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Assim como os Aiel, Rand não reduziu o passo quando ela e Egwene se postaram uma de cada lado dele. O rapaz também tinha o olhar cauteloso, mas de um jeito diferente, com certa raiva exasperada.

— Pensei que você tinha ido embora — disse a Egwene. — Pensei que tinha ido com Elayne e Nynaeve. Deveria ter ido. Até Tanchico é… Por que ficou?

— Não vou ficar por muito mais tempo — retorquiu Egwene. — Estou indo para o Deserto com Aviendha, para Rhuidean, vou aprender com as Sábias.

Ele tropeçou quando a garota mencionou o Deserto, olhou para ela, indeciso, depois prosseguiu. Parecia controlado, até demais. Era como um bule de chá fervente tampado e com a biqueira fechada.

— Você se lembra de nadar na Floresta das Águas? — perguntou, baixinho. — Eu boiava de barriga para cima em uma piscininha e pensava que a coisa mais difícil a fazer era arar um campo, talvez tosquiar ovelhas. Tosquiar do amanhecer até a hora de dormir, quase sem parar para comer até ter terminado tudo.

— Fiar — respondeu Egwene. — Odiava isso mais do que esfregar o chão. Torcer os fios deixa os dedos tão doloridos.

— Por que você fez isso? — inquiriu Moiraine, antes que os dois pudessem prosseguir com as lembranças da infância.

Rand a olhou de esguelha, com um sorriso debochado feito os de Mat.

— Dava mesmo para eu mandar enforcar a mulher, por tentar matar um homem que estava tramando contra mim? Haveria mais justiça nisso do que no que fiz? — Ele tirou o sorriso do rosto. — Será que existe justiça em alguma coisa que eu faço? Sunamon vai para a forca se falhar. Porque eu mandei. E vai merecer, depois da forma como tentou levar vantagem, sem dar a mínima em ver o próprio povo morrendo de fome, mas não vai para a forca por isso. Será enforcado porque eu mandei. Porque eu mandei.

Egwene pousou a mão no braço dele, mas Moiraine não permitiria que Rand se esquivasse.

— Você sabe que não foi isso o que eu quis dizer.

Ele assentiu. Dessa vez abriu um sorriso sombrio, quase assustador.

— Callandor. Com ela nas mãos, posso fazer qualquer coisa. Qualquer coisa. Sei que posso fazer qualquer coisa. Mas agora é um peso a menos em meus ombros. Você não entende, não é? — Moiraine não entendia, mas ficava irritada em saber que Rand percebia isso. Manteve o silêncio, e ele prosseguiu. — Talvez ajude se você souber que vem das Profecias:

“Dentro do coração ele finca a espada, dentro do coração, para ganhar os corações. Aquele que a retirar seguirá logo atrás Que mão pode agarrar a lâmina temerosa?”

— Está vendo? Direto das Profecias.

— Está se esquecendo de uma coisa — retrucou Moiraine, severa. — Você empunhou Callandor em cumprimento à Profecia. As salvaguardas que a mantiveram à sua espera por mais de três mil anos já não existem. Ela já não é a Espada Que Não Pode Ser Tocada. Eu mesma poderia canalizar e soltá-la. Pior, qualquer um dos Abandonados poderia fazer isso. E se Lanfear retornar? Ela não pode usar Callandor mais do que eu posso, mas conseguirá pegá-la. — Rand não reagiu ao nome. Seria porque não a temia, e nesse caso estava sendo um tolo, ou por alguma outra razão? — Se Sammael, Rahvin ou qualquer outro dos homens Abandonados puser as mãos em Callandor, poderá empunhá-la tão bem quanto você. Pense em enfrentar o poder do qual abre mão sem sequer se preocupar. Pense nesse poder nas mãos da Sombra.

— Quase espero que eles tentem. — Um brilho ameaçador cintilou em seus olhos, que pareciam nuvens cinzentas de tempestade. — Tem uma surpresa à espera de qualquer um que tente tirar Callandor da Pedra com canalização, Moiraine. Nem pense em levá-la para Torre só por garantia, a armadilha não faz distinções. Basta o Poder para acioná-la e armar de novo, pronta para disparar outra vez. Não estou abrindo mão de Callandor para sempre. Só até… — Ele respirou fundo. — Callandor ficará aqui até que eu volte para buscá-la. Ficando aqui, lembrando a eles quem eu sou e o que sou, vai garantir meu retorno sem a companhia de um exército. Uma espécie de abrigo, com gente como Alteima e Sunamon para me dar as boas-vindas à casa. Isso se Alteima sobreviver à justiça que seu marido e Estanda aplicarão, e Sunamon sobreviver à minha. Luz, que confusão.

