As Sábias caminhavam como qualquer Aiel, incluindo aqueles homens e mulheres estranhos de robes brancos, que Rhuarc chamava de gai’shain, conduzindo os cavalos de carga. Não eram bem servos, mas Rand não sabia se de fato entendera a explicação de Rhuarc sobre honra, obrigação e prisioneiros. Heirn fora ainda mais confuso, como se tentasse explicar por que a água era molhada. Moiraine, Egwene e Lan seguiam com as Sábias, ou pelo menos as duas mulheres seguiam. O Guardião conduzia o cavalo de batalha um pouco para o lado dos Shaido, observando-os com a mesma atenção com que examinava a paisagem escarpada. Às vezes, Moiraine, Egwene ou ambas desciam para conversar um pouco com as Sábias. Rand teria dado sua última moeda para ouvir o que diziam. Elas com frequência olhavam em sua direção, de soslaio, decerto para que ele não notasse. Por alguma razão, Egwene usava os cabelos em duas tranças, amarrados por fitas vermelhas compridas, feito os de uma noiva. Ele não sabia por quê. Comentara sobre os cabelos dela antes de sair de Chaendaer — apenas mencionara — e a amiga quase arrancara sua cabeça.
— Elayne é a mulher para você.
Ele encarou Aviendha, confuso. O olhar desafiador estava de volta aos olhos verde-azulados, mas ainda misturado a desgosto. Ela estava esperando do lado de fora da tenda quando ele acordou, naquela manhã, e desde então não se afastara mais de três passadas. Estava claro que as Sábias a haviam mandado espionar, e ainda mais claro que não era para ele reparar. A Aiel era bonita, e ele era considerado tolo o bastante para não enxergar nada além disso. Sem dúvida era por essa razão que ela estava de saias e não portava arma além da faca de cintura. As mulheres pareciam pensar que a mente masculina carecia de sofisticação. Pensando bem, nenhum dos outros Aiel comentara sobre a mudança no vestuário de Aviendha, mas até Rhuarc evitava encará-la por muito tempo. Deviam saber por que ela estava lá, ou tinham um palpite sobre o plano das Sábias, e não queriam mencionar o assunto.
Rhuidean. Ele ainda não sabia por que a jovem tinha ido até lá. Rhuarc murmurou algo sobre “assuntos das mulheres”, claramente relutante em conversar sobre aquilo perto dela. Considerando como a jovem estava colada em Rand, aquilo significava que não discutiriam coisa alguma. O chefe de clã sem dúvida estava escutando a conversa, assim como Heirn e todos os Jindo por perto. Às vezes, era difícil interpretar os Aiel, mas ele achava que todos pareciam estar achando graça. Mat assobiava baixinho, deixando bem claro que encarava tudo, menos os dois. Mesmo assim, era a primeira vez no dia que Aviendha falava com ele.
— Como assim? — indagou Rand.
As saias pesadas não a impediam de caminhar ao lado de Jeade’en. Não, Aviendha não caminhava. Perseguia. Se fosse um gato, estaria balançando o rabo.
— Elayne é uma aguacenta, como você. — Ela balançou a cabeça, arrogante. O rabo curto que os guerreiros Aiel usavam na nuca não estava mais lá. O lenço dobrado em torno das têmporas quase tapava seus cabelos. — A mulher certa para você. Ela não é bonita? Tem a postura ereta, membros esguios e fortes, lábios vermelhos como uma fruta-do-amor suculenta. Seus cabelos são como fios de ouro, e os olhos, safiras azuis. A pele é mais macia que a seda mais delicada, os seios são lindos e redondos. Os quadris…
Rand a interrompeu bruscamente, com o rosto ardendo.
— Eu sei que ela é bonita. O que você está fazendo?
— Descrevendo Elayne. — Aviendha franziu o cenho para ele. — Você já a viu no banho? Não preciso descrevê-la se você já a tiver visto…
— Eu não vi!
