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— Ele também é teimoso — disse Faile, virando-se para Perrin com o mesmo olhar controlador que havia usado com Dav, Elam e Ewin. — Você deveria estar na cama. Onde está Alanna, Verin? Se ela é quem vai Curá-lo, onde ela está?

— Ela vai vir. — A Aes Sedai não ergueu o olhar. Estava outra vez com o livrinho, de cenho franzido, pensativa, a caneta suspensa.

— Ele ainda deveria estar numa cama!

— Vou ter tempo para isso depois — retrucou Perrin com firmeza. Sorriu para ela, para suavizar as palavras, mas o sorriso só conseguiu deixá-la preocupada e resmungando “teimoso” entre dentes. Ele não podia perguntar a Loial sobre a Aes Sedai na frente de Verin, mas havia outra coisa pelo menos tão importante quanto. — Loial, o Portal dos Caminhos está aberto, e os Trollocs estão vindo. Como pode uma coisa dessas?

As sobrancelhas do Ogier afundaram ainda mais, e suas orelhas murcharam.

— Culpa minha, Perrin — respondeu ele, com o vozeirão, em tom de pesar. — Eu coloquei as duas folhas de Avendesora do lado de fora. Assim tranquei o Portal dos Caminhos por dentro, mas por fora qualquer um ainda poderia abrir. Os Caminhos permaneceram obscuros por muitas gerações, mas ainda assim nós os cultivamos. Não tive coragem de destruir o Portal. Me desculpe, Perrin. É tudo culpa minha.

— Eu nem acreditava que um Portal dos Caminhos pudesse ser destruído — disse Faile.

— Não quis dizer exatamente destruir. — Loial apoiou o corpo no machado de cabo longo. — Uma vez um Portal dos Caminhos foi destruído, menos de quinhentos anos depois da Ruptura, segundo Damelle, filha de Ala, filha de Soferra, porque o Portal ficava perto de um pouso que havia sucumbido à Praga. Existem dois ou três Portais perdidos na Praga. Mas ela escreveu que foi muito difícil e requereu o trabalho conjunto de treze Aes Sedai com um sa’angreal. Outra tentativa sobre a qual ela escreveu, com apenas nove Aes Sedai, durante as Guerras dos Trollocs, danificou o Portal de tal forma que as Aes Sedai foram arrastadas… — Ele parou, as orelhas retorcidas de constrangimento, e cutucou o narigão. Todos o encaravam, até Verin e os Aiel. — Às vezes eu me empolgo. O Portal dos Caminhos. Sim. Eu não consigo destruí-lo, mas, se eu remover completamente as duas folhas de Avendesora, elas vão morrer. — Ele fez uma careta, pensativo. — O único meio de abrir outra vez o Portão é os Anciões trazerem o Talismã do Crescimento. Embora eu suponha que uma Aes Sedai consiga fazer um buraco nele. — Dessa vez ele estremeceu. Danificar um Portal dos Caminhos talvez fosse para ele o mesmo que despedaçar um livro. Um instante depois a expressão sombria retornou a seu rosto. — Vou para lá agora.

— Não! — disse Perrin bruscamente. A ponta da flecha latejava, mas na verdade já não doía mais. Ele estava falando demais; tinha a garganta seca. — Há Trollocs lá, Loial. Podem meter um Ogier num caldeirão tanto quanto um humano.

— Mas, Perrin, eu…

— Não, Loial. Como é que você vai escrever seu livro se for embora e acabar morrendo?

As orelhas de Loial se contorceram.

— É minha responsabilidade, Perrin.

— A responsabilidade é minha — disse Perrin, com delicadeza. — Você me falou o que estava fazendo com o Portal dos Caminhos, e eu não sugeri nada diferente. Além do mais, do jeito que você pula toda vez que alguém menciona a sua mãe, não quero que ela venha atrás de mim. Eu vou, assim que Alanna me Curar e tirar essa flecha do meu corpo. — Ele limpou a testa, depois franziu o cenho e olhou a mão. Sem suor. — Posso beber um pouco d’água?

Em um instante Faile estava a seu lado, os dedos frios onde antes estivera a mão dele.

— Ele está ardendo em febre! Verin, não podemos esperar Alanna. Você precisa…!