Ele não podia ou não queria tornar a armadilha seletiva? Moiraine estava determinada a não subestimar o que Rand talvez fosse capaz de fazer. Callandor pertencia à Torre, se ele não fosse manejá-la como deveria, e ficaria na Torre até que ele fosse capaz. “Só até” o quê? Rand ia dizer algo diferente de “até eu voltar”. Mas o quê?

— E para onde é que você vai? Ou pretende manter isso em segredo?

Já começava a murmurar o juramento de que não o deixaria fugir outra vez, que daria um jeito de fazê-lo voltar, caso o rapaz pretendesse sair correndo para Dois Rios, quando Rand a surpreendeu.

— Não é segredo, Moiraine. Pelo menos, não para você e Egwene. — Ele encarou Egwene e disse uma palavra: — Rhuidean.

A garota arregalou os olhos, pasma, como se nunca tivesse ouvido aquela palavra. Moiraine, aliás, não exibia uma expressão muito diferente. Houve um burburinho entre os Aiel, mas, quando ela olhou para trás, eles caminhavam a passos largos, os rostos inexpressivos. Desejou poder obrigá-los a ir embora, mas o grupo não obedeceria a sua ordem, e ela não pediria a Rand que os mandasse sair. Não a ajudaria pedir nada a ele, ainda mais sabendo que seu pedido poderia muito bem ser recusado.

— Você não é um chefe de clã Aiel, Rand — disse, com firmeza — nem tem necessidade disso. Sua luta é deste lado da Muralha do Dragão. A não ser que… Isso é coisa das respostas que obteve no ter’angreal? Cairhien, Callandor e Rhuidean? Eu disse que essas respostas podem estar codificadas. Você pode estar interpretando errado, o que pode ser fatal. Para outros, não só para você.

— Você precisa confiar em mim, Moiraine. Como eu tantas vezes precisei confiar em você.

Aquele rosto poderia muito bem pertencer aos Aiel, pelo que ela conseguia ler nele.

— Vou confiar, por hora. Só não espere para pedir minha orientação quando for tarde demais. — Não vou deixá-lo ir para a Sombra. Trabalhei muito duro para permitir isso. Custe o que custar.

22

Fora da Pedra

Foi uma estranha procissão que Rand liderou para fora da Pedra em direção ao leste, com nuvens brancas encobrindo o sol do meio-dia e lufadas de ar revolvendo pela cidade. Por ordem dele, não houvera anúncio ou proclamação, mas aos poucos se espalhava a notícia de que algo estava acontecendo: os cidadãos paravam tudo o que estivessem fazendo e corriam para ganhar vantagem. Os Aiel estavam marchando pela cidade, para fora da cidade. Cada vez mais gente que não os vira chegar no meio da noite, que sequer acreditava que estivessem na Pedra, enfileirava-se nas ruas ao longo do trajeto, enchia as janelas ou até mesmo escalava os telhados de ripa, escarranchando-se nos topos e nos cantos. Burburinhos percorriam a multidão que contava a quantidade de Aiel. Aquelas poucas centenas não poderiam ter tomado a Pedra. O estandarte do Dragão ainda drapejava sobre a fortaleza. Ainda deveria haver milhares lá dentro. Junto com o Lorde Dragão.

Rand cavalgava tranquilo em camisa de manga, com a certeza de que nenhum dos curiosos o tomaria como alguém fora do comum. Um forasteiro com dinheiro suficiente para cavalgar — em um imponente garanhão sarapintado, o melhor dos puros-sangues tairenos — um homem rico viajando com as mais estranhas companhias, porém sem dúvida apenas mais um. Não era sequer líder da estranha comitiva, o título sem dúvida pertencia a Lan ou Moiraine, apesar de eles cavalgarem a certa distância dele, logo à frente dos Aiel. Os sussurros baixinhos de temor que acompanhavam sua passagem decerto eram dirigidos aos Aiel, não a ele. Aquele povo taireno poderia até tomá-lo por um criado a conduzir o cavalo do mestre. Bem, não. Isso não. Não assim, na frente, como ele seguia. De todo modo, era um belo dia. Não estava abafado, apenas tépido. Ninguém esperava que ele fosse fazer justiça ou governar uma nação. Podia simplesmente aproveitar a viagem no anonimato, gozar da brisa escassa. Por um instante, podia esquecer a sensação das garças marcadas nas palmas das mãos, que seguravam as rédeas. Pelo menos por mais um pouquinho, pensou. Só mais um pouquinho.