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A história tem várias reviravoltas. Até o último minuto, não é possível saber ao certo se eu fiz mesmo essa viagem. Fui de fato o herói? Ou será que tudo aconteceu apenas dentro da minha cabeça e eu não passo de um operador de britadeira que talvez sofra de esquizofrenia? Mesmo no final, não dá para ter certeza absoluta. Para mim, isso era como a sensação que eu às vezes tinha de que minha vida era boa demais para ser verdade. Verhoeven soube como equilibrar as manipulações mentais com a ação. Há uma cena no filme em que Quaid, já em Marte, está em pé diante dos inimigos e eles começam a alvejá-lo à queima-roupa. Milhares de balas riscam o ar, e o espectador é arrebatado pelo suspense. De repente ele some, mas ouvimos sua voz chamando de algum lugar próximo: “Ha ha ha, estou aqui!” Os outros estavam atirando em um holograma dele próprio que Quaid havia projetado. Na ficção científica é possível fazer coisas desse tipo acontecerem, e ninguém jamais as questiona. Histórias desse tipo têm apelo internacional e são capazes de se fixar na memória do público. Se alguém assistisse a O vingador do futuro daqui a 20 anos, ainda iria sentir a mesma emoção, assim como Westworld: Onde ninguém tem alma preserva seu apelo até hoje. Os filmes futuristas com grandes cenas de ação e personagens verossímeis têm um poder de atração especial.

Foi uma produção difícil, cheia de cenas com dublês, acidentes, loucuras, tomadas noturnas, tomadas diurnas, poeira. Quando o set eram os túneis de Marte, porém, era um trabalho interessante. Verhoeven se saiu muito bem dirigindo a mim e os outros atores principais: Rachel Ticotin, Ronny Cox e Michael Ironside, além de Sharon Stone, que interpretava Lori, esposa de Quaid, na verdade uma agente do governo enviada para vigiá-lo. Ela o segue até Marte, arromba seu quarto e lhe dá um chute na barriga.

“Isso é por ter me feito vir a Marte”, diz ela. No final da cena seguinte, já está dizendo “Doug, você não me machucaria, não é, querido? Seja sensato, amor... Nós somos casados”, ao mesmo tempo que saca uma arma para matá-lo. Ele lhe dá um tiro na cabeça. “Pois considere isso um pedido de divórcio”, diz ele. Em que outro filme se pode fazer uma coisa destas: dar um tiro na cabeça de sua linda esposa e depois fazer piada? Nenhum. Pode esquecer. Essa é a maravilha da ficção científica. E é essa a maravilha da arte de interpretar.

Sempre será um desafio trabalhar com Sharon. Fora do set, ela é um encanto de pessoa, mas alguns atores simplesmente precisam de mais atenção. Foi complicado filmar uma das cenas mais violentas, porque eu tinha que segurá-la pelo pescoço e ela surtou: “Não toque em mim! Não toque em mim!” No início, pensei que provavelmente ela tinha sido criada como um bibelô e tentei compreender, mas era mais do que isso. Acabamos descobrindo que no passado ela sofrera uma séria lesão no pescoço. Acho que tinha até uma cicatriz.

“Sharon”, falei, “nós já ensaiamos no quarto do hotel. Paul estava lá, todo mundo estava lá, e nós repassamos cada cena. Por que você nunca comentou que eu deveria tomar cuidado nessa tomada do estrangulamento? Assim poderíamos ter contornado a situação aos poucos. Eu tocaria seu pescoço com delicadeza e você me diria quando poderia apertar mais um pouco e quando os movimentos poderiam ficar mais bruscos. Porque eu sou o primeiro a entender você.”

Paul conseguiu acalmá-la e Sharon aceitou refazer a cena. Ela queria que o filme fosse um sucesso. Só tínhamos que dar aquele passo difícil. Era assim e pronto.

