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Por que é que ela não se dissipa, com esse calor? Não gostava nada daquilo. Estava ali por ter brincado com o Poder, e pelo visto teria de brincar outra vez. Quero me livrar do Poder e das Aes Sedai. Que me queime, eu quero! Qualquer coisa para passar mais um minuto sem ter que pensar em entrar naquela névoa.

— Foi mesmo aquela amiga Aiel de Egwene que eu vi correndo — grasnou. Correndo! Naquele calor. Só de pensar nisso, os pés doíam ainda mais. — Aviendha. Seja lá que nome for.

— Se você diz — respondeu Rand, observando a neblina. Parecia falar com a boca cheia de poeira, tinha o rosto queimado pelo sol e bamboleava sem firmeza, agachado. — Mas o que ela estaria fazendo ali embaixo? E nua?

Mat deixou para lá. Rand não a vira — mal tirara os olhos do nevoeiro ondulante desde que começaram a descer a montanha — e tampouco acreditava que Mat a vira. Correndo feito uma louca e mantendo distância dos dois. Rumando para aquela névoa estranha, ao que parecia. O amigo não demonstrava estar mais ansioso do que ele para adentrá-la. Perguntou-se se estava com uma cara tão ruim quanto a de Rand. Tocando o rosto, estremeceu. Achava que sim.

— Vamos passar a noite toda aqui fora? Este vale é muito fundo. Daqui a umas horas estará escuro aqui. Talvez refresque um pouco, mas acho que não quero topar com as criaturas que passeiam por aqui à noite. Deve ter leões. Ouvi dizer que tem leões no Deserto.

— Tem certeza de que quer fazer isso, Mat? Você ouviu o que as Sábias disseram. Pode acabar morrendo lá, ou enlouquecendo. Pode voltar para as tendas, se quiser. Deixou garrafas e uma bolsa d’água na sela de Pips.

Mat desejou que Rand não o tivesse lembrado disso. Era melhor não pensar em água.

— Que me queime, não, não quero voltar. Preciso ir. E você? Já não está de bom tamanho ser o maldito Dragão Renascido? Tinha que virar um chefe de clã Aiel também? Por que veio para cá?

— Porque preciso, Mat. Preciso. — Havia resignação na voz ressecada, mas também algo mais. Uma pontada de ansiedade. O homem estava mesmo louco, queria fazer aquilo.

— Rand, talvez essa seja a resposta que dão para todos. Estou falando daquelas pessoas que parecem com cobras. Vá para Rhuidean. Talvez a gente nem tenha que estar aqui, na verdade. — Não acreditava realmente nisso, mas com aquela névoa o encarando de frente…

Rand virou-se para olhá-lo, sem dizer palavra. Enfim, falou:

— Eles nunca mencionaram Rhuidean para mim, Mat.

— Ah, que me queime — resmungou.

De uma forma ou de outra pretendia encontrar um caminho de volta por aquele batente de porta torto em Tear. Sem pensar, pescou o marco de ouro de Tar Valon do bolso do casaco, rolou-o pelos dedos e o guardou de volta. Aquele povo venenoso lhe daria mais algumas respostas, quisessem ou não. De algum jeito.

Sem mais uma palavra, Rand se levantou e começou a caminhar em direção ao nevoeiro com passos hesitantes, os olhos fixos à frente. Mat correu atrás dele. Que me queime. Que me queime. Não quero fazer isso.

Rand deslizou de uma vez para dentro da névoa densa, mas Mat hesitou por um instante antes de ir atrás. No fim das contas, só podia ser o Poder que sustentava o nevoeiro, com as beiradas fervilhantes, mas sem nunca avançar nem recuar uma polegada sequer. A porcaria do Poder, e nenhuma porcaria de opção. O primeiro passo foi um alívio, fresco e úmido. Ele abriu a boca para deixar a névoa umedecer sua língua. Três passos depois, e começou a se preocupar. À frente de seu nariz havia apenas um cinza indistinto. Não conseguia distinguir sequer uma sombra que pudesse ser o amigo.

