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Ao lado da estrada, atrás das estacas, havia uma geringonça feita de madeira e uma corda grossa retorcida e, bem perto, uma pilha de pedras maiores que uma cabeça humana. Ihvon percebeu a cara fechada de Perrin, enquanto se aproximavam.

— Catapultas — comentou o Guardião. — Já são seis. Seus carpinteiros souberam o que fazer, quando Tomas e eu mostramos como eram as máquinas. As estacas impedirão a investida dos Trollocs ou dos Mantos-brancos, qualquer um dos dois. — Pelo tom, o homem poderia estar falando sobre a possibilidade de mais chuvas.

— Eu disse que sua aldeia estava se preparando para se defender sozinha. — Faile soava firme e orgulhosa, como se a aldeia fosse dela. — Um povo forte, para uma terra tão branda. Quase poderiam ser de Saldaea. Moiraine sempre disse que o sangue de Manetheren ainda corre forte por aqui.

Perrin só conseguiu balançar a cabeça.

As ruas de terra batida estavam quase apinhadas o bastante para uma cidade, os espaços entre as casas, repletos de carros e carroções. Dava para ver ainda mais gente atrás das portas abertas e janelas sem cortinas. A multidão abriu espaço para Ihvon e os Aiel, e murmúrios e sussurros os acompanharam pela rua.

— É Perrin Olhos-Dourados.

— Perrin Olhos-Dourados.

Queria que o povo não fizesse aquilo. Aquela gente o conhecia, ao menos alguns deles. O que pensavam que estavam fazendo? Lá estava Neysa Ayellin, com sua cara de cavalo, que lhe dera umas palmadas no bumbum aos dez anos de idade, naquela vez em que Mat o convencera a roubar uma de suas tortas de groselha. E Cilia Cole, com bochechas rosadas e olhos grandes, a primeira garota que beijara, ainda roliça e atraente. E Pel Aydaer, com seu cachimbo e sua cabeça careca, que ensinara Perrin a caçar trutas com as mãos. Além da própria Daise Congar, uma mulher alta e corpulenta que fazia Alsbet Luhhan parecer meiga, e seu marido, Wit, um homem magrelo, sempre sobrepujado pela esposa. Todos o encaravam e sussurravam para o povo de fora, que talvez não soubesse quem ele era. Quando o velho Cenn Buie ergueu um garoto nos ombros, apontando para Perrin e falando de um jeito animado, o rapaz grunhiu. Estavam todos loucos.

O povo da aldeia acompanhou seu grupo, uma marcha que suscitou uma onda de murmúrios. Galinhas corriam por todos os cantos, por entre os pés das pessoas. Os gritos de bezerros e guinchos de porcos nos currais competiam com o barulho dos humanos. Ovelhas se apinhavam pelo campo comunitário, e vacas leiteiras malhadas pastavam a grama na companhia de gansos cinza e brancos.

Bem no meio do campo comunitário havia um poste comprido com um estandarte branco de bordas vermelhas no topo. O tecido tremulava devagar, exibindo a cabeça vermelha de um lobo. Perrin encarou Faile, mas a jovem balançou a cabeça, tão surpresa quanto ele.

— Um símbolo.

Perrin não tinha ouvido Verin se aproximar, mas agora percebia os sussurros baixinhos de “Aes Sedai” ao redor dela. Ihvon não parecia surpreso. O povo a encarava, assombrado.

— O povo precisa de símbolos — prosseguiu Verin, pousando a mão no ombro de Galope. — Quando Alanna contou aos aldeões o quanto os Trollocs temiam os lobos, todo mundo começou a achar esse estandarte uma ótima ideia. Você não concorda, Perrin? — Haveria uma frieza na voz dela? Seus olhos escuros o encaravam, feito os de um pássaro. Um pássaro prestes a apanhar um verme?

— Fico me perguntando o que a Rainha Morgase vai pensar disso — comentou Faile. — Isso aqui faz parte de Andor. Rainhas não gostam muito de ver estandartes estranhos sendo erguidos em seus domínios.

— São só linhas num mapa — retrucou Perrin. Era bom estar parado. A flecha parecia ter diminuído um pouquinho o latejar. — Eu nem sabia que essa terra era parte de Andor antes de ir a Caemlyn. E duvido que muita gente por aqui saiba.

