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— Fogo devastador. — Asne olhou em volta, os olhos escuros desafiadores. — O fogo devastador pode destruir mesmo um dos Abandonados. E temos como produzi-lo.

Um dos ter’angreal que haviam levado da Torre, uma barra preta pregueada de um passo de comprimento, possuía esse fim. Nenhuma delas sabia por que haviam recebido ordem para levá-lo, nem mesmo Liandrin. Estavam às cegas com muitos dos ter’angreal: haviam recebido ordens de levá-los sem qualquer razão aparente, mas certas ordens tinham de ser cumpridas. Liandrin desejou que tivessem conseguido ficar com pelo menos um dos angreal.

Jeaine fungou alto, com desdém.

— Isso se alguma de nós conseguir controlá-lo. Ou você já se esqueceu de que eu quase morri na única vez em que nos atrevemos a tentar? Isso sem falar no buraco dos dois lados do navio, que foi aberto antes que eu conseguisse controlar o incêndio? Teria sido uma beleza se a gente naufragasse antes de chegar em Tanchico.

— Que necessidade temos de usar fogo devastador? — perguntou Liandrin. — Se conseguirmos controlar o Dragão Renascido, poderemos deixar os Abandonados pensando em como vão lidar conosco. — De repente ela notou mais uma presença na sala. Era a tal Gyldin, esfregando uma cadeira entalhada e de espaldar baixo, em um canto. — O que está fazendo aqui, mulher?

— Limpando. — A mulher de tranças escuras se endireitou, displicente. — A senhora me mandou limpar.

Liandrin quase a atacou com o Poder. Quase. Mas Gyldin decerto não sabia que elas eram Aes Sedai. O que a mulher teria ouvido? Nada de importante.

— Vá até o cozinheiro — mandou, com a voz gélida — e mande o homem bater em você. Bem forte! E vai ficar sem comer até limpar toda essa poeira. — Mais uma vez a mulher a fizera falar feito uma plebeia.

Marillin se levantou, encostando o nariz do gato amarelo no dela, e entregou a criatura a Gyldin.

— Dê a ele uma tigela de nata, depois que o cozinheiro terminar com você. E um pouco daquele cordeiro gostoso. Corte em pedaços pequenos, não restaram muitos dentes no bichano, pobrezinho. — Gyldin encarou a mulher sem piscar, e ela acrescentou: — Alguma coisa que você não tenha entendido?

— Eu entendi. — Gyldin apertou os lábios. Talvez enfim tivesse entendido que era uma servente, não uma igual.

Liandrin aguardou um instante depois que a mulher se retirou com o gato aninhado nos braços, então abriu uma das portas com violência. O corredor estava vazio. Gyldin não estava bisbilhotando. Não confiava na mulher, por outro lado, não conseguia pensar em alguém em quem de fato confiasse.

— Precisamos nos ocupar de nossas ocupações — disse com firmeza, fechando a porta. — Eldrith, encontrou mais alguma pista nessas páginas? Eldrith?

A mulher roliça levou um susto, depois olhou em volta, piscando. Era a primeira vez que erguia a cabeça do manuscrito amarelo surrado, e parecia surpresa em ver Liandrin.

— O quê? Pista? Ah. Não. Já é uma dificuldade entrar na Biblioteca do Rei, se eu arrancasse uma mísera página, as bibliotecárias perceberiam na hora. Mas, se me livrasse delas, nunca encontraria nada. Aquele lugar é um labirinto. Não, encontrei isso com um livreiro perto do Palácio do Rei. É um tratado interessante sobre…

Abraçando saidar, Liandrin soprou as folhas para longe, espalhando-as pelo chão.

— A não ser que seja um tratado sobre como controlar Rand al’Thor, deixe que queime! O que foi que você descobriu sobre o que estamos buscando?

Eldrith fitou os papéis espalhados.

— Bom, está no Palácio da Panarca.

— Você descobriu isso dois dias atrás.

— E deve ser um ter’angreal. Controlar alguém capaz de canalizar requer o uso do Poder e, como é um uso especializado, isso significa que deve ser um ter’angreal. Deve estar na sala de exposições, ou talvez com a coleção da Panarca.

— Alguma novidade, Eldrith. — Com esforço, Liandrin impostou a voz em um tom menos estridente. — Encontrou alguma novidade? Qualquer uma?

A mulher de rosto redondo piscou, indecisa.

— Na verdade… não.

