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Era diferente de ser campeão de fisiculturismo. Milhões de pessoas iriam assistir àquele filme, enquanto naquele esporte o maior público ao vivo era de 5 mil pessoas e o número de telespectadores atingia de 1 a 2 milhões. Aquilo ali era um grande acontecimento. As revistas especializadas iriam escrever sobre Conan, o caderno cultural do LA Times publicaria matérias sobre o filme e revistas e jornais mundo afora editariam resenhas sobre ele – e gerariam polêmicas a respeito, com certeza, pois o universo imaginado por Milius era muito violento.

Depois de passar o Natal com os pais, Maria foi me fazer uma visita de alguns dias no final de dezembro. Assim pude apresentá-la à equipe e ao elenco, para ela não pensar que eu havia desaparecido da face da Terra. Ela riu ao ver como eu já tinha reunido todo um grupo de amigos do mundo dos músculos: não só os dinamarqueses, mas também Franco, para quem eu conseguira um pequeno papel.

Fiquei contente por Maria não estar mais na Espanha quando começamos a filmar, uma semana depois. Na primeira cena prevista, Conan, desarmado e recém-libertado da escravidão, é perseguido por lobos em uma planície rochosa. Consegue fugir escalando um promontório, onde se depara com a entrada de uma tumba que abriga uma espada. Em preparação para essa sequência, eu vinha trabalhando todas as manhã com lobos, só para perder o medo. Na verdade, eram quatro cachorros da raça pastor-alemão, só que, sem me avisar, Milius mandara um dos coordenadores de dublês arranjar animais que fossem mestiços de lobo. Achava que assim as cenas ficariam mais realistas. “Nós vamos cronometrar tudo”, prometeu ele. “Você já vai estar correndo quando soltarmos os cães, então eles não vão ter tempo de atravessar a planície e alcançá-lo antes que você escale as pedras.”

Na manhã da filmagem, para atrair os cães, eles costuraram carne crua dentro da pele de urso que eu usava nas costas. Quando as câmeras foram ligadas, saí correndo pelo descampado. Só que o treinador soltou os cachorros antes da hora e não tive tempo suficiente para me distanciar deles. As feras me alcançaram antes que eu conseguisse subir até o alto das pedras. Morderam minha calça e me arrastaram de cima das pedras, fazendo-me cair de costas de uma altura de 3 metros. Tentei ficar em pé e arrancar a pele de urso, mas caí por cima de um arbusto cheio de espinhos. O treinador então gritou um comando e os cães pararam o que estavam fazendo e ficaram estáticos ao meu lado, babando.

Eu estava ali no chão, todo espetado e sangrando por causa de um corte ao cair em cima de uma pedra. Mas Milius não teve pena. “Agora você sabe como vai ser o filme”, disse. “Foi isso que Conan teve que enfrentar!”

Precisei levar pontos para fechar o corte e quando o vi mais tarde, no almoço, o diretor estava de ótimo humor. “Conseguimos o que queríamos. Começamos com o pé direito”, afirmou ele.

No dia seguinte, acabei precisando de mais pontos, porque cortei a testa ao pular em uma piscina cheia de pedras. Quando Milius viu o sangue escorrendo, perguntou: “Quem fez essa maquiagem? Está incrível. Parece sangue de verdade.”

Ele se recusava a pensar no que teria acontecido com a produção caso eu tivesse ficado aleijado ou morrido. Naturalmente, não havia dublê nessas cenas, pois teria sido muito difícil encontrar alguém com um corpo feito o meu.

O restante da semana foi dedicado a uma complexa cena de ação que apareceria bem mais tarde na história. Em nosso galpão nos arredores de Madri, as equipes tinham construído a Câmara das Orgias do templo de Thulsa Doom nas montanhas. Visto de fora, o galpão era um prédio grande e sem graça, de dois andares, feito de aço corrugado e cercado por um estacionamento poeirento, tendas e uma placa grosseira na qual se lia “Conan” escrito em tinta vermelha. Lá dentro, porém, depois de passar pelos departamentos de maquiagem, figurino e adereços, você era transportado para o esplendor devasso do culto à serpente canibal do feiticeiro. A Câmara das Orgias era um salão de pé-direito alto, com sacadas e escadarias de mármore, iluminado por tochas e enfeitado com lindos panos de cetim e seda, com uma dezena de mulheres nuas e seus consortes esparramados sobre almofadas fofas dentro de um fosso central, cochilando e se regalando. No meio do fosso erguia-se uma pilastra de mármore cor-de-rosa e cinza com 4 metros de altura e quatro gigantescas cabeças de cobra esculpidas no alto. O banquete era oferecido por serviçais que o retiravam de um caldeirão borbulhante no qual se viam mãos decepadas e outros pedaços de corpos humanos.

Segundo o roteiro, Conan, Valeria e Subotai invadiam essa orgia, matavam os guardas e resgatavam a princesa foragida que sucumbira ao feitiço de Thulsa Doom. Os guardas, claro, eram brutamontes sub-humanos, alguns usando máscaras de cobra, e eu estava nu da cintura para cima, com o rosto e o tronco pintados com assustadoras listras pretas de camuflagem que pareciam raios. Sandahl e Gerry também estavam pintados dessa forma. Foi fantástico poder usar nosso treinamento com armas, e Milius foi ficando satisfeito à medida que filmávamos dezenas de tomadas.

 

ENTRE UMA TOMADA E OUTRA, SETS de filmagem são lugares barulhentos onde as pessoas não param de falar, os equipamentos são ruidosos e as equipes estão sempre correndo de um lado para outro. Na quarta manhã, estávamos nos preparando para uma cena na alcova particular de Thulsa Doom, escavada bem no alto da parede da Câmara das Orgias, quando alguém disse: “Dino chegou”, e de repente ouvi toda a movimentação cessar. Olhei para o pé do largo lance de escada e lá embaixo, no fosso, em meio às garotas nuas, estava nosso lendário produtor em sua primeira aparição no set. De Laurentiis exibia um visual impecáveclass="underline" usava um terno elegantíssimo e um lindo sobretudo de caxemira pendurado em volta dos ombros feito uma capa, ao estilo italiano.

Depois de observar a cena toda, ele subiu a escada até onde nós estávamos. Deviam ser uns 20 degraus, mas pareceram 100, porque ele demorou a subir. Fiquei observando enquanto ele se aproximava, com as mulheres nuas ao fundo. Quando ele enfim chegou ao alto, foi direto falar comigo. “Schwarzenegger, você é Conan”, disse ele.

Dito isso, deu meia-volta, tornou a descer a escada e saiu do set.

Milius estava perto da câmera, e os microfones estavam ligados. Ele então veio na minha direção. “Ouvi o que ele falou. Sabe que esse é o maior elogio que você vai ganhar desse cara, não sabe? Hoje de manhã ele assistiu aos três dias que já filmamos, e agora acredita no projeto”, comentou ele.

Senti que aquele tinha sido o jeito de Dino me dizer que eu estava perdoado por ter sido grosseiro com ele quatro anos antes. A partir desse dia, ele passou a ir à Espanha mais ou menos uma vez por mês e sempre me convidava para tomar café em seu hotel. Aos poucos, começamos a nos dar bem.

Dino delegou a tarefa de produzir de fato o filme à filha Raffaella e a Buzz Feitshans, que já trabalhara com Milius em outros projetos. Raffaella era uma espoleta: filha do meio do produtor com a atriz italiana Silvana Mangano, desde pequena já sabia que seguiria a profissão do pai. Embora fosse tão jovem quanto Maria, Dino vinha lhe ensinando os macetes da profissão havia 10 anos, e aquele já era seu segundo longa de importância.

Àquela altura, eu já sabia o suficiente sobre produção de cinema para ficar impressionado com o trabalho que ela e Buzz fizeram. Eles tiveram que se virar para encontrar um país onde pudéssemos filmar depois que a Iugoslávia saíra do páreo. Cada país tem a sua comissão de cinema, e em geral, quando se produz um filme, a primeira medida a tomar é ligar e dizer: “Queremos fazer um filme no seu país. A que acordo podemos chegar?” No caso de Conan, a Espanha havia agarrado a oportunidade. A comissão dissera a Raffaella e Buzz: “Nós temos um ótimo galpão que podemos transformar em estúdio. Tem água corrente, banheiros e chuveiros. E tem espaço para os geradores que vocês terão que instalar. Além disso, existe um outro galpão que vocês também podem alugar, e um hangar vazio em uma base da Força Aérea. Temos um luxuoso complexo de apartamentos em Madri que é perfeito para os atores e para os membros mais importantes da equipe. É ligado a um hotel cinco estrelas, então vocês vão poder usufruir, sempre que quiserem, dos restaurantes e do serviço de quarto. E existe também, bem pertinho de lá, um espaço para os escritórios da produção.”