A essa altura já estávamos em novembro, e à noite na selva fazia um frio desgraçado. O predador de Stan era bem maior e mais assustador que o primeiro: um extraterrestre verde, com 2,60 metros de altura, olhos fundos e miúdos e mandíbulas de inseto no lugar da boca. No escuro, ele recorre à visão térmica para localizar sua presa, e Dutch, que nesse momento do filme já perdeu todas as roupas, passa lama no corpo para se camuflar. Para filmar isso, tive que cobrir o corpo inteiro com uma lama fria e molhada. Só que, em vez de lama, o maquiador usou argila, e me alertou: “Este material vai baixar em alguns graus a temperatura do seu corpo. Talvez você fique tremendo.”
Eu não conseguia controlar a tremedeira. Foi preciso usar lâmpadas de calefação para me aquecer, mas, como elas faziam a argila secar, não foram muito úteis. Fiquei bebendo Jägertee, o chamado chá dos caçadores, uma mistura à base de Schnapps que se toma ao praticar curling. A bebida ajudava um pouco, mas embebedava tanto que ficava difícil fazer a cena. Eu tentava conter os tremores quando a câmera estava ligada, ou me segurava com força em algo para impedir os calafrios, porque, assim que soltava, eles recomeçavam. Me lembrei de quando cobria o corpo inteiro de lama quando era criança, no Thalersee, e pensei: “Como é que algum dia pude gostar de fazer isso?”
Kevin Peter Hall, o ator de 2,18 metros que assumira a fantasia de predador, também enfrentava suas próprias dificuldades. Ele não conseguia ver nada com aquela máscara, e tinha que parecer ágil, mas a fantasia era pesada e o fazia perder o equilíbrio. Então ele ensaiava sem a máscara e depois tentava se lembrar de onde estava cada coisa. Na maior parte do tempo, funcionava. Em uma das lutas, porém, Kevin tinha que me golpear com a mão sem acertar minha cabeça. De repente, ouviu-se um “pou!”: a mão dele acertou minha cara em cheio, com garras e tudo.
A chateação toda foi recompensada nas bilheterias no verão seguinte. Predador teve o segundo melhor fim de semana de estreia de todos os filmes de 1987 – depois de Um tira da pesada II – e acabou arrecadando 100 milhões de dólares. No fim das contas, McTiernan se revelou uma excelente escolha. No ano seguinte, Duro de matar mostrou que seu sucesso com Predador não tinha sido nenhum acaso. Na verdade, se um diretor com o seu talento tivesse feito a continuação de Predador, o filme poderia ter se transformado em uma série importante, comparável a O exterminador do futuro ou Duro de matar.
Tive uma briga com os executivos do estúdio por causa disso. O que ocorreu com Predador acontece com vários filmes de sucesso assinados por cineastas iniciantes. O diretor continua dirigindo sucessos e o cachê dele aumenta: depois de Duro de matar, o de McTiernan pulou para 2 milhões de dólares. Além disso, é claro, os custos haviam aumentado desde Predador, mas os executivos do estúdio queriam fazer uma continuação com o mesmo orçamento do primeiro filme. Isso deixou McTiernan de fora. Para substituí-lo, contrataram outro diretor relativamente inexperiente e barato, que havia dirigido A hora do pesadelo 5. Joel Silver queria que eu fizesse Predador 2, mas eu lhe disse que o filme seria um fracasso. Não era só o diretor que estava errado, mas também o roteiro. A história se passava em Los Angeles, e eu disse a ele: “Ninguém quer ver predadores correndo pelo centro de Los Angeles. Nós já temos predadores aqui. A guerra de gangues vive causando mortes. Não precisamos de extraterrestres para tornar a cidade perigosa.”
Eu sentia que, a menos que eles metessem a mão no bolso para conseguir um bom diretor e um bom roteiro, não adiantaria nada me contratar. Como Joel não cedeu, saí do projeto. Predador 2 e todos os outros filmes da série fracassaram, e ele e eu nunca mais voltamos a trabalhar juntos.
Hoje em dia, os estúdios entendem melhor como o negócio funciona. Eles agora investem na continuação de um filme de sucesso. Aumentam o cachês dos atores, dos roteiristas, e contratam o mesmo diretor. Pouco importa se a continuação for custar 160 milhões de dólares. Franquias como Batman e Homem de ferro chegam a arrecadar 350 milhões por filme nas bilheterias. Com as produções da série Predador poderia ter sido assim. No entanto, com um diretor, roteiristas e atores mais baratos, o filme se tornou uma das maiores bombas de 1990. O estúdio não aprendeu e, 20 anos depois, cometeu o mesmo erro com o terceiro Predador. Mas é claro que, quando se olha para o passado, é sempre fácil bancar o esperto.
EU ESTAVA SURFANDO A GRANDE ONDA dos filmes de ação, gênero inteiramente novo que se tornou a sensação nessa época. Quem dera a partida fora Stallone, com a série Rocky. No filme original, de 1976, ele tinha a aparência de um lutador normal. Já em Rocky II, porém, seu corpo estava bem melhor. Seus filmes da série Rambo, em especial os dois primeiros, também tiveram forte impacto. Em 1985, meu filme Comando para matar continuou essa tendência, sendo lançado no mesmo ano do segundo Rambo e de Rocky IV. Então O exterminador do futuro e Predador ampliaram o gênero, acrescentando elementos de ficção científica. Alguns desses filmes foram sucessos de crítica, e todos ganharam tanto dinheiro que os estúdios não podiam mais simplesmente classificá-los como filmes B. As produções de ação se tornaram tão importantes nos anos 1980 quanto os faroestes nos 1950.
Os estúdios mal podiam esperar para desenvolver novos roteiros, tirar da gaveta tramas antigas e contratar roteiristas para escrever sob medida para mim. Stallone e eu éramos os dois maiores nomes do gênero – embora Sly, na verdade, estivesse à minha frente e ganhasse mais. Havia mais trabalho para atores de ação do que ele ou eu conseguíamos dar conta, e essa demanda fez surgir outros nomes: Chuck Norris, Jean-Claude van Damme, Dolph Lundgren, Bruce Willis. Até mesmo caras como Clint Eastwood, que sempre tinham feito filmes de ação, começaram a ficar mais marombados e a arrancar a camisa para exibir os músculos.
Em todo esse processo, o corpo era o elemento principal. Havia chegado o tempo em que homens musculosos eram considerados atraentes. Ter um aspecto físico de herói passou a ser o padrão estético. Esses caras transmitiam poder. Era inspirador: o simples fato de olhar para eles fazia você pensar que seriam capazes de dar conta do recado. Por mais impossível que fosse a missão, pensava-se: “É, ele conseguiria.” Predador foi um sucesso em parte porque os caras que entraram na selva comigo tinham um físico impressionante, grande e musculoso. Foi nesse filme que Jesse Ventura estreou como ator. Eu estava nos estúdios da Fox no teste dele para o papel e, quando ele saiu, comentei: “Gente, acho que não há dúvida de que devemos contratar esse cara. Sério: ele é mergulhador de combate da marinha, lutador profissional e tem o visual perfeito para o papel. É um cara grande, com a voz grave, bem másculo.” Eu sempre achara que faltavam homens de verdade no cinema, e para mim Jesse era o cara.
Meu plano era sempre dobrar de cachê a cada filme. Não que isso funcionasse sempre, mas em geral eu conseguia. Depois de começar com 250 mil dólares por Conan, o bárbaro, no fim dos anos 1980 eu havia alcançado a marca dos 10 milhões. A progressão foi a seguinte: