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— Ontem. — Ele suspirou. Se Luc tinha voltado para a aldeia no dia anterior, não seria muito provável que tivesse qualquer coisa a ver com a chegada inesperada dos Trollocs. Quanto mais Perrin pensava em como aquela emboscada se desenrolara, mais pensava que os Trollocs deviam estar à espera do grupo. E mais sentia vontade de culpar Luc. — Para transformar pedra em queijo não basta só querer — murmurou ele. — Mas esse sujeito ainda me cheira a queijo.

Dav e os outros dois se entreolharam, desconfiados. Perrin supôs que não estava soando muito sensato.

— Foi um bando de Coplin, basicamente — afirmou o terceiro rapaz com uma voz profunda e assustada. — Darl, Hari, Dag e Ewal. E Wit Congar. Daise deu uma bronca nele.

— Ouvi dizer que todos eles gostavam dos Mantos-brancos. — Perrin achou que o sujeito de voz grave era familiar. Era uns dois ou três anos mais moço que Elam e Dav, além de uma polegada mais alto, de rosto magro, mas ombros largos.

— Gostavam. — O sujeito deu uma risada. — Você sabe como eles são. Tendem a simpatizar com qualquer coisa que cause problemas aos outros. Desde que Lorde Luc começou o falatório, ficaram todos a favor de marchar até Colina da Vigília e mandar os Mantos-brancos caírem fora de Dois Rios. Ou, pelo menos, ficaram a favor de alguém marchar até lá. Acho que não pretendiam estar na dianteira do grupo.

Se aquele rosto fosse mais redondo e aquele corpo meio pé mais baixo…

— Ewin Finngar! — exclamou Perrin. Não podia ser; Ewin era uma praga gordinha, que vivia guinchando e tentando se meter nas reuniões dos mais velhos. E aquele rapaz ali, quando parasse de crescer, teria o tamanho de Perrin ou mais. — É você?

Ewin assentiu, escancarando um sorriso.

— Ouvimos falar de você, Perrin, enfrentando Trollocs e vivendo todo tipo de aventuras pelo mundo, ao que dizem — comentou o rapaz, com aquela voz surpreendentemente grave. — Ainda posso chamar você de Perrin, não posso?

— Luz, pode! — exclamou ele. Estava mais do que cansado daquela história de Olhos-Dourados.

— Queria ter ido com você no ano passado. — Dav esfregou as mãos, ansioso. — Voltar para casa com Aes Sedai, e Guardiões, e um Ogier. — Ele falava como se fossem troféus. — Eu só faço pastorear e ordenhar vacas, pastorear e ordenhar vacas. E capinar, e cortar lenha. Você tirou a sorte grande.

— Como é que foi? — perguntou Elam, esbaforido. — Alanna Sedai disse que vocês foram até a Grande Praga, e ouvi dizer que viram Caemlyn e Tear. Como é uma cidade? É mesmo dez vezes maior que Campo de Emond? Você viu algum palácio? Há Amigos das Trevas nas cidades? A Praga é mesmo cheia de Trollocs, e Desvanecidos, e Guardiões?

— Foi um Trolloc que deixou essa cicatriz em você? — Com voz de touro ou não, Ewin conseguiu emitir uma espécie de guincho de empolgação. — Eu queria ter uma cicatriz. Você viu alguma rainha? Ou rei? Acho que eu ia preferir ver uma rainha, mas um rei também seria incrível. Como é a Torre Branca? É grande feito um palácio?

Faile sorria, bem-humorada, mas Perrin piscava diante da enxurrada de perguntas. Teriam eles se esquecido dos Trollocs na Noite Invernal, se esquecido dos Trollocs no campo naquele exato momento? Elam agarrou o punho da espada como se quisesse partir para a Praga imediatamente, Dav pôs-se nas pontas dos pés, os olhos brilhando, e Ewin quase agarrou a gola de Perrin. Aventura? Que idiotas. No entanto, tempos difíceis estavam por vir, mais difíceis do que Dois Rios viu até então, temia. Não faria mal se demorasse um pouquinho mais até que descobrissem a verdade.

