— Eu gosto dela — comentou Egwene. — Faile é boa para ele, é justo o que Perrin precisa. E se importa muito com ele.
— Creio que sim.
Se Faile começasse a criar muitos problemas, Moiraine teria uma conversinha com ela sobre os segredos que a jovem andava escondendo de Perrin. Ou deixaria seus olhos-e-ouvidos fazerem esse trabalho. Isso a sossegaria.
— Você fala como se não acreditasse. Eles se amam, Moiraine. Você não vê? Será que não é capaz nem de reconhecer um sentimento humano?
Moiraine lançou a ela um olhar firme, o suficiente para fazê-la parar de ficar na ponta dos pés, o que foi bem satisfatório. A garota sabia tão pouco e pensava que sabia tanto. Moiraine estava prestes a dizer isso a ela sem meias-palavras, mas arquejos assustados e temerosos se elevaram entre os tairenos.
A multidão abriu caminho depressa, mais do que ávida, os da frente empurrando sem piedade os que estavam mais atrás, formando um caminho largo até o espaço sob a abóbada. Rand caminhou por esse corredor a passos largos, olhando para a frente, imperioso, em um casaco vermelho bordado com arabescos dourados nas mangas, trazendo Callandor nas mãos feito um cetro. Porém, não era apenas para ele que os tairenos abriam caminho. Atrás vinham cem Aiel, trazendo nas mãos lanças e arcos com flechas encaixadas, as cabeças envoltas em shoufas, véus negros que escondiam tudo, menos os olhos. Moiraine pensou ter reconhecido Rhuarc na dianteira, logo atrás de Rand, mas apenas pelos movimentos. Estavam todos anônimos. Prontos para matar. Estava claro, independentemente de qual fosse o recado, que Rand pretendia reprimir qualquer resistência antes que houvesse chance de ganhar força.
Os Aiel pararam de repente, mas Rand seguiu em frente até ficar abaixo do centro do domo, depois passou os olhos pela multidão. Pareceu surpreso ao ver Egwene, talvez transtornado, mas lançou a Moiraine um sorriso que a deixou furiosa, e, a Mat um que fez os dois parecerem garotos quando este sorriu de volta. Os tairenos estavam pálidos, sem saber se encaravam Rand e Callandor ou os Aiel velados. Ambos podiam trazer a morte.
— O Grão-lorde Sunamon — começou Rand de repente, em um tom alto, fazendo o sujeito gordinho dar um salto — me garantiu um acordo com Mayene seguindo à risca minhas diretrizes. Ele deu a vida como garantia. — Rand riu como se contasse uma piada, e a maioria dos nobres o acompanhou. Mas não Sunamon, que parecia bem enjoado. — Em caso de falha — continua o rapaz — ele concorda que será enforcado, e vai aceitar seu destino.
Os risos pararam. O rosto de Sunamon assumiu um tom esverdeado, meio doente. Egwene lançou a Moiraine um olhar aflito enquanto agarrava a saia com ambas as mãos. A Aes Sedai apenas esperava: Rand não reunira todos os nobres em um raio de dez milhas para revelar um acordo, nem para ameaçar um gordo idiota. Ela se forçou a tirar as mãos das saias.
Rand foi se virando em círculo, ponderando os rostos que via.
— Por conta deste acordo, em breve haverá navios disponíveis para levar os grãos tairenos para oeste, à busca de novos mercados. — Ouviu-se alguns murmúrios apreciativos que logo foram sufocados. — Mas tem mais. Os exércitos de Tear entrarão em marcha.
Houve uma vibração de aplausos, gritos tumultuados ecoaram pelo teto. Os homens pulavam, até mesmo os Grão-lordes, sacudindo as mãos sobre as cabeças e jogando para cima os chapéus pontudos de veludo. As mulheres, sorrindo com o mesmo entusiasmo dos homens, beijavam nas bochechas os que iriam para a guerra e cheiravam delicadamente as pequenas garrafinhas de porcelana com sais, sem as quais mulher alguma vivia, fingindo ter ficado tontas com a notícia.
— Illian cairá! — gritou alguém, e centenas de vozes se seguiram como trovões:
— Illian cairá! Illian cairá! Illian cairá!
