Era esse o tipo de humor da família à mesa, e eu ficava perplexo. Na primeira vez que jantei lá, a refeição terminou com um dos meninos peidando, outro arrotando e um terceiro recostado tão para trás na cadeira que ela desabou no chão. E ele ficou ali, caído e gemendo:
– Porra, cara, estou entupido.
– Nunca mais diga isso nesta casa, ouviu bem?
– Desculpe, mãe, mas estou entupido mesmo. Sua comida é maravilhosa.
É claro que isso também era uma piada. Eunice não sabia fazer nem ovo cozido.
– Fique grato por ter comida na mesa – retrucou ela.
Os pais de Maria com certeza tinham uma visão mais liberal sobre educação infantil do que a minha família. Nossos pais viviam mandando que eu e Meinhard calássemos a boca, enquanto os filhos da família Shriver eram sempre incentivados a participar da conversa. Digamos que surgisse o assunto do Dia da Independência e de como a comemoração dessa data era importante. Sarge perguntava: “Bobby, o que significa o 4 de Julho para você?” Eles pediam a opinião dos filhos sobre questões de política nacional, mazelas sociais e declarações que o presidente dera. Queriam que todos contribuíssem com sua opinião sobre tudo.
EMBORA MARIA E EU MORÁSSEMOS EM extremos opostos do país, nossas vidas se entrelaçaram totalmente. Ela foi à minha formatura em Wisconsin – depois de uma década frequentando faculdades, consegui me formar em administração, com especialização em marketing internacional de educação física. Ela estava começando a carreira na televisão e produzia noticiários regionais em Filadélfia e Baltimore. Eu ia vê-la nessas cidades e participei duas vezes de um programa de entrevistas com sua amiga Oprah Winfrey, também em início de carreira. Maria sempre arranjava amigos interessantes, mas Oprah realmente se destacava. Era uma mulher talentosa, dinâmica, e dava para ver que acreditava em si mesma. Em um de seus programas, foi à academia malhar comigo para demonstrar como é importante manter a forma. Em outra ocasião, falamos sobre a importância de ensinar as crianças a ler e fazê-las se interessar por livros.
Eu tinha orgulho de Maria. Pela primeira vez, vi quanto ela era determinada a conquistar seu próprio lugar ao sol. Não havia nenhum outro jornalista na família. Quando foi fazer a entrevista de emprego, perguntaram-lhe: “Você está disposta a trabalhar 14 horas por dia ou espera ser paparicada como uma Shriver?” Ela respondeu que estava determinada a dar duro, e foi o que fez.
Juntos, fomos ao Havaí, a Los Angeles, à Europa. Nossa viagem para esquiar na Áustria, no Natal de 1978, foi a primeira vez que ela passou aquela data longe dos familiares. Eu também a acompanhava às reuniões de família, que eram frequentes. Logo aprendi que um dos aspectos de ser um Kennedy era nunca estar completamente livre. Maria tinha que ir a Hyannis Port no verão, acompanhar a família nas férias de inverno e passar o Dia de Ação de Graças e o Natal em casa. Se alguém fizesse aniversário ou se casasse, precisava estar presente. Como o clã era muito numeroso, a quantidade de compromissos obrigatórios era enorme.
Quando Maria conseguia se liberar do trabalho, ia me visitar na Califórnia. Afeiçoou-se bastante a alguns dos meus amigos, em especial a Franco, e também a alguns dos atores e diretores que eu conhecia. Já de outros não gostou: pessoas que ela considerava parasitas, ou que pensava estarem tentando me usar. Maria conheceu minha mãe durante a visita anual dela aos Estados Unidos, na Páscoa.
Quanto mais sério ficava o nosso relacionamento, mais Maria falava em se mudar para a Califórnia. Para nós, portanto, a campanha presidencial de Teddy em 1980 foi bastante oportuna. Eu estava pronto para comprar uma casa, e nossa primeira decisão importante como casal foi procurá-la juntos. No final do verão, encontramos uma construção dos anos 1920 em estilo espanhol em uma parte encantadora de Santa Monica, perto da San Vicente Avenue. Passamos a chamá-la de lar, mas não era nossa de fato. A casa era minha. Havia uma escadaria em curva para a esquerda logo na entrada, muitas telhas antigas bonitas, uma grande sala de estar com vigas no teto, além de lindas lareiras na sala, na sala de TV e na suíte principal do segundo andar. Havia também uma piscina comprida e estreita e uma casinha de hóspedes em que minha mãe poderia ficar durante suas visitas.