— Estou aqui — anunciou a Aes Sedai de pele escura, surgindo pela porta dos fundos do salão, com Marin al’Vere e Alsbet Luhhan a seu lado e Ihvon logo atrás. Perrin sentiu a fisgada do Poder antes que a mão de Alanna substituísse a de Faile, e ela acrescentou, em um tom frio e sereno: — Leve-o para a cozinha. A mesa lá é bem grande para que possamos deitá-lo. Rápido. Não temos muito tempo.

Perrin ficou tonto, e de súbito percebeu que estava sendo erguido e carregado por Loial, que havia apoiado o machado ao lado da porta.

— O Portal dos Caminhos é meu, Loial. — Luz, mas que sede. — Minha responsabilidade.

O toco de flecha de fato não doía tanto quanto antes, mas seu corpo inteiro estava dolorido. Loial o levava a algum lugar, abaixando-se ao passar pelas portas. Havia a Senhora Luhhan mordendo o lábio, os olhos apertados como se fosse chorar. Ele se perguntou por quê. Ela nunca chorava. A Senhora al’Vere também parecia preocupada.

— Senhora Luhhan — murmurou ele — minha mãe diz que eu posso ser aprendiz de Mestre Luhhan. — Não. Aquilo foi muito tempo antes. Era… o que era? Ele não se lembrava direito.

Estava deitado em uma superfície rígida, escutando Alanna falar:

— … tem farpas tanto no osso quanto na carne, e a ponta da flecha está retorcida. Preciso realinhá-la com a primeira ferida e puxá-la. Se ele não morrer de choque, posso Curar o estrago causado, bem como todo o resto. Não tem outro jeito. Ele está à beira do colapso. — Nada a ver com ele.

Faile sorria para ele, trêmula, com o rosto de cabeça para baixo. Algum dia pensara que ela tinha a boca grande demais? Era do tamanho ideal. Ele queria tocar o rosto dela, mas a senhora al’Vere e a senhora Luhhan por alguma razão seguravam seus punhos, prendendo-o com o peso do corpo. Havia também alguém apoiado em suas pernas, e as imensas mãos de Loial lhe engoliam os ombros, pressionando-os com força contra a mesa. Mesa. Isso. A mesa da cozinha.

— Morda, querido — disse Faile de longe. — Vai doer.

Ele queria perguntar o que ia doer, mas ela enfiou um pedaço de pau enrolado em couro em sua boca. Ele cheirou o couro, o benjoeiro e ela. Será que ela iria caçar com ele, correndo pelas infinitas planícies gramadas atrás de infinitas hordas de cervos? Um frio congelante o fez estremecer; ele reconheceu vagamente a sensação do Poder Único. Então veio a dor. Ele ouviu a madeira estalar entre seus dentes antes de a escuridão dominar tudo.

44

Irrompe a tempestade

Perrin abriu os olhos devagar, encarando o teto branco caiado. Levou um instante para perceber que estava em uma cama com quatro colunas, deitado em um colchão de penas com um travesseiro de plumas de ganso. Uma miríade de aromas dançava em seu nariz: as plumas, a lã do cobertor, um assado de ganso, pão e tortas de mel assando. Um dos quartos da estalagem Fonte de Vinho. A luz inconfundível da manhã entrava pelas cortinas brancas das janelas. Manhã. Ele se virou de lado, desajeitado. Seus dedos tocaram a pele curada, mas ele se sentia mais fraco do que nunca desde que fora atingido. Um preço pequeno demais, no entanto, e uma troca bem justa. Também sentia a garganta seca.

Quando ele se mexeu, Faile saltou de uma cadeira ao lado da pequena lareira de pedras, deixando cair um cobertor vermelho, e se espreguiçou. A moça havia trocado o vestido por outro mais escuro, com uma saia estreita de montaria, e a seda cinza amarrotada revelava que ela havia dormido naquela cadeira.

— Alanna falou que você precisava dormir — disse ela. Ele estendeu a mão em direção à jarra branca que havia na mesinha ao lado da cama e ela correu para servir um copo d’água e segurou-o para que ele bebesse. — Você vai ter de ficar quieto por mais uns dois ou três dias, até recuperar as forças.

As palavras soavam normais, exceto por uma estranheza no tom que ele quase não notou, uma leve tensão nos olhos dela.