Em uma floresta repleta de sombras, Moiraine o cutucava com uma vara pontuda, conduzindo-o ao local onde o Trono de Amyrlin aguardava, sentada em um toco, com uma corda nas mãos para enforcá-lo. Silhuetas indistintas deslocavam-se por entre as árvores, meio encobertas, perseguindo-o, caçando-o. Ali o cintilar de uma lâmina de adaga sob a luz falha, acolá a visão de relance das cordas para amarrá-lo. Moiraine, esguia e da altura do ombro de Rand, exibia uma expressão que ele nunca tinha visto. Medo. Suando, ela o cutucou com mais força, tentando apressá-lo até a corda da Amyrlin. Amigos das Trevas e Abandonados nas sombras, a coleira da Torre Branca, e a Aes Sedai Azul atrás dele. Esquivando-se depressa do açoite de Moiraine, ele fugiu.
— Está tarde demais para isso — gritou a mulher atrás dele, mas Rand precisava voltar. Voltar.
Murmurando, ele se agitou violentamente na cama, depois se acalmou e respirou com mais calma por um instante.
Estava na Floresta das Águas, perto de casa, e o sol que passava por entre as árvores salpicava de luz o laguinho diante de si. Havia musgo verde nas pedras, naquela ponta do laguinho, e a trinta passadas de distância, do outro lado, um pequeno arco de flores silvestres. Fora ali que, quando criança, aprendera a nadar.
— Você deveria dar uma nadada agora.
Ele se virou, assustado. Min estava parada ali, sorrindo para ele, usando casaco e calças masculinos. Elayne estava ao lado dela, os cabelos louro-acobreados, em um vestido de seda verde apropriado para o palácio de sua mãe.
Fora Min quem falara, mas Elayne acrescentou:
— A água está convidativa, Rand. Ninguém vai nos incomodar, aqui.
— Não sei — começou a responder, com cautela.
Min o interrompeu entrelaçando os dedos por trás de sua nuca e erguendo-se nas pontas dos pés para beijá-lo.
Ela repetiu as palavras de Elayne em um murmúrio.
— Ninguém vai nos incomodar aqui.
Ela deu um passo atrás e se livrou do casaco, depois atacou os cordões da camisa.
Rand as encarava fixamente, ainda mais depois que percebeu que o vestido de Elayne jazia caído no chão coberto de musgo. A Filha-herdeira estava curvada, os braços entrelaçados, erguendo a barra da roupa de baixo.
— O que estão fazendo? — inquiriu ele, a voz sufocada.
— Estamos nos aprontando para nadar com você — respondeu Min.
Elayne abriu um sorriso e passou a roupa de baixo por cima da cabeça.
Ele virou as costas depressa, embora um tanto sem vontade. Viu-se encarando Egwene, os olhos grandes e escuros da jovem fitando-o com tristeza. Sem uma palavra, ela se virou e desapareceu por entre as árvores.
— Espere! — gritou para ela. — Eu posso explicar.
Rand começou a correr, precisava encontrá-la. Porém, ao chegar na margem das árvores, a voz de Min o interrompeu.
— Não vá, Rand.
Ela e Elayne já estavam dentro da água, só com as cabeças para fora, nadando preguiçosamente do meio do laguinho.
— Volte — chamou Elayne, acenando com o braço esbelto. — Você não acha que merece ter o que deseja, pelo menos uma vez?
Ele revirou os pés, querendo se mover, mas sem saber para que lado seguir. Sem saber o que queria. As palavras soavam estranhas. O que ele queria? Levou uma das mãos ao rosto para limpar o que parecia suor. A carne pustulenta quase apagava a marca da garça em sua palma, osso branco surgia por entre cortes com cantos avermelhados.
Acordou de um pulo, trêmulo, deitado no calor sombrio. As roupas de baixo e os lençóis de linho sob suas costas estavam empapados de suor. A lateral do corpo queimava, bem onde uma antiga ferida nunca cicatrizara direito. Ele localizou a cicatriz tosca, um círculo de quase uma polegada de diâmetro, ainda tenra depois de todo aquele tempo. Nem a Cura Aes Sedai de Moiraine fora capaz de repará-la por completo. Mas eu ainda não estou apodrecendo. Nem estou louco. Ainda não. Ainda não. Isso dizia tudo. Ele queria rir, e se perguntou se aquilo era indicação de que já estava um pouco louco.
Sonhar com Min e Elayne, sonhar com elas daquele jeito… Bem, isso não era loucura, mas sem dúvida era bobagem. Nenhuma das duas olhara para ele daquela forma quando ele estava acordado. Rand fora praticamente prometido a Egwene desde que ambos eram crianças. A promessa de noivado nunca havia sido proferida diante do Círculo das Mulheres, mas todos em Campo de Emond e redondezas sabiam que os dois um dia iriam se casar.
