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— O que foi que houve?

Ela recolocou a caneca com cuidado na mesinha de cabeceira e ajeitou o vestido.

— Não houve nada. — A tensão sob sua voz era ainda mais aparente.

— Faile, não minta para mim.

— Não estou mentindo! — retrucou ela, bruscamente. — Vou mandar vir seu café da manhã e tem sorte que eu faça isso, mesmo com você me chamando de…

— Faile. — Ele pronunciou o nome dela da forma mais severa possível, e ela hesitou; o olhar firme e arrogante virou uma ruga na testa, depois retornou. Ele a encarou com firmeza; ela não iria se safar dessa usando com ele o truque daquela sua altivez de lady.

Enfim, ela suspirou.

— Acho que você tem o direito de saber. Mas vai continuar na cama até Alanna e eu permitirmos que levante. Loial e Gaul se foram.

— Se foram? — Ele piscou, confuso. — Como assim, se foram? Eles foram embora?

— De certo modo. Os vigias os viram partindo hoje de manhã, assim que o sol nasceu, indo em direção à Floresta do Oeste. Nenhum deles achou nada demais; sem dúvida ninguém tentou impedi-los, um Ogier e um Aiel. Ouvi essa história faz menos de uma hora. Eles estavam conversando sobre árvores, Perrin. Sobre como o Ogier cantava para as árvores.

— Árvores? — grunhiu Perrin. — É aquele maldito Portal dos Caminhos! Que me queime, eu falei para ele não… Eles vão acabar morrendo antes de chegar lá!

Ele atirou o cobertor para longe, sentou-se na cama com os pés no chão e em seguida pôs-se de pé, cambaleante. Não estava vestindo nada, percebeu, nem as roupas de baixo. No entanto, se elas achavam que iriam mantê-lo preso debaixo de um cobertor, estavam redondamente enganadas. Ele podia ver seus trajes dobradinhos na cadeira de espaldar alto próxima à porta, com as botas do lado e o machado pendendo do cinto em um gancho na parede. Cambaleou até as roupas e começou a se vestir, o mais depressa possível.

— O que está fazendo? — indagou Faile. — Volte já para a cama! — Com uma das mãos na cintura, ela apontou para a cama, como se o dedo erguido pudesse transportá-lo até lá.

— Eles não devem ter ido muito longe. Não a pé. Gaul não monta e Loial sempre disse que confiava mais nos próprios pés do que em qualquer cavalo. Com Galope eu os alcanço até no máximo o meio-dia. — Puxando a camisa pela cabeça, ele vestiu-a, deixando-a solta para fora da calça e sentou-se para calçar as botas. Desabou na cadeira, na realidade.

— Você enlouqueceu, Perrin Aybara! Que chance tem de encontrar os dois naquela floresta?

— Eu até que não sigo rastros assim tão mal. Consigo encontrar os dois. — Ele sorriu, mas ela não aceitou.

— Você pode acabar morto, seu imbecil cabeludo! Olhe só para você. Mal consegue ficar de pé. Iria desabar da sela antes de cavalgar uma milha!

Disfarçando o esforço, ele se levantou e bateu o pé para ajeitar as botas. Galope faria todo o trabalho; ele só teria de se segurar.

— Bobagem. Estou forte feito um cavalo. Pare de tentar me intimidar. — Ele deu de ombros para ajeitar o casaco ao corpo e pegou o machado e o cinto. Faile segurou-lhe o braço quando ele abriu a porta e foi levada junto, tentando em vão puxá-lo de volta.

— Às vezes você tem o cérebro de um cavalo — disse ela, arfando. — Pior ainda! Perrin, você tem que me escutar. Você tem…

O quarto ficava a apenas poucos passos das escadas que levavam ao salão vazio no estreito corredor, e foram as escadas que o traíram. Quando ele dobrou o joelho para descer aquele primeiro degrau, a perna não parou de dobrar; ele se desequilibrou para a frente, tentando, sem sucesso, agarrar o corrimão, puxando Faile junto, aos berros. Os dois saíram rolando, batendo nas escadas, até desabar com um baque contra o barril no chão, Faile completamente estirada por cima dele. O barril cambaleou e girou, fazendo chocalhar as espadas que estavam dentro, antes de assentar com um tinido final.

