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— Sou Hadnan Kadere, mascate — anunciou. — Procuro o Forte das Pedras Frias, bons senhores, mas faço negócios com qualquer um e com todos. Tenho muitos produtos excelentes…

Rhuarc cortou o homem feito uma faca afiada.

— Você está muito longe das Pedras Frias ou de qualquer forte. Como foi que chegou tão longe da Muralha do Dragão sem um guia?

— Eu não sei, bom senhor. — Kadere não fechou o sorriso, mas contraiu um pouco os cantos da boca. — Tenho viajado sem disfarce. Esta é minha primeira visita tão ao sul da Terra da Trindade. Pensei que talvez aqui não houvesse guias.

Couladin bufou alto e rodopiou uma das lanças preguiçosamente. Kadere encolheu os ombros, como se já sentisse o aço deslizando pelo corpo compacto.

— Sempre há guias — respondeu Rhuarc, com frieza. — Você teve sorte de chegar tão longe sem um. Sorte de não estar morto, nem de precisar voltar nu em pelo para a Muralha do Dragão. — Kadere abriu um sorriso constrangido, cheio de dentes, e o chefe de clã continuou. — Teve sorte de nos encontrar. Se tivesse continuado por esse caminho por mais um ou dois dias, teria chegado até Rhuidean.

O rosto do mascate ficou cinza.

— Eu ouvi… — Ele parou para engolir. — Eu não sabia, bons senhores. Os senhores têm de acreditar, eu não faria tal coisa. Nem mesmo por acidente — acrescentou depressa. — Que a Luz ilumine minhas verdadeiras palavras, bons senhores, eu não faria!

— O que é bom — retrucou Rhuarc — pois as penalidades são severas. Você pode viajar comigo até as Pedras Frias. Não seria bom se perder. A Terra da Trindade pode ser um lugar perigoso para os que não a conhecem.

Couladin ergueu a cabeça, desafiador.

— Por que não comigo? — retrucou, em uma voz penetrante. — Os Shaido estão em maior número, Rhuarc. Por costume, ele viaja comigo.

— Você virou chefe do clã enquanto eu não estava olhando? — O Shaido de cabelos de fogo enrubesceu, mas Rhuarc não demonstrou qualquer sinal de satisfação, apenas prosseguiu com aquela voz impassível. — O mascate procura as Pedras Frias. Ele seguirá comigo. Os Shaido que estão com você podem negociar com ele enquanto viajamos. Os Taardad não estão tão famintos por mascates a ponto de querermos estes só para nós.

O rosto de Couladin ficou ainda mais sombrio, mas ele moderou o tom, ainda que o esforço o fizesse falar em um ganido.

— Acamparei perto das Pedras Frias, Rhuarc. Aquele Que Vem Com a Aurora diz respeito a todos os Aiel, não apenas aos Taardad. Os Shaido terão o lugar que merecem. Os Shaido também seguirão Aquele Que Vem Com a Aurora.

Mat percebeu que o homem não reconhecera que era de Rand que falava. Espiando os carroções, seu amigo parecia não escutar a conversa.

Rhuarc fez silêncio por um instante.

— Os Shaido serão hóspedes bem-vindos nas terras dos Taardad, se decidirem seguir Aquele Que Vem Com a Aurora. — Isso também era ambíguo.

Kadere passara o tempo todo esfregando o rosto, decerto vendo-se no meio de uma batalha entre Aiel. O homem pontuou o convite de Rhuarc com um suspiro pesado de alívio.

— Obrigado, bons senhores. Obrigado. — Sem dúvida, por não o terem matado. — Quem sabe os senhores gostariam de ver o que meus carroções têm a oferecer? Algo especial que possam estar querendo?

— Mais tarde — disse Rhuarc. — Passaremos a noite em Parada de Imre, e lá você pode mostrar suas mercadorias. — Couladin foi se afastando a passos firmes depois de ouvir o nome Parada de Imre, fosse lá o que fosse. Kadere começou a pôr o chapéu de volta na cabeça.

— Um chapéu — disse Mat, puxando as rédeas de Pips mais para perto do mascate. Se tinha de permanecer mais algum tempo no Deserto, pelo menos poderia proteger os olhos do maldito sol. — Dou um marco de ouro por um chapéu feito esse.

— Fechado! — gritou uma voz de mulher, rouca e melodiosa.

