Adorei a experiência de filmar em locações: dividir os apartamentos do Villa Magna com os outros atores, ir de carro de lá até o galpão, aprender toda uma outra forma de vida durante seis meses. Era a primeira vez que atuava em um país estrangeiro. Como poucas pessoas no set falavam inglês, aprendi bastante espanhol. No início, o trabalho era intenso demais para que eu pudesse me dar ao luxo de fazer algo que não fosse malhar, ensaiar e filmar. Depois de um mês ou dois, porém, comecei a relaxar. Pensei: “Espere aí. Estou em Madri! Preciso visitar museus, ver construções de arquitetura interessante, andar pelas ruas, comer em restaurantes famosos e jantar às onze da noite, como os espanhóis.” Descobrimos fabricantes de botas e roupas de couro e alfaiates e começamos a comprar artigos tipicamente espanhóis, como cinzeiros de prata trabalhada e lindos cintos artesanais de couro.
Trabalhar com Milius era uma aventura constante. Tive que estraçalhar um abutre com os dentes, por exemplo. Foi na cena em que os inimigos de Conan o crucificam no deserto, na Árvore Maldita. A árvore era um imenso artefato montado ao ar livre sobre uma base giratória, para manter os ângulos do sol e das sombras constantes. Conan está quase morrendo no calor escaldante e abutres começam a voar em círculos e a pousar nos galhos ao redor dele. Quando um dos animais tenta pousar em seu rosto e bicá-lo, eu o mordo no pescoço e o despedaço com os dentes. É claro que com Milius as aves pousadas nos galhos eram de verdade – abutres treinados, é verdade, mas mesmo assim abutres, infestados de piolhos. Durante os três dias que levamos para filmar a cena, as aves eram levadas até uma tenda de hora em hora para descansar, enquanto eu permanecia na árvore em brasa com cinco outras. A que estraçalhei com os dentes era um robô feito com partes de abutres mortos. Depois da cena, tive que lavar a boca e a pele com sabonetes antibacterianos.
Também tivemos que lidar com camelos. Eu nunca havia chegado perto de um, muito menos montado um, mas era justamente isso que o roteiro exigia. Uma semana antes da filmagem da cena, pensei: “É melhor você fazer amizade com o camelo antes para entender como vai ser.” Logo descobri que camelos são bem diferentes de cavalos. Quando se levantam, eles erguem primeiro as patas traseiras, fazendo você cair para a frente. E não dá simplesmente para puxar as rédeas deles como se fossem cavalos, porque nesse caso eles viram a cabeça 180 graus, até ficar cara a cara com você. Eles podem cuspir no seu olho, e a saliva é tão cáustica que, se isso acontecer, você precisa ir ao médico na mesma hora. E camelos mordem – em geral na nuca, bem na hora em que você esquece que eles estão por perto.
Além da cobra mecânica que havia acabado comigo, também tive que lidar com cobras de verdade. Elas eram de uma espécie aquática, e, quando o adestrador achou que estavam ficando desidratadas, resolveu colocá-las na piscina do prédio em que estávamos hospedados. Nos Estados Unidos, o departamento de saúde pública ou alguma sociedade protetora dos animais teria aparecido em dois segundos, sem falar que a água devia estar cheia de cloro, o que não deve ter feito bem para a pele das cobras. Na Espanha, porém, e com Milius como diretor, esse tipo de coisa acontecia o tempo todo.
Milius vivia indo além dos limites. Ambientalistas reclamaram que nossas filmagens estavam prejudicando os pântanos de água salgada, então os produtores tiveram que prometer que deixariam esses locais como os encontramos. Defensores dos direitos dos animais reclamaram das cenas de Conan em que um cachorro leva um chute, um camelo leva um soco (meu, mas de mentira) e cavalos tropeçam. Nada disso teria sido permitido nos Estados Unidos. A produção tinha excelentes dublês, que sabiam como virar o cavalo na hora da queda para fazer o bicho rolar e não quebrar o pescoço, mas mesmo assim as cenas eram perigosas tanto para os animais quanto para quem os montava – testemunhei muitos hematomas, cortes e cabeças rachadas. Desde então, esse tipo de cena com dublê foi banido dos filmes.
