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Egeanin pegou a bolsa de juta e começou a se levantar, depois sentou-se apressada ao ver um homem grande e de ombros largos deixando outra mesa. Os cabelos escuros na altura dos ombros e uma barba que deixava seu lábio superior descoberto emolduravam o rosto redondo de Bayle Domon. Ele não estava mascarado, naturalmente. O homem liderava uma dúzia de embarcações costeiras que entravam e saíam de Tanchico e parecia não se importar com quem soubesse onde ele estava. A máscara. Egeanin não estava em seu juízo perfeito. Domon não a reconheceria por trás de uma máscara. Ainda assim, ficou esperando ele ir embora para deixar a mesa. Talvez ainda tivesse de lidar com Domon, se o homem se tornasse uma ameaça.

Selindrin aceitou o ouro oferecido com um sorriso insinuante e murmurou votos de poder recebê-la novamente. De cabelos escuros presos em dezenas de trancinhas, a proprietária do Jardim das Brisas de Prata usava uma seda branca colada ao corpo, quase fina o bastante para uma serviçal, e um daqueles véus transparentes que sempre deixavam Egeanin com vontade de perguntar às tarabonianas que danças elas apresentavam. As Dançarinas do Shea usavam véus quase idênticos e pouca coisa mais. Ainda assim a mulher era sagaz, pensou Egeanin, enquanto avançava em direção à rua. Do contrário, não teria conseguido circular em meio aos cardumes de Tanchico, servindo a cada facção sem ganhar a inimizade de nenhuma.

Um bom lembrete disso era o homem alto em um manto branco, grisalho nas têmporas, mas de rosto e olhos severos, que passou por Egeanin e foi cumprimentado por Selindrin. O manto de Jaichim Carridin ostentava um raio de sol dourado no peito, com três nós dourados embaixo e uma bengala carmesim atrás. Inquisidor da Mão da Luz, alto oficial dos Filhos da Luz. O mero conceito dos Filhos era um ultraje para Egeanin: um corpo militar que respondia apenas a si próprio. Mas Carridin e suas poucas centenas de soldados detinham certa influência em Tanchico, onde na maior parte do tempo parecia haver um vácuo de poder. A Guarda Civil já não patrulhava as ruas, e o exército — por mais que ainda fosse leal ao Rei — estava muito ocupado protegendo as fortalezas ao redor da cidade. Egeanin percebeu que Selindrin sequer olhou para a espada na cintura de Carridin. O homem definitivamente era poderoso.

Assim que pôs os pés na rua, os carregadores vieram correndo com sua cadeira do meio do grupo que aguardava os clientes, e os guarda-costas se fecharam em torno dela com as lanças. Eram um grupo desarmônico, alguns de elmos toscos, três usando camisas de couro costuradas com escamas de aço. Eram homens de rostos duros, possíveis desertores do exército, mas cientes de que a barriga cheia e a prata para gastar dependiam da segurança contínua da mulher. Até os carregadores da cadeira portavam facas robustas e porretes presos aos cinturões. Ninguém que parecesse ter dinheiro ousava sair às ruas sem guardas. De qualquer modo, se ela se desse ao trabalho de arriscar, apenas atrairia atenção para si mesma.

Os guardas forçaram caminho pela multidão sem problemas. O povo circulava pelas ruas estreitas que entrelaçavam as colinas da cidade, fazendo amplos desvios ao redor das liteiras cercadas por guarda-costas. Havia poucas carruagens à vista. Cavalos estavam se tornando uma extravagância.

Surrada era a única descrição adequada para a massa fervilhante — surrada e frenética. Rostos surrados, roupas surradas e olhos muito brilhantes e frenéticos, desesperados, esperançosos, mesmo sabendo que não havia esperança. Muitos estavam resignados, agachados e encostados nas paredes, aninhados nos batentes das portas, agarrados às esposas, aos maridos, às crianças. Não apenas surrados, mas esfarrapados e inexpressivos. Às vezes, erguiam-se o bastante para pedir a algum passante por uma moeda, um pedaço de pão, qualquer coisa.

Egeanin manteve os olhos à frente, confiante de que os guarda-costas detectariam qualquer perigo. Corresponder ao olhar de um pedinte significava ter vinte deles rodeando sua cadeira, esperançosos. Jogar uma moeda significava cem amontoados, chorando e clamando. Ela já estava usando parte do dinheiro que os barcos mensageiros traziam para bancar uma cozinha que distribuía sopa, como se fosse uma do Sangue. Estremeceu ao pensar o que a descoberta daquela extrapolação de sua posição poderia significar. Bem como pôr um vestido brocado e raspar a cabeça.

