Lutar com uma cobra mecânica gigantesca me deixou dolorido por uma semana. A sequência acontecia no meio do filme, quando Conan e seus aliados conseguem se esgueirar para dentro da Torre da Serpente e roubam algumas das preciosas joias do culto. Tínhamos que escalar a torre (na verdade, um set de 12 metros de altura construído no hangar abandonado da Força Aérea), depois descer até uma masmorra coberta de lixo e ossos de virgens sacrificadas até a altura do tornozelo. A cobra, que tinha 11 metros de comprimento e 76 centímetros de largura, era uma réplica de algum tipo de jiboia operada por controle remoto e animada por cabos de aço e bombas hidráulicas capazes de exercer uma força de 9 toneladas. A engenhoca se revelou bem difícil de controlar, e o operador não havia treinado o suficiente. Em uma das tomadas, a cobra se enroscou à minha volta e começou a me jogar contra a parede da masmorra. Eu gritava com o cara para pegar mais leve. No roteiro, é claro, Conan mata a cobra: Subotai sai rastejando de um túnel, vê o amigo em apuros e lhe atira uma espada, que Conan, com um único gesto ágil, segura pelo cabo e crava no animal. Eu tinha que segurar a pesada espada e golpear um ponto preciso atrás da cabeça da cobra para fazer com que a bolsa de sangue explodisse. Conan, claro, precisa parecer totalmente confiante ao fazer tudo isso. Mas parte de mim pensava: “Espero que corra tudo bem.” Tenho orgulho de dizer que dois anos e meio de treinos deram resultado e consegui acertar na primeira tomada.
James Earl Jones só começou a participar das filmagens mais tarde, porque estava terminando uma temporada na Broadway, mas, quando chegou, nós logo ficamos amigos. Em meados de março, quando a produção se mudou de Madri para Almería a fim de filmar as cenas de batalha e o confronto final na fortaleza de Thulsa Doom no alto da montanha, passei várias horas por dia com ele em seu trailer. James queria manter a forma, então eu o ajudava a malhar e, em troca, ele me dava dicas de interpretação. Com sua potente voz de baixo, James era um ator shakespeariano estupendo e já ganhara um Tony e um Oscar por sua atuação no drama sobre racismo e boxe A grande esperança branca. (Seu personagem era baseado em Jack Johnson, campeão mundial dos pesos pesados de 1908 a 1915.) Recentemente, ele havia conquistado fama internacional como o vilão Darth Vader, de Guerra nas estrelas. Contou-me uma história incrível sobre como havia começado a atuar. Quando era menino, no Mississippi, James gaguejava tanto que se recusou a falar a partir dos 5 anos, quando começou a ir à escola, até os 14. Os colégios o qualificavam como mudo funcional. Então, no ensino médio, ele se apaixonou pela literatura e sentiu vontade de ler os grandes clássicos em voz alta. Seu professor de inglês o incentivou: “Se você gosta das palavras, tem que ser capaz de aprender a pronunciá-las.”
Milius quis que eu acrescentasse a uma de minhas falas meia página de texto que ele havia escrito durante as filmagens. A cena acontecia no período de calmaria logo antes do clímax do longa, que ocorre na batalha de Mounds, antigo cemitério à beira-mar de guerreiros e reis que lembrava Stonehenge. Conan e seus aliados fortificaram o monumento e estão esperando o ataque de Thulsa Doom e um grande contingente de seguidores selvagens a cavalo. O feiticeiro já matou Valeria, e Conan e seus amigos estão em forte desvantagem numérica, então imaginam que vão morrer. Antes da batalha, o bárbaro está sentado na encosta de um morro, com a mão no queixo, olhando para o mar e para o lindo céu azul com ar melancólico.
– Lembro-me de dias como o de hoje, quando meu pai me levava à floresta para comermos mirtilos silvestres – diz ele a Subotai. – Isso faz mais de 20 anos. Eu tinha só uns 4 ou 5. As folhas naquela época eram muito escuras e verdes. O vento da primavera deixava o capim com um cheiro doce. Quase 20 anos de obstáculos implacáveis! Sem descansar, sem dormir como os outros homens. Mas mesmo assim o vento da primavera continua a soprar, Subotai. Você já sentiu um vento assim?
– Esses ventos também sopram onde eu moro – responde Subotai. – Ao norte do coração de cada homem.
