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Muretas baixas cercavam cada uma das mesas, formando pequenas ilhas pelos azulejos verdes e dourados. As muretas eram cobertas de entalhes delicados como renda, o que permitia ver por trás delas, impedindo assim que algum bisbilhoteiro escutasse sem ser visto, e tinham altura apenas o suficiente para ocultar os ocupantes da mesa de eventuais olhares dos passantes. Ainda assim, a clientela em geral permanecia mascarada, sobretudo nos últimos tempos, e alguns sentavam-se à mesa com um guarda-costas — também mascarado para evitar ser reconhecido, se o cliente fosse prudente, e sem língua, pelo que diziam os rumores, em nome de uma prudência ainda maior. Nenhum guarda estava visivelmente armado. A proprietária do Jardim das Brisas de Prata, uma mulher insinuante de idade indeterminada que se chamava Selindrin, não permitia a entrada de armas. A regra não era quebrada, ao menos não abertamente.

De sua mesa habitual, junto à balaustrada, Egeanin observava os navios no ancoradouro, especialmente os que estavam em movimento. Vê-los lhe dava vontade de estar em um convés, bradando ordens. A mulher jamais esperara que o dever a levasse àquele ponto.

Distraída, ajustou a máscara de veludo que encobria a metade superior do rosto. Sentia-se ridícula usando aquela coisa, mas era um acessório essencial para se misturar, até certo ponto. A máscara azul, para combinar com o vestido de seda de gola alta, o próprio vestido e os cabelos escuros, agora na altura dos ombros, eram o máximo de mudança que ela podia se forçar a assumir. Passar-se por taraboniana era desnecessário, pois Tanchico estava entupida de refugiados, boa parte estrangeiros varridos pelos conflitos. E, de todo modo, era mais do que conseguiria fazer. Aquelas pessoas eram animais; não tinham disciplina, nem ordem.

Pesarosa, Egeanin virou-se do ancoradouro para seu companheiro de mesa, um sujeito de rosto fino e sorriso ambicioso e dissimulado. O colarinho puído de Floran Gelb destoava do Jardim das Brisas de Prata, e ele não parava de secar as mãos no casaco. A mulher sempre marcava de encontrar ali os sujeitinhos ensebados com quem era forçada a lidar. Era uma recompensa para eles, além de um meio de desestabilizá-los.

— O que o senhor tem para mim, Mestre Gelb?

O homem secou as mãos mais uma vez, ergueu uma bolsa de juta tosca sobre a mesa e a encarou, ansioso. Egeanin depositou a bolsa a seu lado antes de abri-la. Dentro havia um a’dam de metal prateado, coleira e bracelete unidos por uma corrente de encaixes finos e bem-trabalhados. Ela fechou a bolsa e depositou-a no chão. Com esse, Gelb já recuperara três. Mais do que qualquer outro.

— Muito bem, Mestre Gelb. — Uma pequena bolsa cruzou a mesa no outro sentido, e o homem a fez desaparecer por baixo do casaco como se ela contivesse a coroa da Imperatriz, em vez de um punhado de prata. — O senhor tem mais alguma coisa?

— As mulheres. Essas que a senhora quer que eu procure? — Egeanin já estava acostumada com a fala rápida daquela gente, mas gostaria que o homem parasse de passar a língua nos lábios daquele jeito. Não prejudicava a compreensão, mas era desagradável.

Quase disse ao homem que não estava mais interessada. Mas era um dos motivos pelos quais estava em Tanchico, afinal. Talvez agora fosse o único.

— O que tem elas? — Bastou notar que estava pensando em se esquivar de suas obrigações para começar a falar com mais dureza do que pretendia, e Gelb se encolheu.

— Eu… eu acho que encontrei mais uma.

— Tem certeza? Já tivemos alguns… erros.