Esse dia jamais chegaria, naturalmente. Não mais, não com o futuro que aguardava um homem capaz de canalizar. Egwene também devia ter percebido isso. Devia. Estava completamente dedicada em se tornar Aes Sedai. Mas as mulheres eram estranhas, ela poderia achar que era possível ser Aes Sedai e se casar com ele mesmo assim, canalizando ou não. Como diria a ela que não queria mais, que a amava como uma irmã? Mas tinha certeza de que não haveria necessidade de dizer isso a ela. Podia se esconder atrás do que era. Egwene teria que compreender. Que homem poderia pedir uma mulher em casamento sabendo que teria apenas mais alguns anos pela frente, com sorte, até começar a enlouquecer, até começar a apodrecer vivo? Apesar do calor, Rand estremeceu.
Preciso dormir. Os Grão-lordes voltariam pela manhã, tentando manipulá-lo para ganhar seu favor. O favor do Dragão Renascido. Talvez eu não sonhe desta vez. Ele começou a rolar, buscando um ponto seco entre os lençóis — e congelou, escutando pequenos ruídos na escuridão. Não estava sozinho.
A Espada Que Não É Espada estava do outro lado do quarto, fora de seu alcance, em um assento parecido com um trono que os Grão-lordes tinham dado a ele, sem dúvida na esperança de que mantivesse Callandor fora de suas vistas. Alguém quer roubar Callandor. Um segundo pensamento surgiu. Ou matar o Dragão Renascido. Ele não precisava dos sussurros de advertência de Thom para saber que os votos de lealdade infinita dos Grão-lordes eram apenas proferidos por necessidade.
Rand se esvaziou de pensamentos e emoções e aceitou o Vazio, não foi preciso muito esforço. Flutuando na fria vastidão de si mesmo, pensamentos e emoções deixados do lado de fora, tentou alcançar a Fonte Verdadeira. Dessa vez, tocou-a com facilidade, o que nem sempre era o caso.
Saidin o preencheu como uma torrente de luz e calor branco, enchendo-o de vida, deixando-o doente com a imundície da mácula do Tenebroso, como espuma de esgoto boiando em águas puras e doces. A torrente ameaçava arrastá-lo, consumi-lo, tragá-lo.
Lutando contra a torrente, Rand a controlou com pura força de vontade e rolou da cama, canalizando o Poder enquanto se erguia na postura inicial da forma da espada chamada Macieira Floresce ao Vento. Os inimigos não deviam estar em grande número, ou teriam feito muito mais barulho. A forma, de nome tão suave, era usada contra mais de um oponente.
Quando seus pés tocaram o carpete, uma espada surgiu em suas mãos, de cabo longo e lâmina levemente curva, de apenas um gume. Parecia formada de chamas, mas sequer estava quente. A silhueta de uma garça preta era visível no amarelo-avermelhado da lâmina. No mesmo instante, cada vela e lanterna dourada se acendeu, e os pequenos espelhos atrás delas expandiram a iluminação. Os espelhos mais largos nas paredes e os dois espelhos de pé refletiam a luz ainda mais longe, até chegar ao ponto em que ele seria capaz de ler sem problemas em qualquer ponto do quarto enorme.
Callandor jazia, imperturbada, uma espada que parecia ser toda de vidro, cabo e lâmina, sobre um suporte de madeira alto e largo como um homem, com entalhes ornamentais dourados, cravado de pedras preciosas. A mobília também era toda dourada e cravejada de pedras preciosas, cama, cadeiras, bancos, guarda-roupas, baús e lavatório. Jarro e vaso eram de porcelana dourada do Povo do Mar, fina como folha. O enorme carpete taraboniano com arabescos vermelhos, dourados e azuis custava o bastante para alimentar uma aldeia inteira por meses. Quase todas as superfícies lisas continham mais delicadas porcelanas do Povo do Mar, assim como cálices, vasos e adornos de ouro trabalhado em prata ou de prata biselada com ouro. Na ampla cornija de mármore da lareira, dois lobos de prata com olhos de rubi tentavam abater um veado dourado de cerca de três pés de altura. Cortinas de seda vermelha com águias bordadas em fios de ouro pendiam das janelas estreitas, balançando de leve com a brisa. Livros preenchiam todo o espaço possível, encadernados em couro ou madeira, alguns esfarrapados e ainda com a poeira das mais recônditas prateleiras da biblioteca da Pedra.