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Algumas grandes celebridades se maquiam em seu próprio trailer. Eu não gosto de fazer isso. Por que iria querer ficar sozinho, em vez de estar com os outros integrantes do elenco? Eu sempre me maquiava no trailer coletivo.

Todas as conversas que se possa imaginar são ouvidas nesse trailer: preocupações com a cena seguinte, reclamações sobre o filme, pontos que cada um precisa trabalhar.

O trailer de maquiagem é a mãe de todos os salões de beleza do mundo, porque as atrizes, naturalmente, têm muito mais problemas que uma dona de casa comum. “Tenho que fazer uma cena e não está dando certo, o que isso quer dizer?” Ou: “Estou com uma espinha, você consegue dar um jeito?” O diretor de fotografia talvez já tenha lhe dito: “Não sou cirurgião. Não consigo fazer uma espinha sumir.” Então a atriz fica contrariada com isso e volta para refazer a maquiagem.

No que se refere a relacionamentos pessoais, várias coisas vêm à tona. Essa questão sempre causa conflitos quando você passa dois, três, cinco meses filmando em locações, longe de casa e da família. Então os caras reclamam dos filhos que deixaram e se queixam da mulher que talvez os esteja traindo.

Todos batem papo e cada um dá seu pitaco: os atores, o maquiador. Então aparece o diretor, preocupado com o astral de algum ator. Às vezes você vê gente pelada sendo tatuada para a cena. É um ótimo lugar para comédias e dramas. Mesmo para um trailer de maquiagem, porém, os bate-bocas entre Wilt e Grace eram fenomenais, e eu não conseguia entender o porquê de toda aquela hostilidade entre eles.

– Não sou igual a você – dizia ela. – Não sou descendente de escravos sem instrução. Sou jamaicana, falo francês, e meus antepassados nunca foram escravos.

Ambos usavam a torto e a direito a palavra nigger, “crioulo”, o que me deixava chocado. Wilt dizia:

– Não tenho nada de negro. Não me venha com essa babaquice! Eu moro em Beverly Hills no mesmo lugar que os brancos, só trepo com mulheres brancas, dirijo os mesmos carros dos brancos, tenho tanto dinheiro quanto os brancos. Então vá se foder, crioula é você.

Certa vez, eu me meti:

– Opa, opa, opa, pessoal! Gente, por favor, isto aqui é um trailer de maquiagem. Vamos parar com esse bate-boca. O clima aqui tem que ser tranquilo, porque todo mundo está se preparando para a cena. Então não vamos nos exaltar. Além do mais, vocês já se olharam no espelho? Como podem dizer que não são negros? Ora, vocês dois são negros!

E eles responderam:

– Não, você não entende, não tem nada a ver com a cor. Tem a ver com atitude, com origem.

Seus argumentos foram ficando muito, muito complexos. Eles na verdade não estavam falando sobre cor, e sim sobre como grupos étnicos diferentes haviam chegado aos Estados Unidos. Era meio cômico ver duas pessoas negras acusando uma à outra de ser negra. Mais tarde, na festa de encerramento, nós rimos desse assunto, e Grace e Wilt acabaram se dando muito bem. Ambos têm muito talento, são pessoas divertidas. Mas naquele momento eles precisavam ter aquela discussão.

O México logo se tornou um de meus lugares preferidos para filmar. As equipes eram muito empenhadas e sua perícia nos sets era inacreditável. Parecia o velho padrão europeu. Se você precisasse de uma encosta de morro, por exemplo, para servir de fundo a um plano, em duas horas a encosta estaria pronta, com todas as palmeiras, os pinheiros e tudo o mais que fosse necessário.

Montei tanto a cavalo em Conan, o destruidor que tinha a sensação de que os cavalos eram nossos mesmo quando não estávamos filmando. Maria foi nos visitar algumas vezes, e eu a levava para cavalgar pelas montanhas. Ela cresceu praticando equitação ao estilo inglês e salto a cavalo, então monta muito bem. Nós prendíamos nossas cestas de piquenique nos animais, levávamos uma garrafa de vinho e ficávamos relaxando nas montanhas, sonhando. Não tínhamos nada com que nos preocupar, nenhuma responsabilidade.