“Erros” era pouco. As quase doze mulheres que se pareciam vagamente com as descrições haviam se mostrado estorvos que ela dispensou assim que pôs os olhos em cada uma. Exceto aquela nobre, refugiada de propriedades incendiadas na guerra. Gelb sequestrara a mulher na rua, pensando que ganharia mais por entregá-la do que se revelasse sua localização. Em defesa dele, Lady Leilwin era muitíssimo parecida com uma das mulheres que Egeanin buscava, mas ela já especificara que as procuradas não tinham qualquer sotaque familiar e decerto não teriam sotaque taraboniano. Egeanin não queria matar a mulher, mas até em Tanchico alguém poderia dar ouvidos à história dela. Leilwin fora amarrada, amordaçada e posta em um dos barcos mensageiros na calada da noite — era jovem e bonita, e alguém encontraria melhor uso para ela do que um talho na garganta. Ainda assim, Egeanin não estava em Tanchico para encontrar serviçais para o Sangue.

— Nada de erros, Senhora Elidar — respondeu o homem, mais do que depressa, abrindo aquele sorriso cheio de dentes. — Não desta vez. Mas… preciso de um pouco de ouro. Para ter certeza. Para me aproximar. Quatro ou cinco coroas?

— Eu pago por resultados — retrucou Egeanin, com firmeza. — Depois dos seus… erros, o senhor tem sorte de receber qualquer pagamento meu.

Gelb passou a língua nos lábios, nervoso.

— A senhora disse… Logo quando começamos, a senhora disse que daria umas moedas para quem fizesse trabalhos especiais. — Um músculo da face do homem estremeceu, e seus olhos corriam de um lado a outro, como se alguém pudesse estar escutando a conversa por trás da parede rendada que rodeava três lados da mesa. Ele baixou a voz a um sussurro rouco. — Cavucar problemas, por assim dizer? Um sujeito que é camareiro de Lorde Brys me contou um boato sobre a Assembleia e a escolha da nova Panarca. Acho que deve ser verdade. O homem estava bêbado, e, quando percebeu o que tinha dito, quase se borrou todo. Mesmo que não seja verdade, arrasaria Tanchico inteira.

— O senhor acha mesmo que há necessidade de arrumar problemas nessa cidade? — Tanchico era um jambo podre, prestes a desabar ao primeiro vento. Toda aquela terra miserável era igual. Por um instante, Egeanin ficou tentada a acreditar no tal “boato”. Sua tarefa era negociar qualquer mercadoria ou informação que surgisse, e ela até vendera algumas, por ali. Mas lidar com Gelb a deixava enojada. E suas próprias dúvidas a amedrontavam. — Basta, Mestre Gelb. O senhor sabe como me contatar, caso encontre outra dessas. — Ela tocou o saco de tecido rústico.

Em vez de se levantar, o homem ficou sentado a encará-la, tentando ver por sob a máscara.

— De onde a senhora é, Senhora Elidar? Seu jeito de falar, todo suave e arrastado… peço perdão, não quero ofender… não consigo identificar o sotaque.

— Basta, Gelb.

Talvez fosse a voz de convés, ou talvez a máscara não tivesse escondido bem seu olhar frio, mas Gelb deu um salto, curvando-se em mesuras e gaguejando desculpas enquanto abria, desajeitado, a porta na parede rendada.

Egeanin ficou ali, sentada, depois que o homem foi embora, dando tempo para que ele saísse do Jardim das Brisas de Prata. Alguém o acompanharia até o lado de fora, para ter certeza de que ele não estava esperando para segui-la. Toda essa história de se esgueirar e se esconder a enojava. Egeanin quase desejava que algo acabasse com seu disfarce e a brindasse com um embate cara a cara.

Um novo navio deslizava pelo ancoradouro abaixo, um forcador do Povo do Mar com mastros imponentes e nuvens de vela. Ela já tinha examinado o modelo do barco, quando capturaram um. Teria dado quase qualquer coisa para dar uma volta em um forcador, embora imaginasse que seria preciso ter uma tripulação do Povo do Mar para guiar o navio. Os Atha’an Miere eram teimosos na hora de fazer os juramentos, e não seria a mesma coisa se ela tivesse que comprar uma tripulação. Comprar uma tripulação, que ideia! A quantidade de ouro que chegava para ela pelos barcos mensageiros estava lhe subindo à cabeça.