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Perrin ficou tão surpreso que a soltou. Não conseguia ver diferença entre o que tinha acabado de dizer e o que falara antes, mas da primeira vez Faile se exaltara, enquanto agora… respondia com carinho. Não que ele tivesse certeza de que a ameaça de morte fosse totalmente brincadeira. Faile carregava facas escondidas pelo corpo e sabia usá-las muito bem.

Ela esfregou o punho dramaticamente e resmungou entre dentes. Perrin pescou as palavras “bode peludo” e jurou a si mesmo que rasparia cada fiapo daquela barba idiota. Ah, se rasparia.

Mas o que ela disse em voz alta foi:

— O machado. Era ele, não era? O Dragão Renascido, tentando nos matar.

— Deve ter sido Rand. — Ele enfatizou o nome. Não gostava de pensar no amigo de outra forma. Preferia lembrar-se da pessoa com quem crescera em Campo de Emond. — Mas não tentando nos matar. Não ele.

Ela abriu um sorriso irônico, quase uma careta.

— Se não era isso, espero que ele nunca tente.

— Não sei o que ele estava fazendo. Mas pretendo mandá-lo parar, e farei isso agora mesmo.

— Não sei por que me importo com um homem que se preocupa tanto com a própria segurança.

Ele a encarou, intrigado, perguntando-se o que ela queria dizer, mas Faile apenas passou o braço pelo dele. Perrin continuava a se perguntar enquanto os dois começaram a caminhar pela Pedra. Deixou o machado onde estava. Ali, fincado na porta, não faria mal a ninguém.

Com os dentes cravados em um cachimbo comprido, Mat abriu um pouco mais o casaco, tentando se concentrar nas cartas viradas para baixo à sua frente e nas moedas espalhadas no centro da mesa. Mandara fazer o casaco vermelho a partir de um modelo andoriano, na melhor lã que havia e com bordados de arabescos dourados nas mangas e na gola comprida. No entanto, dia após dia, era lembrado de como Tear ficava ao sul de Andor. O suor escorria por seu rosto, deixando a camisa coladas às costas.

Nenhum de seus companheiros de mesa parecia notar o calor, apesar dos casacos ainda mais pesados que o dele, com mangas gordas e encorpadas, todos de seda forrada, brocados e listras de cetim. Dois homens de uniforme vermelho e dourado enchiam as canecas de prata dos jogadores com mais vinho e serviam lustrosas bandejas de prata com azeitonas, queijos e nozes. O calor também não parecia afetar os serviçais, embora de vez em quando um deles escondesse um bocejo com a mão, pensando que ninguém estava reparando.

Mat se conteve e não ergueu as cartas para olhá-las outra vez. Elas não teriam mudado. Três governantes, as cartas mais altas de três dos cinco naipes, já era bom o suficiente para ganhar a maioria das mãos.

Estaria mais confortável jogando dados. Quase não se encontrava baralho nos lugares onde sempre apostava, onde a prata trocava de mãos como resultado de cinquenta jogos de dados diferentes, mas os jovens fidalgotes tairenos prefeririam vestir trapos a jogar dados. Dados eram para camponeses, embora os rapazes tivessem o cuidado de não dizer uma coisa dessas na frente de Mat. Não era o gênio do rapaz que temiam, e sim as pessoas que pensavam serem amigas dele. Jogavam um jogo chamado corte, hora após hora, noite após noite, usando cartas pintadas à mão e envernizadas por um homem da cidade que enriquecera graças a esses sujeitos e outros como eles. Apenas mulheres e cavalos eram capazes de desviar a atenção deles do jogo, mas nunca por muito tempo.

Mesmo assim, Mat conseguira entender o jogo bem depressa e, ainda que não tivesse sorte tão boa quanto nos dados, era razoável. Uma bolsa gorda jazia ao lado de suas cartas, e outra ainda mais gorda repousava em seu bolso. Quando vivia em Campo de Emond teria considerado aquilo uma fortuna, o suficiente para passar o resto de seus dias no luxo. Mas a ideia que tinha de luxo mudara desde a partida de Dois Rios. As moedas dos jovens lordes jaziam em pilhas reluzentes e desordenadas, mas alguns velhos hábitos ele não tinha intenção de mudar. Nas tavernas e estalagens, às vezes era necessário partir depressa. Sobretudo se a sorte o acompanhasse.