Quando se é ator ou diretor, é preciso lidar com todos esses problemas. Ninguém levanta de manhã e diz “Eu hoje vou deixar todo mundo maluco no set”, ou “Vou boicotar as filmagens esta semana”, ou então “Hoje vou bancar a chata”. Cada um tem seus bloqueios e suas inseguranças, e com certeza atuar traz essas coisas à tona. Porque é você quem está sendo julgado, as suas expressões faciais, a sua voz, a sua personalidade, o seu talento – tudo tem a ver com você, e isso o torna vulnerável. Não é um produto que você fabricou nem um trabalho que realizou. Se alguém diz ao maquiador “Pode clarear um pouquinho este tom aqui? Estou com pó demais nesta parte”, ele responde “Ah, desculpe”, então limpa o pó e pronto. No entanto, se alguém diz “Pode parar de dar esse sorriso artificial quando estiver fazendo a cena? Tem alguma coisa estranha acontecendo com o seu rosto”, a sensação que você tem é que não sabe mais o que fazer com o próprio rosto e fica constrangido. Quem atua leva as críticas muito mais para o lado pessoal. Elas incomodam. Mas qualquer profissão tem as suas desvantagens.

APESAR DO FANTÁSTICO TRABALHO DE Verhoeven, O vingador do futuro quase fracassou antes de chegar às telas. O trailer exibido nas salas antes da estreia do filme era muito ruim. Ficou pobre e não transmitia todo o potencial e a estranheza do filme. Como sempre fazia, estudei todas as informações de marketing do estúdio, entre elas as “pesquisas de monitoramento”, que medem a expectativa em torno de um lançamento.

Os departamentos de marketing geram centenas de estatísticas, e o segredo é identificar de primeira os números realmente importantes. Os que mais me interessam são os do “awareness”, que avaliam a percepção e o desejo de assistir medindo a resposta do público às perguntas: “Nesta lista de próximos lançamentos, de quais você já ouviu falar? E a quais deseja assistir?” Se a resposta for: “Já ouvi falar em O vingador do futuro e em Duro de matar 2, e estou morrendo de vontade de assistir”, você sabe que seu filme vai alcançar uma nota boa. Obter algo em torno de 90% a 95% no item awareness significa que sua produção provavelmente vai estrear em primeiro lugar e faturar pelo menos 100 milhões de dólares nas bilheterias. Para cada ponto percentual abaixo disso, você pode perder 10 milhões de faturamento; é por isso que os estúdios e os diretores muitas vezes fazem ajustes de última hora nos filmes.

Outro indicador útil, o “awareness espontâneo”, mostra se as pessoas citam espontaneamente o seu filme entre os que sabem estar prestes a estrear. Alcançar cerca de 40% ou mais nesse item significa que você tem um trunfo nas mãos. Dois outros números também têm grande importância: “primeira opção”, que tem de atingir de 25% a 30% para garantir que a obra será bem-sucedida; e “interesse certo”, que precisa estar entre 40% e 50%.

No caso de alguns sucessos como Conan, o bárbaro, os números são promissores desde o início. Em outros casos, assinalam uma possível decepção. Foi o caso de O vingador do futuro. Mesmo após semanas de trailers e anúncios, o awareness ficou em torno de 40%, não 90%, a primeira escolha foi de apenas 10% e o lançamento não estava sendo citado entre os filmes aos quais os pesquisados “desejassem assistir”.

A essa altura, eu já sabia praticamente tudo o que havia para saber sobre marketing cinematográfico, mas não estava adiantando muita coisa. A origem do problema não era O vingador do futuro em si, mas a distribuidora TriStar Pictures, responsável por montar os trailers e cuidar da publicidade. Seus marqueteiros não sabiam como trabalhar o filme, e o estúdio estava em polvorosa. A TriStar e sua irmã Columbia Pictures encontravam-se em pleno processo de incorporação pela Sony e foram fundidas em um daqueles acordos gigantescos da década de 1980. Peter Guber e Jon Peters eram os novos diretores executivos que tinham chegado para supervisionar o processo todo, o que significava que muita gente da TriStar estava perdendo o emprego.