Mat olhou em volta e levou um susto. A única mulher à vista, além de Aviendha e as Donzelas, vinha caminhando do segundo vagão, mas sem dúvida não combinava com a voz, uma das mais encantadoras que ele já ouvira. Rand franziu o cenho para ela e balançou a cabeça, e havia motivo. A mulher era um pé mais baixa que Kadere e devia pesar o mesmo, ou mais. As camadas de gordura quase escondiam os olhos escuros, sem deixar entrever se eram ou não oblíquos, mas o nariz fazia o do mascate parecer pequeno. Usava um vestido de seda cor de creme todo justo no corpanzil, um xale de renda branca sobre a cabeça e elaborados pentes de marfim enfiados nos cabelos grossos e negros. Ela se movia com uma leveza inesperada, quase feito uma Donzela.

— Uma boa oferta — disse a mulher, naquele tom musical. — Sou Keille Shaogi, mascate. — Ela arrancou o chapéu de Kadere e empurrou-o para Mat. — É bem grosso, meu bom senhor, e quase novo. O senhor vai precisar de um assim para sobreviver à Terra da Trindade. Um homem pode morrer de repente, neste lugar. — Ela estalou os dedos gordos, para enfatizar a rapidez com que a morte poderia chegar. — A risada súbita tinha a mesma característica gutural e amorosa da voz. — Ou uma mulher. Um marco de ouro, o senhor disse. — Quando Mat hesitou, os olhos meio escondidos da mulher cintilaram, negros como os de um corvo. — É raro eu oferecer duas vezes a mesma barganha.

Uma mulher peculiar, para dizer o mínimo. Kadere não protestou, exceto por uma leve careta. Se Keille era sua parceira, não havia dúvida de quem mandava. E, se o chapéu evitasse que a cabeça de Mat torrasse, realmente valia o preço, em sua opinião. Antes de soltar o chapéu a mulher mordeu o marco taireno que ele lhe entregou. Incrivelmente, o chapéu serviu. E, ainda que aquela aba larga não refrescasse, pelo menos proporcionava uma sombra abençoada. Guardou o lenço no bolso do casaco.

— Algo para os outros? — A mulher robusta passou os olhos pelos Aiel. — Que bela criança — murmurou para Aviendha, com um esgar de dentes que talvez fosse um sorriso. Para Rand disse, com doçura: — E o senhor? — A voz que saía daquele rosto era realmente dissonante, sobretudo quando assumia o tal tom aveludado. — Algo para protegê-lo desta terra desesperadora? — Virando Jeade’en para poder olhar os condutores dos carroções, Rand apenas balançou a cabeça. Com aquela shoufa enrolada no rosto, ele de fato parecia um Aiel.

— À noite, Keille — disse Kadere. — Abriremos os negócios à noite, em um lugar chamado Parada de Imre.

— Ah, abriremos, é? — Ela espiou a fileira de Shaido por um longo instante, depois encarou o grupo das Sábias por um instante ainda mais longo. Então se virou para o próprio carroção e falou por sobre o ombro, para o outro mascate: — Então por que é que você está atrasando esses bons senhores? Mexa-se, Kadere. Mexa-se.

Rand a encarou, balançando a cabeça outra vez.

Havia um menestrel ao fundo, perto do carroção dela. Mat piscou, pensando que o calor o estava afetando, mas o sujeito não desapareceu. Era um homem de meia-idade, com cabelos escuros, usando um manto coberto de retalhos. O homem observava a reunião, apreensivo, até que Keille o empurrou para dentro do carroção à frente. Kadere encarou o carroção branco da mulher com o rosto mais impassível do que o de um Aiel antes de seguir até o seu pisando firme. Sem dúvida, um bando esquisito.

— Você viu o menestrel? — perguntou Mat a Rand, que assentiu distraído, encarando a fileira de carroções como se nunca tivesse visto um. Rhuarc e Heirn já estavam retornando para o restante dos Jindo. A centena que rodeava Rand aguardava pacientemente, dividindo a atenção entre ele e qualquer coisa que pudesse esconder um ratinho que fosse. Os condutores começaram a pegar as rédeas, mas Rand não se mexeu. — Povo estranho esses mascates, você não acha, Rand? Mas imagino que seja preciso ser estranho para vir para o Deserto. Olhe só para nós. — O comentário fez Aviendha esboçar uma careta, mas Rand pareceu não ter ouvido. Mat queria que ele dissesse algo. Qualquer coisa. Aquele silêncio era enervante. — Você imaginava que escoltar um mascate fosse uma honra tão grande a ponto de fazer Rhuarc e Couladin brigarem? Entende alguma coisa desse ji’e’toh?