Foi uma péssima decisão. Glaser era um cara de TV e trabalhou como se o filme fosse um programa televisivo, deixando escapar todas as temáticas mais profundas. História de ficção científica baseada em um romance de Stephen King, O sobrevivente articula-se em torno de uma visão de pesadelo dos Estados Unidos em 2017 – 30 anos no futuro em relação à data da filmagem. A economia está em recessão e o país se tornou um Estado fascista em que o governo usa a televisão e gigantescos telões instalados nos bairros para desviar a atenção das pessoas do fato de estarem todas desempregadas. Essa espécie de entretenimento público vai muito além de comédia, drama ou esporte. O programa mais popular é O sobrevivente, concurso ao vivo em que criminosos condenados têm uma chance de tentar fugir para a liberdade, mas são caçados e mortos em cena como animais. O protagonista é Ben Richards, policial condenado injustamente que acaba virando um “sobrevivente” na luta pela vida.
Para ser justo, a verdade é que Glaser não teve tempo de pesquisar ou pensar no que o filme tinha a dizer sobre a direção que o entretenimento e o governo americanos estavam tomando, ou o que significava chegar a ponto de literalmente matar pessoas diante das câmeras. Na televisão, você é contratado em uma semana e na seguinte já está filmando, e foi só isso que ele conseguiu fazer. Como consequência, O sobrevivente não teve um resultado tão bom quanto poderia. Com uma premissa boa como essa, deveria ter sido um filme de 150 milhões de dólares. Mas não: foi destruído completamente pela contratação de um diretor estreante no cinema que não teve tempo para se preparar.
JÁ FAZIA TANTO TEMPO QUE ROTEIROS de O vingador do futuro circulavam por Hollywood que as pessoas diziam que o projeto estava amaldiçoado. Dino de Laurentiis deteve os direitos por boa parte da década de 1980 e em duas ocasiões tentou produzir o filme – primeiro em Roma, depois na Austrália. Na época, era diferente do que acabou se tornando: menos violento e mais sobre a fantasia de fazer uma viagem virtual a Marte.
Fiquei bravo por Dino não me oferecer o trabalho, pois tinha dito a ele que gostaria de fazer o papel. Mas ele pensava diferente. Contratou Richard Dreyfuss para a tentativa em Roma e Patrick Swayze para a da Austrália. Enquanto isso, me chamou para Jogo bruto. Eles chegaram a construir estúdios na Austrália e estavam prestes a iniciar as filmagens de O vingador do futuro quando Dino começou a ter problemas financeiros. Isso já tinha acontecido várias vezes na sua carreira, e por essa razão ele precisou interromper alguns dos projetos.
Liguei para Mario Kassar e Andy Vajna, da Carolco, na época a produtora independente que mais crescia e que ainda estava colhendo os frutos dos filmes da série Rambo. Eles haviam bancado Inferno vermelho, e avaliei que seriam perfeitos para O vingador do futuro. Falei: “Dino está ficando sem dinheiro. Ele tem vários projetos ótimos, e tem um, especificamente, que eu quero muito fazer.” Eles agiram depressa, deram início a um ataque generalizado e compraram o filme de Dino em questão de dias. Eu era uma força motriz naquela época.
A questão, portanto, era quem iria dirigir. Alguns meses depois, eu ainda estava indeciso quando esbarrei com Paul Verhoeven em um restaurante. Nunca tínhamos sido apresentados, mas eu o reconheci de vista: um holandês magrelo, de olhar intenso, uns 10 anos mais velho que eu. Ele tinha boa reputação na Europa, e eu ficara impressionado com seus dois primeiros filmes em inglês, Conquista sangrenta, de 1985, e Robocop, dois anos depois. Fui até ele e falei:
– Adoraria trabalhar com você algum dia. Achei Robocop fantástico. E me lembro de Conquista sangrenta, que também era incrível.
– Eu também adoraria trabalhar com você – disse ele. – Talvez possamos encontrar um projeto.
No dia seguinte, liguei para ele: “Achei o projeto em que vamos trabalhar juntos.” E comecei a descrever O vingador do futuro. Em seguida liguei para a Carolco e disse: “Mandem o roteiro para Paul Verhoeven agora mesmo.”