QUANDO VOLTEI DO MÉXICO, em fevereiro de 1984, estava pronto para começar a preparação de O exterminador do futuro. Tinha apenas um mês antes que as filmagens começassem. O desafio era me condicionar ao comportamento frio e sem emoções do ciborgue.

Antes das filmagens e durante as duas primeiras semanas, treinei com armas todo santo dia, desmontando-as e montando-as com os olhos vendados até os gestos se tornarem automáticos. Passei horas intermináveis no estande de tiro para aprender as técnicas de manuseio de um arsenal completo, para me acostumar com o barulho e para aprender a não piscar. Como Exterminador, quando se engatilha ou carrega uma arma de fogo não se olha para baixo, da mesma forma que Conan não faria isso ao embainhar a espada. Além, é claro, de ter que ser ambidestro. Tudo isso se aprende à custa de muita repetição. É preciso treinar cada movimento 30, 40, 50 vezes até dominá-lo plenamente. Desde a época do fisiculturismo, eu aprendera que tudo na vida é questão de repetição e prática. Quanto mais você esquia, melhor saberá esquiar; quanto mais repetições fizer, melhor será o seu corpo. Acredito muito em trabalhar duro, em suar a camisa e não parar antes de alcançar o objetivo, então esse desafio me atraía.

Por que entendi o Exterminador? Isso continua a ser um mistério para mim. Enquanto estava decorando o papel, meu mantra era o discurso que Reese faz para Sarah Connor: “Escute e entenda o que vou dizer. O Exterminador está solto por aí. Ele não pode ser dissuadido. Não sente pena, remorso ou medo. E de maneira nenhuma ele vai parar, nunca, antes de ter matado você.” Me empenhei em transmitir a ideia de que eu não tinha humanidade ou expressividade nenhuma, nenhum gesto supérfluo, apenas força de vontade. Assim, quando o Exterminador aparece na delegacia onde Sarah se refugiou e diz ao policial da noite “Sou amigo de Sarah Connor. Fiquei sabendo que ela está aqui. Posso vê-la, por favor?”, e o policial responde “Vai demorar um pouco. Se quiser esperar, tem um banco ali”, você simplesmente sabe que não vai acontecer nada de bom.

Cameron prometera fazer do Exterminador uma figura heroica. Conversamos muito sobre como conseguir isso. Como fazer o público admirar um ciborgue que destrói uma delegacia e massacra 30 policiais? O segredo era uma combinação da minha interpretação com o jeito de filmar e coisas sutis que Jim faria para que os policiais parecessem uns patetas. Em vez de serem competentes guardiões da segurança pública, eles estão sempre meio perdidos, sempre um passo atrás. Então o espectador pensa: “Eles são burros, não entendem o que está acontecendo, são arrogantes e metidos a besta.” E o Exterminador os aniquila.

Pessoas controladoras como Jim são fanáticas por filmagens noturnas. Elas permitem um controle total da iluminação, pois é você quem a cria. Não precisa competir com o sol. Começa no escuro, depois vai acrescentando luz. Se quiser criar uma cena de rua deserta em que o espectador logo sinta que ali não é um bom lugar para se estar, é mais fácil fazer isso à noite. Portanto, a maior parte de O exterminador do futuro foi filmada depois do pôr do sol. Para os atores, é claro, filmar à noite é uma rotina árdua, porque não é tão confortável nem tão divertido quanto de dia.

Cameron me lembrava John Milius. Tinha verdadeira paixão pela sétima arte e conhecia a história do cinema, os filmes, diretores e roteiros. Ele adorava conversar sobre tecnologia, mas eu não tinha muita paciência quando ele falava sobre efeitos técnicos impossíveis de obter. “Por que você não dirige bem o filme e pronto? Sério, Spielberg e Coppola se satisfazem com as câmeras. Alfred Hitchcock fez os filmes dele sem ficar reclamando do equipamento. Então quem você pensa que é, porra?”, eu pensava. Levei algum tempo para perceber que Jim era um diretor incrível.