— Eu não corro riscos, Moiraine. Isso é com Mat. — Rand fez força para abrir a mão. O angreal, o homenzinho gordo, cravara a ponta da espada em sua carne, bem em cima da marca da garça. — Talvez você tenha razão. Talvez eu precisasse mesmo de um angreal um pouco mais forte. Só um pouquinho, quem sabe… — Ele soltou uma risada irritada. — Funcionou, Moiraine. É o que importa. Fui mais rápido que eles. Funcionou.
— É o que importa — repetiu Lan, assentindo com a cabeça.
Egwene fez um muxoxo de reprovação. Homens. Um quase se matava, depois tentava fazer piada, e o outro lhe dizia que fora a decisão certa. Será que eles nunca cresciam?
— A fadiga da canalização não é como outros tipos de cansaço — explicou Moiraine. — Não posso livrar você dela por completo, não depois do tanto que você canalizou, mas vou fazer o possível. Talvez o que restar possa servir de lembrança para que tenha mais cuidado no futuro. — Ela estava com raiva; havia um toque muito nítido de satisfação em sua voz.
O brilho de saidar envolveu a Aes Sedai quando ela se levantou e tomou a cabeça de Rand nas mãos. O rapaz soltou um arquejo trêmulo, tremeu incontrolavelmente, depois deu um solavanco e se livrou dela e de Lan.
— Peça, Moiraine — disse Rand, em um tom frio, enfiando o angreal de volta na bolsa do cinto. — Primeiro, peça. Não sou seu cachorrinho, para você fazer o que quiser, a hora que quiser. — Ele esfregou as mãos para limpar um filete de sangue.
Egwene fez outro muxoxo de irritação. Infantil, e ainda por cima ingrato. Rand passara a se aguentar em pé, embora os olhos ainda parecessem cansados, e ela não precisava ver a palma da mão dele para saber que o furinho desaparecera como se jamais tivesse existido. Um completo ingrato. Surpreendentemente, Lan não o repreendeu por falar com Moiraine daquele jeito.
Ocorreu a ela que os Aiel, tendo acalmado as mulas, estavam em silêncio absoluto. Olhavam para fora do grupo com desconfiança. Não se voltavam para o vale ou a cidade coberta de névoa, que devia ser Rhuidean, mas para dois acampamentos, um de cada lado, talvez a meia milha de distância. Os dois agrupamentos, com dezenas e mais dezenas de tendas baixas e abertas dos lados, cada uma maior do que a outra, avançavam encosta acima e quase desapareciam no meio da montanha. Ainda assim, dava para ver com clareza os Aiel marrom-acinzentados ao redor das tendas, as lanças curtas e arcos de chifre encaixados nas flechas, uns já com véus nos rostos, outros ainda colocando-os. Pareciam suspensos nas pontas dos pés, prontos para atacar.
— A paz de Rhuidean — gritou uma voz feminina do alto da encosta, e Egwene pôde sentir o alívio da tensão nos Aiel à sua volta. Os que estavam entre as tendas começaram a baixar os véus, embora ainda observassem com cautela.
Notou que havia um terceiro acampamento mais adiante, bem menor, com algumas tendas baixas em um pequeno trecho plano. Quatro mulheres vinham andando de lá, serenas e altivas, com saias pesadas e escuras e blusas brancas soltas, xales marrons ou cinza nos ombros — apesar do calor que começava a deixar Egwene meio tonta — e muitos colares e braceletes de marfim e ouro. Duas tinham os cabelos brancos, e uma, da cor do sol, caindo pelas costas até a cintura e presos por lenços amarrados na testa.
Egwene reconheceu uma das mulheres de cabelos brancos: Amys, a Sábia que encontrara em Tel’aran’rhiod. Mais uma vez ficou impressionada com o contraste entre as feições de Amy, escurecidas pelo sol, e seus cabelos brancos. A Sábia não parecia velha o bastante para aquele grisalho. A segunda mulher de cabelos brancos tinha o rosto mais enrugado, quase de avó, e uma das outras, com mechas grisalhas nos cabelos, parecia tão velha quanto. Tinha certeza de que todas as quatro eram Sábias, muito provavelmente as mesmas que haviam assinado a carta para Moiraine.