O fato de aquela ser a nossa casa era um segredo entre mim e Maria, porque ela não queria que os pais soubessem que estava morando comigo – principalmente Sarge, que era muito conservador. Disse a eles que estava vivendo a alguns quarteirões de mim, na Montana Avenue, e chegamos a alugar e mobiliar um apartamento lá para que, quando Sarge e Eunice fossem nos visitar, Maria pudesse convidá-los para almoçar. Tenho quase certeza de que sua mãe sabia o que estava acontecendo, mas o apartamento separado era importante para a imagem da família.
Naturalmente, o anonimato completo é algo quase impossível em Hollywood, sobretudo para alguém ligado aos Kennedy. Quando estávamos procurando casas para comprar, uma das corretoras nos disse: “Tenho uma casa fascinante em Beverly Hills para mostrar a vocês. Não vou lhes dizer o que a torna tão interessante. Vocês vão ter que ver por si mesmos.” Quando chegamos lá, ela falou: “Sabem quem morou aqui? Gloria Swanson!” Então nos fez descer até o porão e nos mostrou um túnel que conduzia a uma casa vizinha. Joe Kennedy usara aquele túnel durante o longo caso que mantivera com a atriz, nos anos 1920. Depois da visita, Maria me perguntou: “Por que ela nos mostrou essa casa?” Estava em parte fascinada, em parte zangada e constrangida.
A CAMPANHA DE TEDDY ME PROPORCIONOU uma oportunidade incrível de ver o que significa mergulhar em uma corrida presidencial. Em fevereiro, acompanhei Maria a New Hampshire para assistir às primárias do Partido Democrata. Os membros do comitê de campanha estavam hospedados em um pequeno hotel que parecia um verdadeiro formigueiro de jornalistas, funcionários, voluntários e pessoas com jornais debaixo do braço correndo para ler as últimas matérias. Os organizadores mandavam Maria para fábricas vizinhas a fim de cumprimentar os possíveis eleitores.
Aquela operação toda me pareceu minúscula, pois eu não entendia como funcionavam as campanhas. Teddy Kennedy era um político importante, que saíra na capa da revista Time ao decidir se candidatar. Então, eu imaginava que ele fosse fazer grandes comícios. Eu já tinha ido a vários dircursos do candidato republicano Ronald Reagan naquele ano, e ele sempre atraía de mil a 2 mil pessoas, às vezes mais. Mesmo que Reagan estivesse apenas dando uma passadinha em alguma fábrica para falar com os operários, a visita parecia um comício, com bandeirolas, cartazes e músicas patrióticas.
Ali estávamos nós, porém, naquele hotel pé de chinelo. Cumprimentando pessoas, indo a lojas, frequentando restaurantes. “Que coisa mais estranha”, pensei. “Por que se hospedar neste hotelzinho fuleiro? Por que não em um hotel chique?” Eu não sabia que, no começo de uma campanha, o mais importante é o contato direto. Não tinha ideia de que não se pode hospedar integrantes do comitê de campanha em estabelecimentos caros, porque alguém inevitavelmente escreverá alguma reportagem dizendo como você está desperdiçando o dinheiro doado por trabalhadores honestos. Não entendia que, dependendo das circunstâncias, havia eventos grandes e outros menores, mais intimistas.
A corrida democrata de 1980 acabou virando algo especialmente difícil. Antes de se candidatar, Teddy estava à frente do presidente Carter nas pesquisas de opinião por uma margem de mais de dois contra um. Todos instigavam Teddy a concorrer à presidência. Jornalistas escreviam a respeito do homem fantástico e poderoso que ele era e sobre como poderia ganhar fácil de Jimmy Carter e salvar a situação dos democratas. Ele era incapaz de cometer um erro. No entanto, assim que Teddy anunciou sua candidatura, em novembro de 1979, tudo isso mudou. Os ataques foram implacáveis. Mal pude acreditar. O fato de ele não conseguir dar uma resposta convincente quando questionado sobre a razão pela qual queria ser presidente, em uma entrevista à CBS em rede nacional, não ajudou. As pessoas contestavam seu caráter por causa do acidente de carro na ilha de Chappaquiddick, em 1969, que matara Mary Jo Kopechne, ex-membro do comitê de campanha de Bobby Kennedy que estava com ele naquele momento. Diziam também que Teddy vivia à custa da reputação do irmão, embora ele já fosse senador havia 18 anos.