Apesar disso tudo, o derramamento de sangue de Conan parece brando comparado aos padrões de hoje em dia. Na época, porém, o filme inaugurou uma nova dimensão de violência nas telas. Até aquele momento, as lutas com espadas sempre tinham sido um pouco certinhas demais: os personagens desabavam no chão e às vezes se via um pouco de sangue. Milius, porém, mandava prender no peito dos atores bolsas com quase 5 litros de sangue, quase o volume total que circula num corpo humano. Quando um machado de batalha acertava uma dessas bolsas, esguichava sangue para todo lado, e sempre que isso acontecia ele insistia que o fundo fosse claro, para que o massacre tivesse bastante destaque.
Milius não achava que devesse se desculpar por isso. “O filme se chama Conan, o bárbaro. O que vocês esperavam?”, perguntava ele aos jornalistas. Mas em maio, quando as filmagens terminaram e voltamos para casa, a questão continuou a ser mencionada. Os altos executivos da Universal ficaram preocupados que a notícia antecipada sobre a violência excessiva afastasse os espectadores.
A essa altura, eles estavam pensando em lançar Conan entre o Dia de Ação de Graças e o Natal, em novembro ou dezembro. Isso até Sid Sheinberg, presidente da Universal, famoso por ter descoberto o diretor Steven Spielberg, assistir a um copião, em agosto. Ele me viu esquartejando pessoas, sangue por toda parte, e, no meio da sessão, se levantou e disse com sarcasmo para os outros executivos: “Feliz Natal, gente.” Depois disso, saiu da sala. Assim, a estreia de Conan foi adiada e os lançamentos de Natal da Universal em 1981 foram Num lago dourado, drama familiar estrelado por Henry Fonda, Jane Fonda e Katharine Hepburn, e um filme de terror.
TODOS SABÍAMOS QUE CONAN SERIA um filme controverso, e o desafio era descobrir como fazer o marketing do lançamento e apresentá-lo à imprensa. Assisti a Milius dar algumas das primeiras entrevistas, atraindo os jornalistas para sua fantasia viril. Um dos principais tópicos de seu discurso era Friedrich Nietzsche – a epígrafe de Conan, “O que não nos mata nos fortalece”, parafraseia o livro Crepúsculo dos ídolos, do filósofo alemão, publicado em 1889. O outro grande tópico era a propriedade do aço. “Quanto mais você malha o aço, mais duro e mais durável ele fica”, dizia Milius aos jornalistas. “O mesmo acontece com um ser humano. Ele precisa ser temperado, tem que superar a resistência. Quanto mais um homem luta, mais forte ele se torna. Veja as pessoas que vêm de países em guerra ou moram em bairros carentes de cidades grandes. É possível ver a batalha em seus rostos. Um maquiador não consegue reproduzir essa expressão. E é isto que faz de Conan o mais implacável e poderoso dos guerreiros: o que ele sofreu na infância. Luxo e conforto fazem mal às pessoas.” Para Milius, Conan afirmava algo que ia muito além dos filmes de ação e histórias em quadrinhos. Estava tudo relacionado a Nietzsche.
Ele mostrava aos jornalistas uma de suas espadas de samurai e dizia: “Sabiam que uma espada como esta é aquecida e malhada sobre uma bigorna sete vezes até ter a força necessária? Os guerreiros samurais treinavam com criminosos. Eles os pegavam, mandavam que ficassem parados e os decapitavam com um só golpe.” Ele encenava a situação inteira enquanto os jornalistas tomavam notas. E eu pensava: “De onde é que ele tira essas merdas?” Minha abordagem era muito mais direta. Eu vendia o aspecto do entretenimento, o valor do filme como diversão e aventura épica, como um Guerra nas estrelas ambientado na Terra.