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— Eu sirvo à Grã-lady Suroth e à Corenne, pela Imperatriz — anunciou ele. — Estou conferindo o progresso dos agentes que a Grã-lady designou para atuar nestas terras.

Conferindo? O que havia para ser conferido, ainda mais por um Inquiridor?

— Os barcos mensageiros não trouxeram notícias de sua vinda.

O sorriso do homem se alargou, e Egeanin corou. Óbvio que as tripulações não falariam sobre um Inquiridor. Mesmo assim ele respondeu, enquanto amarrava a camisa.

— Os barcos mensageiros não devem ser postos em risco com minhas viagens. Pedi passagem nas embarcações de um contrabandista local, um homem chamado Bayle Domon. O navio dele para em todos os pontos de Tarabon e Arad Doman, e também entre os dois lugares.

— Ouvi falar desse homem — respondeu ela, calma. — Foi tudo bem?

— Agora está tudo bem. Fico feliz por você, ao menos, ter entendido suas instruções corretamente. Entre os outros, apenas os Inquiridores foram capazes de entendê-las. É uma pena que não haja mais Inquiridores com a Hailene. — O homem ajeitou o casaco nos ombros, então tomou a placa de Inquiridor das mãos de Egeanin. — Houve certo constrangimento em relação ao retorno das sul’dam desertoras. Tais deserções não devem se tornar do conhecimento de todos. É melhor que essas mulheres tenham simplesmente desaparecido.

Ela só conseguiu manter a expressão plácida porque teve um pouco de tempo para pensar. Sul’dam haviam sido deixadas para trás no fiasco de Falme, pelo que ouvira dizer. Algumas deviam ter desertado. A instrução, dada pela Grã-lady Suroth em pessoa, fora a de enviar de volta todas as que fossem encontradas, quisessem elas ou não, ou, caso não fosse possível, livrar-se delas. O que parecera apenas uma alternativa em último caso. Até agora.

— Lamento que estas terras não conheçam kaf — comentou o homem, tomando um lugar à mesa. — Mesmo em Cantorin, só o Sangue ainda toma kaf. Pelo menos a situação estava assim, quando fui embora. Talvez alguns navios de suprimentos tenham chegado de Seanchan. Mas chá está de bom tamanho. Faça um chá para mim.

Egeanin quase o derrubou da cadeira. O homem era propriedade. E Inquiridor. Ela coou o chá. Então serviu-o, permanecendo com o bule ao lado da cadeira para manter a xícara cheia. Ficou surpresa por ele não tê-la mandado pôr um véu e dançar em cima da mesa.

Enfim obteve permissão para se sentar, depois de apanhar pena, tinta e papel. Isso foi apenas para rascunhar mapas de Tanchico e suas defesas, desenhar todas as aldeias e cidades sobre as quais não sabia muita coisa. Listou as mais diversas forças no campo, enunciando o quanto sabia sobre seu tamanho e lealdade e o que deduzira de sua ordenação.

Quando Egeanin terminou, o homem enfiou tudo no bolso, mandou-a enviar o conteúdo do saco de juta no próximo barco mensageiro e saiu dando um daqueles sorrisos satisfeitos, dizendo que talvez conferisse o progresso dela dentro de algumas semanas.

Egeanin permaneceu sentada durante um bom tempo depois da saída do Inquiridor. Cada mapa que rascunhara e cada lista que fizera eram cópias de papéis enviados havia muito por barcos mensageiros. Mandá-la fazer tudo de novo sob sua inspeção talvez tivesse sido a punição do homem por ela tê-lo forçado a exibir as tatuagens. Os Guardas da Vigília da Morte exibiam seus corvos, mas era raro os Inquiridores o fazerem. Talvez tivesse sido isso. Pelo menos o homem não tinha descido ao porão antes de ela chegar. Ou será que tinha? Será que estava apenas esperando que ela falasse?

O robusto cadeado de ferro, aparentemente intocado, pendia da porta do corredor logo na saída da cozinha, mas corria à boca miúda que os Inquiridores conseguiam abrir cadeados sem chaves. Egeanin tirou a chave da bolsa do cinto, abriu o cadeado e desceu a escada estreita.