— Não importa — interveio Marillin. — Daqui a poucos dias, quando tiverem empossado sua preciosa Panarca, poderemos dar início à nossa busca, e encontraremos o ter’angreal, nem que tenhamos de vasculhar cada castiçal. Estamos muito perto, Liandrin. Prenderemos Rand al’Thor em uma coleira e o ensinaremos a sentar e a rolar.

— Ah, sim — concordou Eldrith, com um sorriso contente. — Numa coleira.

Liandrin torcia para que conseguissem. Estava cansada de esperar, cansada de se esconder. Que o mundo soubesse de uma vez quem ela era. Que o povo se ajoelhasse, como fora prometido quando trocou os juramentos antigos pelos novos.

Egeanin percebeu que não estava sozinha assim que pôs os pés na cozinha da pequena casa, mas largou a máscara e a bolsa de juta sobre a mesa e caminhou até um balde d’água que jazia ao lado da lareira de tijolos. Quando se agachou para apanhar a concha de cobre, a mão direita passou depressa por um buraco fundo atrás do balde, onde dois tijolos haviam sido removidos. Ela deu um giro e se levantou com uma pequena besta nas mãos. Tinha não mais do que um pé de comprimento e pouco poder ou alcance, mas Egeanin sempre a mantinha preparada, e o pequeno borratão na ponta da lâmina afiada era suficiente para matar em um piscar de olhos.

Se o homem encostado displicentemente à parede do canto notara a besta, não deu sinal. Tinha cabelos claros e olhos escuros, era de meia-idade e bem-apessoado, embora muito magro para o gosto dela. Estava claro que a vira cruzar o pátio estreito até a janela com grades de ferro a seu lado.

— Me considera uma ameaça? — indagou o homem, depois de um instante.

Egeanin reconheceu o sotaque familiar de sua terra natal, mas não baixou a arma.

— Quem é você?

Como resposta, o homem enfiou dois dedos na bolsa do cinto, com muito cuidado — pareceu finalmente ter visto a arma — e retirou um objeto pequeno e liso. Ela fez um gesto para que ele o deixasse sobre a mesa e se afastasse outra vez.

Somente depois que o homem já estava de volta no canto foi que ela se aproximou para pegar o que ele deixara. Sem tirar os olhos nem a besta da direção dele, ergueu o objeto para ver melhor. Uma pequena placa de marfim com bordas de ouro e um corvo e uma torre gravados. Os olhos do corvo eram safiras negras. Um corvo, símbolo da família Imperial. Era a Torre dos Corvos, símbolo da justiça Imperial.

— Em geral isso seria suficiente — disse ela ao homem — mas estamos bem longe de Seanchan, em uma terra onde o bizarro é quase lugar-comum. Que outra prova o senhor pode oferecer?

Com um sorriso silencioso que revelava seu divertimento, o homem retirou o casaco, desamarrou o laço da camisa e a despiu. Em cada ombro havia uma tatuagem do corvo e da torre.

A maioria dos Inquiridores da Verdade ostentava corvos e a torre, mas nem mesmo alguém que ousasse roubar uma placa de Inquiridor marcaria o próprio corpo daquela forma. Usar os corvos significava marcar-se como propriedade da família Imperial. Havia uma antiga história sobre dois jovens tolos, um lorde e uma lady, que ficaram muito bêbados e se tatuaram, uns trezentos anos antes. Quando a Imperatriz soube, mandou levar os dois até a Corte das Nove Luas e os pôs para esfregar o chão. Esse sujeito talvez fosse um de seus descendentes. A marca do corvo era para sempre.

— Peço desculpas, Inquiridor — disse a mulher, abaixando a besta. — Por que está aqui?

Não perguntou o nome do homem; qualquer que ele fornecesse poderia ou não ser o verdadeiro.

Ele deixou a mulher segurando a placa enquanto vestia a blusa, bem devagar. Um lembrete sutil. Egeanin era capitã, e ele era propriedade, mas também era um Inquiridor, e, aos olhos da lei, tinha autoridade para mandá-la para interrogatório. Aos olhos da lei, tinha o direito de mandá-la comprar a corda para se amarrar para interrogá-la ali mesmo, e ficaria esperando que ela retornasse com a encomenda. Fugir de um Inquiridor era crime. Recusar-se a cooperar com um Inquiridor era crime. Egeanin nunca cogitara cometer um crime, não mais do que cogitara trair o Trono de Cristal. Porém, se o homem fizesse as perguntas erradas, se exigisse as respostas erradas… a besta ainda estava ao alcance de suas mãos, e Cantorin estava bem longe. Ideias loucas. Ideias perigosas.