A lateral de seu corpo doía, mas ele tentou responder. Os rapazes se decepcionaram ao saber que ele nunca tinha visto a Torre Branca, nem um rei ou uma rainha. Ele achava que Berelain poderia se passar por rainha, mas na presença de Faile não havia meio de mencionar a mulher. Outros assuntos que ele evitou: Falme, o Olho do Mundo, os Abandonados, Callandor. Eram assuntos perigosos, que levavam inevitavelmente ao Dragão Renascido. Ele pôde contar um pouco sobre Caemlyn, no entanto, e sobre Tear, as Terras da Fronteira e a Praga. Era estranho o que o grupo aceitava e o que não aceitava. A paisagem corrompida da Praga, que parecia apodrecer a vista de todos, eles engoliram, e os soldados shienaranos de rabos de cavalo, e os pousos Ogier onde as Aes Sedai não conseguiam manejar o Poder e os Desvanecidos eram relutantes em adentrar. Já o tamanho da Pedra de Tear e a imensidão das cidades…

Sobre suas próprias supostas aventuras, ele disse:

— Basicamente, venho tentando não ter a cabeça decepada. É isso o que as aventuras são. Isso, e encontrar um lugar para dormir à noite e algo para comer. Viver aventuras dá bastante fome, e inclui dormir com muito frio, ou molhado, ou os dois.

Eles pareceram não gostar muito, nem acreditar mais do que acreditavam que a Pedra era do tamanho de uma pequena montanha. Ele lembrou a si mesmo que também conhecia pouquíssimo do mundo antes de deixar Dois Rios. Não foi de muita ajuda. Jamais havia se impressionado daquele jeito. Ou já? O salão estava quente. Ele teria tirado o casaco, mas se mexer demandava esforço demais.

— E Rand e Mat? — inquiriu Ewin. — Se tudo se resume a sentir fome e pegar chuva, por que eles também não voltaram para casa?

Tam e Abell haviam entrado, Tam com uma espada presa no cinturão do casaco, ambos portando arcos — por mais estranho que fosse, a espada parecia apropriada a Tam, com ou sem casaco de fazendeiro — então ele contou o mesmo que tinha contado antes: Mat em jogatinas e bebedeiras nas tavernas, atrás de garotas, e Rand de casaco chique, com uma bela loura nos braços. Descreveu Elayne como uma lady, imaginando que eles jamais acreditariam que se tratava da Filha-herdeira de Andor, e as expressões de incredulidade dos homens comprovaram suas suspeitas. Ainda assim tudo pareceu satisfatório, o tipo de coisa que eles queriam ouvir, e a descrença se esvaiu um pouco quando Elam apontou que Faile era uma lady e parecia gostar mesmo de Perrin. Isso o fez abrir um sorriso; ele se perguntou o que os homens diriam se soubessem que ela era prima de uma rainha.

Faile, por alguma razão, já não parecia mais estar se divertindo. Virou-se para os homens com um olhar de fazer frente ao mais altivo de Elayne, obstinado e impassível.

— Vocês já o atormentaram demais. Ele está ferido. Saiam daqui, agora.

Espantosamente, os homens curvaram-se em mesuras desajeitadas — Dav entortou a perna de um jeito estranho, parecendo um completo idiota — murmuraram pedidos de desculpa afobados — para ela, não para ele! — e viraram-se para sair. A partida foi retardada pela chegava de Loial, que inclinou-se para passar pelo batente, os cabelos desgrenhados roçando a viga de cima. Os homens encararam o Ogier quase como se o estivessem vendo pela primeira vez — depois olharam para Faile e partiram, apressados. Aquele seu olhar frio de lady funcionava muito bem.

Quando Loial se empertigou, sua cabeça quase bateu no teto. Os espaçosos bolsos do casaco exibiam, como de costume, o formato quadrado dos montes de livros, mas ele trazia um imenso machado. O cabo era quase da altura de Perrin, e a cabeça, do formato da de um machado de cortar madeira, era pelo menos do tamanho de seu machado de batalha.

— Você está ferido — disse ele, com a voz estrondosa, assim que seu olhar parou em Perrin. — Me disseram que tinha voltado, mas não que estava ferido, senão eu teria vindo mais depressa.

O machado deu um susto em Perrin. Entre os Ogier, a expressão “pôr um cabo longo no machado” significava estar com pressa ou com raiva — os Ogier, por alguma razão, pareciam não conseguir enxergar diferença entre as duas coisas. Loial de fato parecia irritado, com as orelhas peludas para trás e as sobrancelhas caídas por cima das imensas bochechas, contraídas em uma carranca. Por ter de cortar árvores, sem dúvida. Perrin queria ficar sozinho com ele e descobrir se tinha visto algo mais a respeito do comportamento de Alanna. Ou de Verin. Ele esfregou o rosto e ficou surpreso em encontrá-lo seco; sentia como se estivesse suando.