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— Parece-me, entretanto, que um bilhão de cérebros humanos ... entre eles, certamente, muitos cérebros infantis... não são suficientes para armazenar todos os conhecimentos acumulados por uma sociedade complexa.

— Acontece que em Gaia não há apenas seres humanos, Trev.

— Está me dizendo que os animais irracionais também participam da memória de Gaia?

— Os cérebros dos animais irracionais têm capacidade muito menor que a dos cérebros humanos, e boa parte do espaço disponível em todos os cérebros, humanos ou não, é usada para guardar memórias pessoais, que são úteis apenas para o indivíduo que as abriga. Mesmo assim, é possível armazenar grande quantidade de informações coleti-vas nos cérebros dos animais, como também nos tecidos vegetais e nas estruturas minerais do planeta.

— Nas estruturas minerais? Quer dizer nas pedras?

— E também nos oceanos e na atmosfera. Afinal, tudo isso também é Gaia.

— Que tipo de informação esses seres inanimados podem guardar? Muita coisa. A densidade de informação é pequena, mas o volume é tão grande que a maior parte da memória de Gaia está guardada nas pedras. O tempo de acesso, porém, é um pouco maior do que o caso das informações armazenadas em cérebros humanos. Por essa as pedras são usadas como uma espécie de arquivo morto... nelas guardamos dados de que necessitamos apenas raramente.

— Que acontece quando morre alguém em cujo cérebro estão guardadas informações importantes?

— Os dados não são perdidos. Quando o cérebro começa a se desorganizar, logo após a morte, as memórias são distribuídas por outros membros de Gaia. Quando novos cérebros aparecem nas crianças e começam se desenvolver, eles acumulam não apenas memórias pessoais mas também conhecimentos coletivos. O que vocês chamam de educação ocorre automaticamente comigo/conosco/com Gaia. Pelorat interveio:

— Francamente, Golan, acho que essa ideia de planeta vivo é mavilhosa!

Trevize olhou de esguelha para o companheiro.

— Sinto não compartilhar do seu entusiasmo, Janov. Este planeta, por maior e mais variado que seja, na realidade representa um único cérebro. Um! Cada novo cérebro que se forma é absorvido por Gaia. Onde está a oportunidade para que haja oposição, para que haja opiniões contrárias? Quando a gente pensa na história da humanidade, , a gente pensa naquele indivíduo excepcional, cujos pontos de vista foram censurados pela sociedade mas que no final conseguiu vencer e mudar o mundo. Que oportunidade haveria em Gaia para os grandes rebeldes da História?

— Você está enganado — disse Bliss. — Nem todas as partes de Gaia têm necessariamente a mesma opinião.

— As divergências não podem ser muito grandes — insistiu Trevize. — Um organismo repleto de contradições não funcionaria adequadamente. Se ainda existe progresso em Gaia, deve ser muito, muito lento. Temos o direito de impor o mesmo sistema a toda a Galáxia? A toda a Humanidade?

Bliss interveio, sem demonstrar qualquer emoção:

— Agora está duvidando de sua própria decisão? Mudou de ideia agora considera Gaia como um futuro indesejável para a Humanidade?

Trevize cerrou os lábios e hesitou. Depois disse, devagar:

— Gostaria de ter convicção suficiente para voltar atrás, mas não é esse o caso. Tive algum motivo, ainda que inconsciente, para tomar a decisão que tomei. Até descobrir qual foi esse motivo, não estarei em condições de manter a decisão ou modificá-la. Por isso, é melhor voltarmos à questão da Terra.

— Onde você acha que encontrará o motivo que o levou a optar por Gaia, não é mesmo, Trevize?

— É isso mesmo. Acontece que, de acordo com Dom, Gaia não conhece a localização da Terra. Você concorda com ele, suponho.

— É claro que concordo com ele. Também sou Gaia, lembra-se?

— Vocês estão escondendo alguma coisa de mim? Conscientemente, quero dizer.

— Claro que não. Mesmo que Gaia pudesse mentir, não mentiria para você. Afinal, dependemos das suas conclusões, e portanto desejamos que elas sejam corretas. Para isso, é necessário que se baseiem em fatos reais.

— Nesse caso — disse Trevize —, vamos tentar fazer uso da sua memória global. Diga-me há quanto tempo ocorreu, o fato mais antigo de que você se lembra.

Houve uma leve hesitação. Bliss olhou para Trevize com os olhos vazios, como se estivesse em transe. Depois, declarou:

— Quinze mil anos.

— Por que hesitou?

— Levei algum tempo para conseguir a resposta. As memórias muito antigas estão quase todas guardadas na base das montanhas, em lugar de difícil acesso.

— Quinze mil anos, não é? Foi nessa época que Gaia foi colonizada?

— Não, pelo que sabemos o planeta foi colonizado há mais ou menos dezoito mil anos.

— Então não sabem exatamente? Por que você... por que Gaia não se lembra?

— Porque naquela época o planeta ainda não estava suficientemente evoluído para que a memória fosse compartilhada por todos os seres — explicou Bliss.

— Antes de vocês inventarem a memória coletiva devia haver registros em Gaia, Bliss. Registros no sentido normal da palavra... livros, gravações, filmes, etc.

— É provável que sim, mas certamente não sobreviveriam tanto tempo.

— Poderiam ter sido copiados, ou melhor ainda, transferidos para a memória global, depois que ela surgiu.

Bliss franziu a testa. Levou algum tempo para falar de novo.

— Não consigo encontrar nenhum sinal desses registros a que você se refere.

— Por quê?

— Não sei, Trevize. Talvez não fossem muito importantes. É possível que na época em que os registros começaram a se deteriorar Gaia os tenha considerado ultrapassados e não se dera ao trabalho de incorporá-los à memória global.

— Você não tem certeza. Está fazendo suposições, mas não tem certeza. Gaia não sabe o que aconteceu.

Bliss baixou os olhos.

— Só pode ser isso.

— Só? Eu não sou parte de Gaia e portanto não tenho que acreditar nas suposições de Gaia. Eis um bom exemplo das vantagens do isolamento. Eu, um Isolado, sou capaz de imaginar uma explicação alternativa.

— Qual é a sua explicação?

— Bliss, de uma coisa eu tenho certeza: nenhuma civilização avançada é capaz de destruir seus antigos registros. Ao invés de considerá-los arcaicos e desnecessários, a tendência é no sentido de tratá-los com reverência exagerada e fazer tudo para preservá-los. Se os registros da fase que precedeu a memória global de Gaia foram destruídos, essa destruição certamente não foi voluntária.

— Qual é então a sua explicação?

— Na Biblioteca de Trantor, todas as referências à Terra foram destruídas por alguém ou por alguma força que não tinha nada a ver com os membros da Segunda Fundação. Não acha possível que em Gaia, também, todas as referências à Terra tenham sido removidas por alguém de fora?

— Como sabe que os antigos registros continham alguma coisa sobre a Terra?

-- Você mesma disse há pouco que Gaia foi colonizada há cerca de dezoito mil anos atrás. Isto nos coloca em uma época anterior ao estabelecimento do Império Galáctico, no período em que a Galáxia estava sendo colonizada pelos habitantes da Terra. Se não acredita em mim, pergunte a Pelorat.

Pelorat, um pouco surpreso por ter sido chamado a testemunhar, pigarreou e disse, voltando-se para Bliss:

— Assim dizem as lendas, minha cara. Levo essas lendas a sério e acredito, como Golan Trevize, que a espécie humana tenha se originado em um único planeta, o planeta que chamamos de Terra. Assim, os primeiros colonos eram todos da Terra.