Moiraine viu os lábios de Egwene se mexendo, as palavras abafadas pelo júbilo da multidão. Mas conseguia lê-los.
— Não, Rand. Não, por favor. Não, por favor.
Do lado oposto do rapaz, Mat exibia uma carreta silenciosa e desaprovadora. Os dois e ela eram os únicos que não estavam comemorando, além dos Aiel, sempre observadores, e do próprio Rand. O rapaz exibia um sorriso desdenhoso que não chegava aos olhos. Suor fresco gotejava em seu rosto. Ela encontrou seu olhar sardônico e aguardou. Haveria mais, e ela suspeitava que não seriam notícias muito agradáveis.
Rand ergueu a mão esquerda. Aos poucos, o silêncio se abateu, os da frente ávidos em calar os de trás. Ele esperou o silêncio se tornar absoluto.
— Os exércitos marcharão para o norte, em direção a Cairhien. O Grão-lorde Meilan vai comandá-los, e, abaixo dele, os Grão-lordes Gueyam, Aracome, Hearne, Maraconn e Simaan. Os exércitos serão financiados graças à generosidade do Grão-lorde Torean, o mais rico de todos, que vai acompanhá-los para verificar se seu dinheiro está sendo gasto com sabedoria.
O pronunciamento foi recebido com silêncio sepulcral. Ninguém se mexia, embora Torean, inexpressivo, parecia estar tendo problemas para manter-se de pé.
Moiraine teve de dedicar uma reverência mental a Rand, pelas escolhas. Mandar aqueles sete para fora de Tear fora uma jogada genial para desarticular as sete tramas mais poderosas contra ele, e nenhum daqueles homens confiava um no outro a ponto de operar tramas entre si. Thom Merrilin dera bons conselhos, seus espiões decerto haviam deixado escapar alguns dos bilhetes que o menestrel deslizara para dentro dos bolsos de Rand. Mas e o resto? Era loucura. O rapaz não poderia ter obtido essa resposta do outro lado daquele ter’angreal. Não era possível, sem dúvida.
Estava claro que Meilan concordava com ela, ainda que não pelos mesmos motivos. O homem deu um passo à frente, hesitante. Era esguio e forte, mas estava tão assustado que dava para ver todo o branco de seus olhos.
— Meu Lorde Dragão… — Ele parou, engoliu em seco e recomeçou, a voz um tantinho mais firme. — Meu Lorde Dragão, intervir em uma guerra civil é adentrar um pântano. Uma dúzia de facções disputam o Trono do Sol, com igual número de alianças em constante mudança e uma traição por dia. Além disso, os bandidos infestam Cairhien como pulgas em um javali selvagem. Camponeses famintos deixaram a terra seca. Obtive informações seguras de que eles têm comido folhas e cascas de árvores. Meu Lorde Dragão, um “pântano” não é o bastante sequer para começar a descrever…
Rand interrompeu o homem.
— Você não quer estender o domínio de Tear até a Adaga do Fratricida, Meilan? Muito bem. Já sei quem quero ver sentado no Trono do Sol. Você não vai para conquistar, Meilan, e sim para restaurar a ordem e a paz. E para dar de comer aos famintos. Há mais grãos nos celeiros do que Tear é capaz de vender, e os fazendeiros vão colher muitos outros este ano, a não ser que você me desobedeça. Os carroções transportarão os grãos para o norte atrás dos exércitos, e esses camponeses… esses camponeses não terão mais que comer casca de árvore, Lorde Meilan. — O alto Grão-lorde abriu a boca outra vez, e Rand girou Callandor para baixo, enfiando a ponta de cristal no chão diante dele. — Alguma pergunta, Meilan?
Balançando a cabeça, Meilan recuou até a multidão, como se tentasse se esconder.
— Sabia que ele não começaria uma guerra — disse Egwene, enfática. — Sabia.
— Acha que isso vai trazer menos mortes? — murmurou Moiraine. O que o rapaz estava tramando? Pelo menos não tinha corrido para salvar sua aldeia enquanto os Abandonados faziam o que queriam com o resto do mundo. — Os corpos vão se empilhar da mesma forma, garota. Você não vai ver a menor diferença entre isso e uma guerra.