— Os governantes têm a tendência de acreditar nos mapas, Perrin. — Não havia dúvidas quanto à frieza na voz de Faile. — Quando eu era pequena, havia algumas partes de Saldaea que não viam um coletor de impostos há cinco gerações. Quando meu pai conseguiu desviar a atenção da Praga por um tempinho, Tenobia garantiu que o povo de lá soubesse quem era a rainha.

— Isso aqui é Dois Rios — respondeu ele, abrindo um sorriso — não Saldaea. — Eles pareciam muito ameaçadores, esse povo de Saldaea. Quando Perrin virou-se de volta para Verin, o sorriso transformou-se em uma careta de desgosto. — Pensei que você estivesse… escondendo… quem é. — Não sabia o que era mais perturbador: uma Aes Sedai em segredo, ou uma Aes Sedai às claras.

A mão da mulher pairou a um milímetro do toco de flecha quebrada que se projetava da lateral do corpo de Perrin. O entorno da ferida começou a formigar.

— Ah, isso não é bom — murmurou. — Acertou a costela e infeccionou, apesar do cataplasma. Acho que vou precisar de Alanna. — Ela piscou e recolheu a mão. O formigamento também desapareceu. — O quê? Escondendo? Ah. Com tudo o que veio à tona, não conseguimos mais permanecer escondidas. Acho que poderíamos ter… ido embora. Mas você não iria querer isso, não é mesmo? — Lá estava outra vez aquele olhar penetrante e avaliador, feito o de um pássaro.

Perrin hesitou, mas enfim soltou um suspiro.

— Acho que não.

— Ah, que bom ouvir isso — respondeu a mulher, com um sorriso.

— Por que você veio para cá, Verin, de verdade?

A Aes Sedai pareceu não ouvi-lo. Ou não quis ouvir.

— Agora temos que ver esse seu problema. E esses outros rapazes também precisam de cuidados. Alanna e eu vamos tratar dos piores, mas…

Os outros homens ficaram tão atônitos com o que encontraram quanto ele. Ban coçou a cabeça ao olhar o estandarte, e alguns ficaram apenas olhando ao redor, estupefatos. Mas a maioria encarava Verin, todos apreensivos e de olhos arregalados. Sem dúvida haviam ouvido os sussurros de “Aes Sedai”. O próprio Perrin percebeu que não escapava totalmente àqueles olhares, já que estava de conversa com uma Aes Sedai, como se fosse qualquer mulher da aldeia.

Verin devolveu o olhar do grupo, então, de súbito, sem nem olhar, esticou o braço para trás e apanhou uma garota de uns dez ou doze anos dentre os espectadores. A garota, de cabelos longos e escuros presos com fitas azuis, enrijeceu com o choque.

— Você conhece Daise Congar, garota? — perguntou Verin. — Bom, vá atrás dela e diga que tem homens feridos precisando de umas ervas da Sabedoria. E mande-a se apressar. Diga que não tenho paciência para a empáfia dela. Entendeu? Agora vá.

Perrin não reconheceu a garota, mas era evidente que ela conhecia Daise, pois se encolheu com a mensagem. Ainda assim, Verin era Aes Sedai. Depois de um instante avaliando o que era pior — Daise Congar ou uma Aes Sedai — a menina disparou pela multidão.

— Alanna vai dar um jeito em você — disse Verin, encarando-o outra vez.

Perrin desejou que as palavras dela não dessem margem a tantas interpretações.

43

Cuidar dos vivos

Verin tomou a rédea de Galope e conduziu-o até a estalagem Fonte de Vinho, a multidão se abrindo como uma onda para lhe dar passagem. Dannil, Ban e os outros vinham em seguida, a cavalo e a pé, já com os parentes se aproximando. Por mais pasmos que estivessem com as mudanças em Campo de Emond, os rapazes ainda exibiam seu orgulho ao avançar, fosse mancando ou empertigando-se nas selas; haviam enfrentado Trollocs e retornado para casa. As mulheres, porém, tocavam os filhos, sobrinhos e netos, com frequência engolindo o choro, e seus gemidos baixos formavam um murmúrio suave e dolorido. Homens de olhos apertados tentavam esconder as preocupações por detrás de sorrisos orgulhosos, com tapinhas nos ombros e exclamações a respeito das barbas recém-surgidas, mas seus abraços por vezes acabavam se tornando uma busca por consolo. As namoradas iam, às pressas, ao encontro deles, em meio a beijos e gritos, exibindo a mesma dose de alegria e comiseração, e irmãos e irmãs mais novos, confusos, alternavam ataques de choro e agarravam, com olhos arregalados de admiração, o irmão que todos pareciam considerar um herói.