Rand desejou não ter soado irritado. Rhuarc e os outros estavam escutando, os rostos impassíveis demais para quem não estava se divertindo. Mat revirou os olhos com um sorriso escancarado e malicioso.
A mulher deu de ombros e ajeitou o xale.
— Ela deveria ter providenciado isso. Mas eu vi, e vou agir como se fosse quase-irmã dela. — A ênfase parecia indicar que aquilo era o mesmo que dele poderia se dizer “quase-irmã” dele. Os costumes Aiel eram estranhos, mas isso era loucura! — Os quadris dela…
— Pare com isso!
Aviendha disparou um olhar de esguelha furioso para ele.
— Elayne é a mulher certa para você. Ela pôs o coração aos seus pés por uma grinalda matrimonial. Acha que existe alguém na Pedra de Tear que não saiba disso?
— Eu não quero falar sobre Elayne — retrucou, com firmeza. Ainda mais se ela pretendesse continuar da forma como começara. O pensamento fez seu rosto esquentar outra vez. A mulher não parecia se importar com o que dizia, nem com quem escutava!
— Tem mais é que corar, mesmo, por deixar a moça de lado quando ela desnudou o coração para você. — A voz de Aviendha era ríspida e desdenhosa. — Ela escreveu duas cartas, expondo tudo, como se tivesse se despido debaixo do teto de sua mãe. Você a atrai para os cantos para beijá-la, depois a rejeita. Elayne foi honesta em cada palavra daquelas cartas, Rand al’Thor! Egwene me contou. Ela foi honesta em cada palavra. O que é que você quer com ela, aguacento?
Rand esfregou a mão nos cabelos e precisou ajeitar a shoufa. Elayne fora honesta em cada palavra? Nas duas cartas? Era impossível. Uma contradizia a outra quase ponto a ponto! De repente, levou um susto. Egwene contara a ela? Sobre as cartas de Elayne? As mulheres conversavam sobre essas coisas? Planejavam juntas as melhores maneiras de confundir um homem?
Percebeu que sentia falta de Min. Min nunca o fizera parecer um idiota. Bem, não mais de uma ou duas vezes. E nunca o insultara. Bem, ela o chamara de “pastor” algumas vezes. Mas Rand se sentia à vontade perto dela, confortável, de um jeito estranho. Ela jamais o fizera se sentir um completo idiota, como Elayne e Aviendha.
O silêncio dele pareceu irritar ainda mais a Aiel, se tal coisa fosse possível. Resmungando sozinha, caminhando a passos largos como se quisesse esmagar alguma coisa, ela arrumou e rearrumou o xale meia dúzia de vezes. Enfim os resmungos cessaram. Em vez disso, ela passou a encará-lo. Feito um abutre. Rand não sabia como ela não tropeçava e caía de cara no chão.
— Por que você está me olhando desse jeito?
— Estou escutando, Rand al’Thor, já que você quer que eu fique em silêncio. — Aviendha sorriu, rangendo os dentes. — Não gosta que eu escute você?
Ele olhou para Mat, que balançou a cabeça atrás dela. Era impossível entender as mulheres, ponto final. Rand tentou refletir sobre o que o aguardava, mas era difícil, com os olhos da mulher em cima dele. Seriam belos olhos, se não estivessem cheios de rancor, mas ele preferiria que Aviendha estivesse encarando outra coisa.
Protegendo os olhos do brilho do sol, Mat fazia o possível para não encarar Rand e a Aiel que caminhava a passos largos entre os cavalos dos dois. Não entendia por que Rand a aguentava. Aviendha era muito bonita, sem dúvida — mais do que bonita, ainda mais agora que usava um arremedo de roupas decentes — mas tinha uma língua ferina e um temperamento que fazia Nynaeve parecer dócil. Achava ótimo que Rand estivesse preso à mulher, e não ele.