Um dia depois, ele me disse que tinha adorado o roteiro, embora quisesse fazer algumas modificações. Isso era normaclass="underline" todo diretor sempre quer fazer xixi no roteiro para marcar seu território. Mas Verhoeven deu sugestões inteligentes, que melhoraram muito a narrativa. Ele começou a pesquisar sobre Marte na mesma hora: como seria possível liberar o oxigênio preso nas rochas desse planeta? Tinha de haver um embasamento científico. Paul acrescentou uma dimensão de realismo e fatos científicos à história. Agora o controle do planeta dependia do controle do oxigênio. Muitas coisas que ele disse eram brilhantes. Paul tinha visão, tinha entusiasmo. Fizemos uma reunião com a Carolco para conversar sobre as mudanças e ele assinou o contrato para dirigir o filme.
Isso foi no outono de 1988. Começamos a trabalhar a todo o vapor no novo tratamento do roteiro, em seguida na escolha dos sets e por fim mergulhamos de cabeça na pré-produção. As filmagens começaram no final de março nos estúdios Churubusco, na Cidade do México, e passamos o verão inteiro rodando.
A escolha da Cidade do México deveu-se, em parte, à arquitetura: alguns dos prédios tinham exatamente o visual futurista que estávamos procurando. Como a qualidade das imagens de computação gráfica ainda não era muito boa, grande parte do trabalho tinha que ser feita no mundo real, encontrando a locação perfeita ou construindo sets em tamanho real ou em miniatura. A produção de O vingador do futuro era tão complexa que fazia Conan, o bárbaro parecer um filme em pequena escala. A equipe de mais de 500 pessoas fabricou 45 sets, que ocuparam oito galpões dos estúdios durante seis meses. Mesmo com a economia que fizemos trabalhando no México, o filme custou mais de 50 milhões de dólares, tornando-se a segunda produção mais cara da história até então, depois de Rambo III. Fiquei feliz por este ter sido produzido pela Carolco, pois isso significava que Mario e Andy não tinham medo de correr riscos.
O que me atraiu na história foi a ideia de uma viagem virtual. Eu faço o papel de Doug Quaid, um operário da construção civil que vê o anúncio de uma empresa chamada Rekall e vai até lá fazer as reservas para férias virtuais em Marte. “Para as lembranças de uma vida inteira”, dizia o anúncio, “Rekall, Rekall, Rekall”, em um jogo de palavras com o verbo em inglês recall, que significa recordar.
“Sente-se e fique à vontade”, diz o vendedor. Apesar de Quaid estar tentando poupar dinheiro, o vendedor, metido a espertinho, tenta fazer com que ele enriqueça o pacote básico com alguns extras. “Existe uma coisa que nunca mudou, em todas as férias que o senhor já tirou. O que é?”, pergunta ele.
Quaid pensa, pensa, mas nada lhe ocorre.
“O senhor! O senhor não muda nunca”, diz o vendedor. “Aonde quer que vá, está sempre ali. O mesmo de sempre.” Então, para incrementar a viagem, ele lhe oferece identidades alternativas. “Por que ir a Marte como turista se pode ir como playboy, ou como um jóquei famoso, ou então...”
Mesmo sem querer, Quaid vai ficando curioso e pergunta se poderia viajar como agente secreto.
“Ah”, responde o vendedor, “vou lhe dar uma provinha. O senhor é um agente de primeira linha, trabalhando em sua missão mais importante sob um disfarce que ninguém conhece. Todo mundo está tentando matá-lo. O senhor conhece uma mulher linda e exótica... Enfim, não quero estragar a surpresa, Doug. Mas não se preocupe: no final da viagem, o senhor fica com a gata, mata os vilões e salva o planeta.”
Adorei essa cena de um sujeito tentando me vender uma viagem que na realidade eu jamais faria – era tudo virtual. Depois, como se sabe, os cirurgiões que vão implantar o chip com as memórias de Marte no cérebro de Quaid encontram outro chip já implantado, e é um Deus nos acuda. Porque aquele homem, na verdade, não é Doug Quaid: é um agente do governo que antigamente servia nas colônias de mineração rebeldes de Marte e cuja identidade foi apagada e substituída pela de Quaid.