Conan dá ao amigo a chance de ir embora e voltar para casa.
– Nunca é tarde demais, Subotai.
– Não. Isso só me faria voltar para cá algum dia. Em companhia ainda pior.
– Para nós não existe primavera – diz Conan, desanimado. – Só o vento com seu cheiro fresco antes da chuva.
Eu havia ensaiado esse diálogo dezenas de vezes, como sempre fazia antes de uma filmagem. No entanto, falei para Milius:
– Dizer isso não me parece natural. Não parece que fui realmente eu que pensei e falei isso, entende?
Não se pode apenas recitar um monólogo assim. É preciso de fato parecer que você está imaginando o passado, que está relembrando e as ideias estão surgindo em sua mente. Em determinados momentos, você fala depressa; em outros, apenas fita o vazio. A questão é como criar essa naturalidade.
– Por que não pede a opinião de Earl? – sugeriu Milius. – Ele faz isso no palco, onde a pressão é maior ainda, porque você não pode cortar os erros na edição.
Então fui ao trailer de Earl e perguntei se ele se importaria em dar uma olhada no diálogo.
– Não, não, claro que não. Sente-se – disse ele. – Vamos ver o que você tem aí.
Ele leu o texto e pediu que eu dissesse as falas.
Quando terminei, Earl assentiu e falou:
– Bom, eu faria o seguinte: mandaria datilografarem essas falas de novo, de duas maneiras. Primeiro, de modo que as linhas fiquem bem curtas e desçam até o final da página. Depois, com a folha ao comprido, para que as linhas fiquem o mais longas possível. – Ele explicou que, de tanto ensaiar, eu inconscientemente havia decorado as quebras de linhas. Assim, sempre que chegava ao final de uma linha, meu pensamento também se interrompia. – Você precisa se livrar desse ritmo – completou.
Ver as linhas digitadas de forma diferente me vez ouvi-las de outro modo também, e isso ajudou muito. Voltei ao seu trailer mais tarde no mesmo dia e juntos desconstruímos e ensaiamos o diálogo fala a fala. “Bom, normalmente, depois de uma frase assim você faria uma pausa, porque esse pensamento é bem pesado”, dizia ele. Ou então: “Neste ponto, talvez você queira mudar um pouco de posição. Pode ser qualquer coisa que lhe ocorrer: se espreguiçar, balançar a cabeça, ou só fazer uma pausa. Mas você não deveria se programar”, enfatizou, “porque as coisas podem sair diferentes entre uma tomada e outra, a menos que John lhe diga que algo vai dar problema na edição. Mas em geral eles mantêm o mesmo plano até o seu pensamento mudar, depois passam para outro ângulo.”
Max von Sydow também foi generoso e atencioso. Foi ótimo poder ver dois atores de teatro incríveis ensaiarem e aperfeiçoarem suas cenas até chegarem ao tom certo. Trabalhar com profissionais permite aprender várias sutilezas. Percebi, por exemplo, que os atores muitas vezes mudam de postura quando o diretor passa de um plano aberto para um plano médio, um close ou um microplano (que mostra, digamos, uma expressão dos olhos). Alguns atores prestam muito pouca atenção no plano aberto, porque sabem que ele serve apenas para estabelecer sua localização física na cena. Quanto mais fechado ele se torna, porém, melhor precisa ser a interpretação. É aí que você percebe como é importante se poupar: não dê tudo de si nas primeiras tomadas; dê apenas 80%. A hora do seu close vai acabar chegando, e é aí que você vai precisar realmente agir. Entendi também que isso é um jeito de fazer mais closes seus entrarem no filme, porque a edição muitas vezes seleciona a tomada que tem a melhor atuação.
Fazer Conan me fez relembrar os loucos verões em que eu e meus amigos austríacos fingíamos ser gladiadores às margens do Thalersee. Ali, o que ditava o ritmo era a fantasia de Milius. Antes de filmarmos uma cena, ele contava diversos episódios históricos sobre como os bárbaros comiam, como lutavam, como montavam a cavalo, quais eram suas religiões e as crueldades que cometiam. Para a sequência da orgia, falou sobre a decadência da Roma antiga, sobre mulheres, nudez, sexo, violência, intrigas e banquetes. Estávamos cercados pelos melhores especialistas em armas, em cavalos, em design, em figurino e em maquiagem, tudo para nos fazer entrar no mundo do guerreiro bárbaro.