Perrin levou um instante até reunir fôlego para conseguir falar.

— Tudo bem com você? — perguntou, ansioso. Ela jazia esparramada sobre o peito dele. Ele a sacudiu delicadamente. — Faile, você está…?

Ela ergueu a cabeça devagar e afastou umas mechinhas de cabelo escuro do rosto, depois o encarou atentamente.

— Está tudo bem com você? Porque, se estiver, talvez eu seja bastante violenta…

Perrin bufou; ela decerto estava menos ferida do que ele. Cauteloso, tocou o ponto onde antes estivera a flecha, mas o local não estava pior do que o restante. Naturalmente, o restante estava doendo da cabeça aos pés.

— Saia de cima de mim, Faile. Preciso pegar Galope.

Em vez disso, ela agarrou a gola dele com ambas as mãos e aproximou-se até seus narizes quase se tocarem.

— Escute aqui, Perrin — disse ela, em tom de urgência. — Você… não… pode… fazer… tudo. Se Loial e Gaul foram trancar o Portal dos Caminhos, você tem que deixar. Seu lugar é aqui. Mesmo que estivesse forte o bastante, e não está! Está me ouvindo? Você não está forte o bastante! Mas, mesmo que estivesse, não deveria ir atrás deles. Você não pode fazer tudo!

— Ora, o que é que vocês dois estão fazendo? — perguntou Marin al’Vere. Limpando as mãos no comprido avental branco, ela vinha da porta dos fundos do salão na direção deles. As sobrancelhas da mulher pareciam tentar escalar os cabelos. — Eu esperava ver Trollocs depois de toda essa algazarra, mas não isso. — Ela soava meio escandalizada, meio bem-humorada.

Perrin percebeu que, com Faile deitada por cima dele daquele jeito, as cabeças juntinhas, os dois pareciam um casal aos beijos. No chão do salão.

Um rubor subiu pelas bochechas de Faile, e ela se levantou mais que depressa, espanando o vestido.

— Ele é teimoso feito um Trolloc, Senhora al’Vere. Eu avisei que estava muito fraco para se levantar. Ele precisa voltar para a cama imediatamente. Tem de aprender que não pode fazer tudo sozinho, ainda mais quando não consegue nem descer um lance de escadas.

— Ah, querida — disse a Senhora al’Vere, balançando a cabeça — esse não é o jeito certo. — Ela se aproximou da mulher mais jovem e sussurrou, baixinho, embora Perrin pudesse ouvir cada palavra. — Ele era um rapazinho fácil de levar, na maioria das vezes, se a gente lidasse com ele da maneira certa, mas era só tentar forçá-lo que ele empacava feito qualquer mula de Dois Rios. Os homens não mudam tanto assim, só ficam mais altos. Se você cismar em dizer o que ele tem e o que não tem de fazer, ele decerto vai pôr as orelhas para trás e travar as patas no chão. Deixe-me mostrar. — Marin virou-se para ele com um sorriso radiante, ignorando sua carranca. — Perrin, você não acha os meus colchões de penas de ganso melhores que esse chão? Vou levar para você um pedaço da minha torta de rim assim que o colocarmos de volta na cama. Deve estar com fome, depois de ficar sem jantar ontem à noite. Aqui. Posso ajudar você a se levantar?

Ele empurrou as mãos das duas e levantou-se sozinho. Bem, com a ajuda da parede. Achou que talvez tivesse distendido metade dos músculos do corpo. Teimoso feito uma mula? Ele jamais agira assim na vida.

— Senhora al’Vere, a senhora poderia mandar Hu ou Tad selar Galope?

— Quando você estiver melhor — disse ela, tentando virá-lo em direção às escadas. — Não acha que seria bom descansar só mais um pouquinho? — Faile lhe tomou o outro braço.

— Trollocs! — O grito veio do lado de fora, abafado pelas paredes e ecoado por uma dúzia de vozes. — Trollocs! Trollocs!

— Você não tem de se preocupar com isso hoje — disse a Senhora al’Vere, ao mesmo tempo firme e delicada. Aquilo o fez querer ranger os dentes. — As Aes Sedai vão cuidar de tudo. Daqui a um ou dois dias você já vai estar de pé. Vai ver só.