Deixaria a Pedra no instante em que juntasse o bastante para viver como desejava. Antes que Moiraine descobrisse seus planos. Se as coisas tivessem sido como gostaria, já teria partido havia dias. Mas havia ouro para ganhar por aquelas bandas. Uma noite naquela mesa lhe renderia mais do que uma semana jogando dados nas tavernas. Bastava ter sorte.

Ele fez uma leve careta e deu uma baforada no cachimbo, preocupado. Então conferiu, inseguro, se suas cartas eram boas para prosseguir. Dois dos jovens lordes também seguravam cachimbos nos dentes, mas eram de prata e tinham boquilhas de âmbar. No ar quente e imóvel, o tabaco perfumado que fumavam parecia ter o cheiro de um incêndio no quarto de vestir de uma lady. Não que Mat já tivesse adentrado o quarto de vestir de uma lady. Uma doença que quase o matara lhe deixara com a memória tão esburacada quanto a melhor lã, mas Mat tinha certeza de que se lembraria de uma coisa dessas. Nem mesmo o Tenebroso seria mau a ponto de me fazer esquecer uma coisa dessas.

— Um navio do Povo do Mar atracou hoje — murmurou Reimon, com a boca no cachimbo. A barba do lorde de ombros largos era cuidada com óleos e muito bem aparada. Era a última moda entre os nobres mais jovens, e Reimon perseguia a moda com o mesmo vigor com que perseguia as mulheres. O que era apenas com um pouco menos do vigor com que jogava. Ele atirou uma coroa de prata por cima da pilha no meio da mesa para comprar outra carta. — Um forcador. São os navios mais rápidos, os forcadores, pelo que dizem. Correm mais que o vento, pelo que dizem. Eu gostaria de ver uma coisa dessas. Que a minha alma queime, como eu gostaria. — Ele não se deu ao trabalho de olhar a carta que recebeu: só olhava depois de ter as cinco cartas na mão.

O homem roliço e de bochechas rosadas entre Reimon e Mat deu uma risadinha bem-humorada.

— Querendo ver o navio, Reimon? Não quer dizer as moças? As mulheres. As beldades exóticas do Povo do Mar, com seus anéis e badulaques e com aquele rebolado, hein? — Ele colocou uma coroa na mesa e pegou uma carta, fazendo uma careta ao olhá-la. Aquilo não significava nada: a julgar pelas expressões de Edorion, suas cartas eram sempre baixas e jamais formavam a combinação necessária. No entanto, ele ganhava mais do que perdia. — Bem, talvez eu tenha mais sorte com as moças do Povo do Mar.

O carteador, que estava do outro lado de Mat, um homem alto e magro, com a barba pontuda ainda mais escura e viçosa que a de Reimon, apoiou um dedo na lateral do nariz.

— Acha que vai se sair bem com elas, Edorion? Do jeito que são reservadas, você vai ter sorte se conseguir sentir um sopro do perfume que usam. — Ele fez um gesto que simulava uma rajada de vento, depois inspirou fundo e soltou um suspiro, e os outros nobres riram, inclusive Edorion.

Um jovem imberbe chamado Estean soltou a risada mais alta de todas, passando uma das mãos pelos cabelos lisos que insistiam em cair em sua testa. Se o fino casaco amarelo fosse substituído por um de lã parda, o sujeito poderia se passar por um fazendeiro, em vez do filho do Grão-lorde dono de um das maiores propriedades de Tear e com toda certeza o homem mais rico da mesa. Ele também bebera mais vinho do que qualquer um.

Cambaleando na frente do homem a seu lado — um sujeito afetado chamado Baran, que parecia sempre olhar os outros com o pontudo nariz em pé — Estean cutucou o carteador com um dedo meio vacilante. Baran se inclinou para trás, girando o cachimbo na boca como se temesse que Estean pudesse vomitar.

— Essa foi boa, Carlomin — gorgolejou Estean. — Você também acha, não é, Baran? Edorion não vai conseguir nem sentir o perfume. Se quiser tentar a sorte, arriscar uma aposta… Que tal ir atrás das meretrizes Aiel, como o Mat, aqui. Todas aquelas lanças e facas. Que a minha alma queime. É como tirar um leão para dançar. — Um silêncio mortal se abateu sobre a mesa. Estean riu sozinho, depois piscou e passou a mão nos cabelos outra vez. — Qual é o problema? Falei alguma coisa errada? Ah! Ah, sim. Eles.