Uma luminária em uma prateleira clareava o porão empoeirado. Apenas quatro paredes de tijolos, sem nada que pudesse auxiliar a fuga. O leve odor vindo do balde de necessidades pairava no ar. Do lado oposto do lampião, uma mulher em um vestido imundo estava sentada, melancólica, sobre alguns cobertores de lã crua. Ela ergueu a cabeça ao ouvir os passos de Egeanin, os olhos escuros cheios de medo e súplica. Tinha sido a primeira sul’dam que ela encontrara. A primeira e única. Egeanin praticamente parou de procurar, depois de encontrar Bethamin. E Bethamin estava naquele porão desde então, enquanto os barcos mensageiros iam e vinham.

— Alguém desceu aqui? — perguntou.

— Não. Ouvi uns passos lá em cima, mas… não. — Bethamin estendeu as mãos para ela. — Por favor, Egeanin. Isso tudo é um engano. Você me conhece há dez anos. Tire essa coisa de mim.

Uma coleira de prata envolvia seu pescoço, ligada por uma grossa corrente a um bracelete que estava preso a um pino alguns pés acima de sua cabeça. Prender a mulher naquilo fora quase um acidente, apenas um meio de contê-la por alguns instantes. Então Bethamin conseguira dar um jeito de derrubar Egeanin, em um movimento brusco, na tentativa de se libertar.

— Se você o trouxer até mim, eu tiro — respondeu Egeanin, cheia de raiva. Sentia raiva de muitas coisas, não de Bethamin. — Traga o a’dam aqui, e eu tiro.

Bethamin estremeceu e deixou as mãos caírem.

— É um engano — sussurrou. — Um engano terrível.

Mas a mulher não fez qualquer movimento em direção ao bracelete. A primeira tentativa de fuga a deixara se contorcendo no chão do andar superior, assolada pela náusea, e Egeanin ficara estupefata.

As Sul’dam controlavam as damane, mulheres capazes de canalizar, com o auxílio do a’dam. Eram as damane que podiam canalizar, não as sul’dam. No entanto, um a’dam só podia controlar uma mulher capaz de canalizar. Nenhuma outra mulher ou homem — os jovens rapazes com essa habilidade eram executados, naturalmente — apenas mulheres capazes de canalizar. As que tinham essa habilidade e eram encolaradas não conseguiam se deslocar mais do que alguns passos sem o bracelete no pulso de uma sul’dam para completar o elo.

Egeanin sentia-se bastante cansada ao subir as escadas e trancar a porta outra vez. Queria um pouco de chá, mas o pouco que o Inquiridor deixara estava frio, e ela não queria fazer mais. Em vez disso, sentou-se e tirou o a’dam de dentro da bolsa de juta. Para ela, era apenas um pedaço de prata muito bem soldada. Não podia usá-lo, e o objeto só podia feri-la caso alguém o usasse para golpeá-la.

O simples fato de se ligar a um a’dam, àquela altura, mesmo sem a capacidade de o objeto controlá-la, era o suficiente para que um arrepio percorresse sua espinha. Mulheres capazes de canalizar eram animais perigosos, não pessoas. Elas é que tinham provocado a Ruptura do Mundo. Tinham de ser controladas, ou transformariam todos em suas propriedades. Fora isso que ela aprendera, o que era ensinado em Seanchan havia mil anos. Era estranho que o mesmo parecesse não ter acontecido por ali. Não. Essa era uma linha de pensamento perigosa e insensata.

Enfiou o a’dam de volta na bolsa e limpou as louças do chá para organizar a mente. Gostava de organização e sentia uma pequena satisfação em manter a cozinha limpa. Antes que reparasse, estava coando um chá para tomar. Não queria pensar em Bethamin, o que também era perigoso e insensato. Sentando-se de volta à mesa, misturou mel a uma xícara do chá mais preto que conseguiu coar. Não era kaf, mas servia.