As mulheres Aiel pararam na subida da encosta, ainda a dez passadas do grupo ao redor da Pedra-portal, e a que tinha jeito de avó estendeu as mãos abertas e disse, com uma voz envelhecida porém poderosa:
— Que a paz de Rhuidean esteja com vocês. Quem vem a Chaendaer pode retornar a seus fortes em paz. Não haverá derramamento de sangue.
Com isso, os Aiel de Tear começaram a se separar, distribuindo depressa os animais de carga e os conteúdos dos cestos. Já não estavam divididos em sociedades. Egwene viu Donzelas separando-se entre os diversos grupos, e alguns deles começaram a contornar a montanha, evitando uns aos outros e os acampamentos, com ou sem paz de Rhuidean. Outros avançaram em direção a algum dos grandes agrupamentos de tendas, onde enfim as armas foram baixadas.
Nem todos estavam certos da paz de Rhuidean. Lan soltou o cabo da espada ainda embainhada, embora Egwene não o tivesse visto pôr as mãos nela, e Mat mais que depressa deslizou um par de facas de volta para dentro das mangas. Rand estava parado com os polegares enfiados atrás do cinto, mas o alívio em seus olhos era claro.
Egwene procurou Aviendha para fazer algumas perguntas antes de se aproximar de Amys. Sem dúvida ali, em sua própria terra, a Aiel falaria um pouco mais abertamente sobre as Sábias. Avistou a Donzela, levando um grande saco de juta que tilintava e duas tapeçarias de parede enroladas sobre o ombro enquanto avançava, a passos decididos, em direção a um dos acampamentos.
— Você vai ficar, Aviendha — berrou a Sábia de cabelos grisalhos.
Aviendha parou na mesma hora, sem olhar para ninguém.
Egwene fez menção de caminhar até ela, mas Moiraine murmurou:
— É melhor não interferir. Duvido que ela queira compaixão ou que pense que é qualquer outra coisa que você está oferecendo.
Egwene assentiu, por instinto. Aviendha parecia mesmo querer ficar sozinha. O que as Sábias queriam com ela? A jovem teria violado alguma regra, alguma lei?
Ela própria não teria se incomodado em ter mais companhia. Sentia-se muito exposta, ali, parada, sem nenhum Aiel à volta, com tantos observando por entre as tendas. Os Aiel que tinham ido à Pedra haviam sido educados, mesmo que não exatamente simpáticos, mas os vigias não pareciam nem uma coisa nem outra. Sentia a tentação de abraçar saidar. Apenas Moiraine, fria e serena como sempre, apesar do suor no rosto, e Lan, tão impassível quanto as rochas ao redor, evitavam que o fizesse. Se houvesse algum perigo, eles saberiam. Enquanto aceitassem a situação, ela também aceitaria. No entanto, queria que os Aiel parassem de encará-los.
Rhuarc subiu a encosta com um sorriso.
— Estou de volta, Amys, mas aposto que não do jeito que você esperava.
— Eu sabia que você estaria aqui hoje, sombra do meu coração. — Ela se espichou para tocar o rosto dele, deixando o xale marrom cair por sobre os braços. — Minha esposa-irmã manda lembranças.
— Foi isso que você quis dizer sobre os Sonhos — disse Egwene, baixinho, para Moiraine. Lan era o único perto o bastante para escutar. — Foi por isso que estava disposta a deixar Rand tentar nos trazer até aqui pela Pedra-portal. Elas sabiam disso e contaram a você naquela carta. Não, isso não faz sentido. Se tivessem mencionado uma Pedra-portal, você não teria tentado dissuadir Rand. Mas elas sabiam que estaríamos aqui hoje.
Moiraine assentiu, sem tirar os olhos das Sábias.
— Elas escreveram que nos encontrariam aqui, em Chaendaer, hoje. Achei… improvável… até Rand mencionar as Pedras. Quando ele se mostrou certo de que havia uma aqui, mesmo comigo tentando dissuadi-lo… Digamos apenas que de repente pareceu muito provável que chegaríamos a Chaendaer ainda hoje.
Egwene inspirou o ar quente. Então essa era uma das coisas que os Sonhadores podiam fazer. Mal podia esperar para começar a aprender. Queria ir atrás de Rhuarc e se apresentar para Amys — se reapresentar — mas Rhuarc e Amys se olhavam de uma forma que excluía intrusos.