Tudo isso poderia ser resolvido sem maiores problemas depois da queda de Tanchico, com todos alimentados, todos postos em seus devidos lugares. E ela poderia abandonar os vestidos e as coisas que não conhecia nem queria conhecer e voltar para seu navio. Ao menos Tarabon, e talvez até Arad Doman, estava prestes a desmoronar com um toque, feito seda carbonizada. Por que a Grã-lady Suroth estava se contendo? Por quê?

Jaichim Carridin descansava em sua cadeira, com o manto estendido por sobre os braços definidos, estudando os nobres tarabonianos que ocupavam as outras cadeiras do salão privativo. Eles permaneciam sentados, rígidos, em seus casacos bordados, com as bocas contraídas sob máscaras trabalhadas com capricho para se assemelhar a caras de gaviões, leões e leopardos. Jaichim tinha mais preocupações do que aqueles homens, mas conseguia manter a conduta tranquila. Fazia três meses que recebera a notícia de um primo encontrado esfolado vivo na própria cama, e dois desde que sua irmã mais nova, Dealda, fora levada de sua festa de casamento por um Myrddraal. O camareiro da família escrevera, incrédulo, assustado com toda a tragédia que se abatia sobre a Casa Carridin. Dois meses. Desejava que Dealda tivesse recebido a sorte de uma morte rápida. Diziam que as mulheres não mantinham a sanidade por muito tempo, nas mãos dos Myrddraal. Dois meses inteiros. Qualquer outro que não fosse Jaichim Carridin estaria suando sangue.

Cada homem segurava um cálice dourado de vinho, mas não havia serviçais presentes. Selindrin servira os homens antes de se retirar, garantindo que eles não seriam incomodados. De fato, não havia mais ninguém ali, no andar mais alto do Jardim das Brisas de Prata. Dois homens que tinham vindo acompanhar os nobres — integrantes da Guarda do Rei, a menos que Carridin estivesse enganado — permaneciam postados ao pé da escada para assegurar que a privacidade não fosse perturbada.

Carridin bebericou o vinho. Nenhum dos tarabonianos tocara nas taças.

— Então — murmurou — o Rei Andric deseja que os Filhos da Luz ajudem a restaurar a ordem na cidade. Não é sempre que nos deixamos envolver nas questões internas de uma nação. — Ao que ele sabia, pelo menos, não abertamente. — Sem dúvida não consigo me lembrar de tal pedido. Não sei o que o Senhor Capitão Comandante vai dizer. — Pedron Niall diria que fizessem o necessário, que se certificassem de que os tarabonianos soubessem que estavam em dívida com os Filhos e de que a dívida fosse paga integralmente.

— Não há tempo para o senhor pedir instruções a Amador — disse um homem de máscara negra com estampa de leopardo, em tom de urgência. Ninguém se apresentara, mas Carridin não precisava que o fizessem.

— O que pedimos é necessário — completou outro, bruscamente. Dava para ver um bigode grosso por baixo da máscara de gavião, conferindo-lhe o aspecto de uma estranha coruja. — Você precisa entender que não estaríamos fazendo este pedido se não fosse de extrema necessidade. Precisamos de mais unidade, não de mais desunião, sim? Há muitos elementos que causam divisão, mesmo dentro de Tanchico. Eles precisam ser suprimidos, se quisermos que haja a menor esperança de impor a paz no campo.

— A morte da Panarca dificultou ainda mais a questão — acrescentou o primeiro sujeito.

Carridin ergueu uma sobrancelha, em dúvida.

— Já descobriram quem a matou?

Ele próprio supunha que Andric fosse o responsável, acreditando que a Panarca estivesse dando vantagens a um dos rebeldes requerentes ao trono. Talvez o Rei estivesse certo, mas Carridin descobrira, depois de convocar o máximo possível da Assembleia de Lordes — um bom número estava no campo com algum dos grupos de rebeldes — que a alta sociedade estava bastante reticente em ratificar a decisão do Rei. Mesmo que Lady Amathera não estivesse dividindo a cama com Andric, a eleição do Rei e da Panarca era o único poder real que a Assembleia possuía, e os nobres não pareciam querer abrir mão disso. As dificuldades em relação a Lady Amathera não deveriam vir à tona. Até a Assembleia percebia que a notícia poderia desencadear motins.