Выбрать главу

— Você é mesmo um imbecil — resmungou Aviendha. — Não teve nada a ver com o ji’e’toh. Couladin está tentando se comportar como um chefe de clã. Rhuarc não pode permitir isso até que… a não ser que ele vá para Rhuidean. Os Shaido roubariam ossos de um cachorro, roubariam os ossos e o cachorro, mas até eles merecem um chefe de verdade. E, graças a Rand al’Thor, temos que dar permissão a mil deles para assentarem as tendas em nossas terras.

— Os olhos dele — comentou Rand, sem desviar o olhar dos carroções. — Homem perigoso.

Mat franziu o cenho para ele.

— Os olhos de quem? De Couladin?

— De Kadere. Todo aquele suor, a cara branca. Mas os olhos dele não se alteraram. A gente sempre tem que prestar atenção nos olhos. Não na aparência.

— Claro, Rand. — Mat se remexeu na sela, meio erguendo as rédeas, como se fosse cavalgar. Talvez o silêncio não fosse tão ruim. — Temos que prestar atenção nos olhos.

Rand desviou a atenção para os topos dos montes e colinas mais próximos, girando a cabeça de um lado para outro.

— O risco é o tempo — murmurou. — O tempo prepara armadilhas. Preciso evitar as deles enquanto apronto a minha.

Não havia nada por lá que Mat pudesse distinguir além de alguns poucos arbustos espaçados e, vez ou outra, uma árvore mirrada. Aviendha franziu o cenho para os cumes, depois para Rand, ajustando o xale.

— Armadilhas? — perguntou Mat. Luz, permita que ele me dê uma resposta que não seja louca. — Quem é que está preparando armadilhas?

Por um instante, Rand o encarou como se não compreendesse a pergunta. Os carroções dos mascates começaram a avançar com uma escolta de Donzelas trotando ao lado, virando-se para seguir os Jindo que passavam a passos largos, seguidos pelos Shaido. Mais Donzelas dispararam na frente, para escoltá-los. Apenas os Aiel ao redor de Rand ficaram parados, embora o grupo das Sábias se movesse bem devagar, observando. Pelos gestos de Egwene, Mat achou que ela queria ir até eles e conferir como estavam.

— Não dá para ver, nem sentir — respondeu Rand, por fim. Ele inclinou-se um pouco em direção a Mat e sussurrou alto, como se estivesse fingindo. — Cavalgamos com o mal, agora, Mat. Tome cuidado.

O rapaz exibia aquele sorriso estranho outra vez, enquanto observava os carroções se arrastando.

— Acha que esse Kadere é mau?

— É um homem perigoso, Mat, os olhos sempre denunciam, mas quem é que pode dizer? Porém, que motivo eu tenho para me preocupar, com Moiraine e as Sábias olhando por mim? E não podemos nos esquecer de Lanfear. Será que algum homem já esteve sob olhares tão atentos? — De súbito, Rand se endireitou na sela. — Começou — murmurou ele. — Eu queria ter a sua sorte, Mat. Começou, e agora não dá para voltar atrás, não importa para que lado a espada caia. — Assentindo para si mesmo, ele arrancou com o cavalo sarapintado atrás de Rhuarc. Aviendha foi trotando ao lado, e os cem Jindo seguiram atrás.

Mat ficou bastante satisfeito em ir também. Melhor do que ser deixado ali, sem dúvida. O sol queimava no alto de um céu azul e cruel. Ainda havia um longo caminho pela frente até o pôr do sol. Tinha começado? O que ele queria dizer com isso? Tinha começado em Rhuidean. Ou melhor, em Campo de Emond, na Noite Invernal, um ano antes. “Cavalgando com o mal” e “não dá para voltar atrás”? E Lanfear? Rand estava caminhando no fio da navalha, agora. Sem sombra de dúvida. Tinha de haver um jeito de sair do Deserto antes que fosse tarde demais. De tempos em tempos, Mat examinava os carroções dos mascates. Antes que fosse tarde demais. Isso se já não fosse.

37

A Parada de Imre

O sol ainda estava alto no horizonte irregular a oeste quando Rhuarc informou que a Parada de Stand, onde pretendia passar a noite, estava a cerca de apenas uma milha.

— Por que já estamos parando? — perguntou Rand. — Ainda faltam horas para escurecer.

Foi Aviendha, caminhando ao lado de Jeade’en, do lado oposto ao chefe de clã, quem respondeu, no tom zombeteiro que ele esperava:

— Tem água na Parada Imre. É melhor acampar perto d’água, quando há oportunidade.

— E os carroções dos mascates não vão aguentar avançar muito mais — acrescentou Rhuarc. — Eles precisam parar quando as sombras se alongam, senão começam a quebrar as rodas e as pernas das mulas. Não quero deixá-los para trás. Não tenho como destacar homens para cuidar deles, e Couladin tem gente de sobra.

Rand se remexeu na sela. Agora flanqueados pelos Duadhe Mahdi’in dos Jindo, os Buscadores das Águas, os carroções seguiam, pesados, algumas centenas de passadas ao lado, balançando e levantando uma cortina alta de poeira amarelada. A maioria dos fossos era muito funda ou tinha paredões íngremes demais, forçando os condutores a contorná-los, por isso o comboio se contorcia feito uma cobra bêbada. Xingamentos eram ouvidos por toda a fileira vacilante, a maioria culpando as mulas pela coisa toda. Kadere e Keille ainda estavam em seus carroções pintados de branco.

— Não — disse Rand — você não quer mesmo fazer isso.

Ele riu baixinho, a contragosto.

Mat o encarava de um jeito estranho por sob a aba larga do novo chapéu. Rand abriu o que esperava ser um sorriso reconfortante, mas a expressão do rapaz não se alterou. Ele vai ter de se cuidar sozinho, pensou Rand. Tem coisa demais acontecendo.

Por falar em cuidar… Deu-se conta de que Aviendha, com o xale enrolado na cabeça feito uma shoufa, o observava com atenção. Endireitou-se outra vez. Moiraine decerto a mandara para pajeá-lo, mas ele tinha a impressão de que a mulher estava esperando para vê-lo cair. Sem dúvida acharia engraçado se isso acontecesse, dado o humor dos Aiel. Queria pensar que ela apenas se ressentia por ter sido enfiada em um vestido e mandada para vigiá-lo, mas o brilho raivoso em seus olhos parecia ter uma motivação pessoal demais para isso.

Pela primeira vez, Moiraine e as Sábias não estavam observando Rand. A meio caminho entre os Jindo e os Shaido, Moiraine e Egwene caminhavam com Amys e as outras, todas as seis encarando algo que a Aes Sedai trazia nas mãos. O objeto captava a luz do sol poente e cintilava feito uma pedra preciosa. As mulheres de fato pareciam concentradas, como qualquer garota admirando uma bela joia. Lan cavalgava ao fundo, entre os gai’shain e os cavalos de carga, como se as mulheres o tivessem dispensado.

A cena deixou Rand incomodado. Já estava acostumado a ser o centro das atenções daquele grupo. O que teriam encontrado de mais interessante? Sem dúvida nada que fosse deixá-lo feliz, não com Moiraine envolvida, e decerto não com Amys ou as outras. Todas tinham planos para ele. Egwene era a única em quem ele confiava de verdade. Luz, espero que eu ainda possa confiar nela. A única pessoa em quem ele de fato podia confiar era em si mesmo. Quando aparece o javali, é só você e a sua lança. Dessa vez, a risada teve um toque de amargor.