferida dele, ele não vai saber. Vai responder: “Nós gostamos de azul.”
Ela ria e dizia:
– Não é verdade! Veja só como eles são diferentes.
E eu respondia:
– São todos ambientalistas, esportistas, democratas, todos eles sempre apoiaram os mesmos candidatos e todos gostam de azul.
A outra grande desvantagem dizia respeito à percepção do público. Você podia fazer o que fizesse, mas, se fosse um Kennedy ou um Shriver, ninguém lhe dava crédito pelo seu sucesso. Pelo contrário, as pessoas diziam: “Bom, se eu fosse um Kennedy, também faria isso.” Por todos esses motivos, Maria teve que se esforçar mais do que alguém de qualquer outra família para formar a própria identidade.
Sarge e Eunice me receberam bem. Na primeira vez que Maria me levou à casa deles, em Washington, seu pai desceu a escada com um livro na mão. “Estava lendo aqui sobre suas grandes conquistas”, falou. Ele havia encontrado uma menção ao meu nome em um livro sobre imigrantes que tinham chegado aos Estados Unidos sem nada e alcançaram sucesso. Foi uma bela surpresa, porque eu não esperava ter sido citado em nenhum livro ainda. O fisiculturismo era uma coisa muito fora dos padrões. Pensei que as pessoas escrevessem sobre imigrantes como o ex-secretário de Estado Henry Kissinger, não sobre mim. Sarge foi muito elegante e muito generoso ao reparar nesse trecho e mostrá-lo para mim.
Eunice me pôs imediatamente para trabalhar. Ficou empolgada ao saber que eu havia participado da pesquisa da Special Olympics na Universidade do Wisconsin. Antes mesmo de perceber, eu já a estava ajudando a promover a ideia de incluir o levantamento de peso em sua organização e dando oficinas de musculação para deficientes mentais sempre que viajava.
Se os Shriver não tivessem sido tão encantadores, meu primeiro jantar em sua casa poderia ter sido difícil. Os quatro irmãos de Maria – Anthony, Bobby, Timothy e Mark – tinham entre 12 e 23 anos, e um dos mais novos foi logo dizendo:
– Papai, Arnold adora Nixon!
Sarge era grande amigo de Hubert Humphrey; na verdade, quando Humphrey disputara a presidência com Nixon em 1968, queria que Sarge fosse seu candidato a vice, mas a família Kennedy vetara a ideia.
Então me senti muito desconfortável sentado àquela mesa. Porém Sarge, o eterno diplomata, falou calmamente:
– Bom, todo mundo pensa diferente sobre esse tipo de coisa.
Mais tarde conversamos sobre o assunto e expliquei a ele por que admirava Nixon. Era minha reação por ter sido criado na Europa, onde o governo era totalmente responsável por tudo, 70% das pessoas ocupavam cargos públicos e a maior aspiração de todos era ter um emprego desses. Esse fora um dos motivos que me fizera emigrar para os Estados Unidos. Sargent por acaso sabia alemão, pois tinha origens germânicas e durante a década de 1930 costumava ir à Alemanha no verão para estudar, vestido com Lederhosen – traje típico alemão – e explorando de bicicleta os vilarejos das zonas rurais daquele país e da Áustria. No primeiro verão que passou lá, em 1934, a ascensão recente de Adolf Hitler ao poder como chanceler alemão não o impressionou muito. No segundo verão, porém, em 1936, ele aprendeu a reconhecer as camisas marrons dos integrantes da “tropa de assalto” paramilitar nazista, a Sturmabteilung (SA), e os uniformes pretos dos membros da guarda de elite de Hitler, a Schutzstaffel (SS). Lera sobre prisioneiros políticos internados em campos de concentração. Chegara até a ir a um comício de Hitler.
Ao voltar para casa, Sarge estava convencido de que os Estados Unidos deveriam manter distância da crise crescente na Europa – tanto que em 1940, então aluno de Yale, fora cofundador do grupo não intervencionista America First Committee (Primeiro Comitê Americano) junto com os colegas de turma Gerald Ford, futuro 38o presidente, e Potter Stewart, futuro juiz da Suprema Corte, entre outros. Apesar disso, alistara-se na marinha antes do ataque japonês a Pearl Harbor e servira durante toda a guerra. Conversamos em alemão diversas vezes. Ele não era propriamente fluente, mas sabia cantar nesse idioma.
As refeições na casa dos Shriver não poderiam ser mais diferentes daquelas com que eu tinha sido acostumado na minha família. À mesa do jantar, Sarge me perguntava:
– O que seus pais teriam feito se você falasse com eles do jeito que meus filhos estão falando comigo agora?
– Meu pai teria me dado um sopapo na mesma hora.
– Ouviram só, meninos? Arnold, repita o que disse. O pai dele teria lhe dado um sopapo. É isso que eu deveria fazer com vocês.
– Ah, papai – respondiam eles, jogando um pedaço de pão em Sarge.