— Rand?

O som poderia não ter saído de sua boca, a neblina parecia engoli-lo antes de alcançar os próprios ouvidos. Não tinha nem mais certeza da direção que seguia, e costumava ter um bom senso de orientação. Poderia haver qualquer coisa diante dele. Ou sob seus pés. Não conseguia ver os próprios pés, a névoa o encobria por completo da cintura para baixo. Apesar disso, apertou o passo. E de repente adentrou uma luz peculiar, sem sombra, ao lado de Rand.

O nevoeiro formava um imenso domo oco a encobrir o céu, e do lado de dentro havia uma superfície borbulhante que reluzia em um tom de azul pálido. Rhuidean nem de perto era tão grande quanto Tear ou Caemlyn, mas as ruas vazias eram as mais largas que ele já vira, com amplas faixas de terra batida no centro, como se ali um dia tivesse havido árvores e grandes fontes com estátuas. Imensas construções flanqueavam as ruas, palácios estranhos com paredes planas de mármore, cristal e vidro trabalhado elevando-se por centenas de pés, formando degraus de escadas e paredões. Não havia sequer um prédio pequeno, nada que pudesse ter sido uma simples taverna, estalagem ou estábulo. Apenas palácios imensos, com colunas reluzentes de cinquenta pés de espessura, vermelhas, brancas ou azuis, escalando o céu a cem passadas de altura, e torres grandiosas, caneluradas e espiraladas, algumas perfurando as nuvens fulgurantes acima.

Apesar de todo o esplendor, a cidade jamais fora concluída. Muitas das imensas estruturas terminavam em paredes incompletas, feito construções abandonadas. Vidros coloridos formavam imagens em algumas das imensas janelas: homens e mulheres serenos e majestosos de trinta pés ou mais de altura, sóis nascentes e céus noturnos estrelados. Outros prédios tinham janelas escancaradas, os interiores vazios. Incompletos e abandonados havia muito. Não jorrava água das fontes. O silêncio cobria a cidade tão completamente quanto o domo de névoa. O ar era mais frio do que do lado de fora, mas tinha a mesma aridez. A poeira arranhava as solas dos pés nas pedras lisas e claras do pavimento.

Mesmo assim, Mat foi até a fonte mais próxima a passos rápidos, apenas por desencargo de consciência, e inclinou-se na borda branca, que batia na altura da cintura. Três mulheres nuas, duas do tamanho dele, equilibrando na cabeça um peixe estranho, de boca aberta, espiavam uma bacia larga e empoeirada, não menos seca do que sua boca.

— É claro — disse Rand, atrás dele. — Eu devia ter pensado nisso antes.

Mat olhou para trás por sobre o ombro.

— Pensado em quê? — Rand encarava a fonte, sacudindo-se em uma risada silenciosa. — Componha-se, Rand. Você não enlouqueceu no último minuto. Devia ter pensado em quê?

Um gorgolejo oco fez Mat olhar a fonte de novo. De repente começou a jorrar água pela boca do peixe, uma torrente da espessura da perna de Mat. Correu até a bacia e postou-se sob o aguaceiro, inclinando a cabeça para trás e escancarando a boca. A água era doce e fria, fria o bastante para fazê-lo tremer, mais doce que vinho. Encharcou seus cabelos, casaco, calças. Ele bebeu até achar que ia se afogar, então saiu cambaleando para se apoiar, arfante, na perna de pedra de uma das mulheres.

Rand ainda estava parado, encarando a fonte, o rosto vermelho e os lábios rachados, rindo baixinho.

— Nada de água, Mat. Disseram que não podíamos trazer água, mas ninguém falou sobre o que já existia aqui.

— Rand? Você não vem beber?

Rand levou um susto, depois entrou na bacia, agora com água até os tornozelos, e patinhou até onde Mat estivera, bebendo da mesma forma, os olhos fechados e a cabeça inclinada para cima, para deixar a água escorrer pelo corpo.