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Perrin franziu o cenho para a fumaça que se erguia do sul. Remexendo-se na sela, ele conseguia distinguir mais ao norte e ao leste. Mesmo que a maioria representasse casas já abandonadas, os Trollocs haviam passado a noite bem ocupados. Quantos seriam necessários para incendiar tantas fazendas, mesmo correndo entre uma e outra e levando apenas o tempo necessário para atirar uma tocha em uma casa vazia ou um campo desabitado? Talvez tantos quanto eles tinham matado hoje. O que isso dizia a respeito do número de Trollocs que já se encontrava em Dois Rios? Não parecia possível que um bando só tivesse feito tudo, queimado todas aquelas casas e ainda destruído a caravana do Povo Errante.

Com os olhos fixos nos Tuatha’an que iam sendo levados, ele sentiu uma pontada de vergonha. Aquele povo havia visto a morte de amigos e família na noite anterior, e lá estava ele pensando friamente em números. Ouviu alguns homens de Dois Rios murmurando, tentando descobrir a que fazenda correspondia cada fumaça. A todo aquele povo os incêndios representavam perdas reais, vidas a serem reconstruídas, se possível, não apenas números. Ele era inútil ali. Agora, com Faile ocupada em ajudar a cuidar dos latoeiros, era o momento de partir atrás de Loial e Gaul.

Mestre Luhhan, vestido com o colete de ferreiro e o comprido avental de couro, puxou a rédea de Galope.

— Perrin, você precisa me ajudar. Os Guardiões querem que eu faça mais componentes para as catapultas, mas estou com vinte homens me pedindo para consertar uns pedaços de armaduras que os imbecis dos avôs de seus avôs compraram dos guardas de algum mercador imbecil.

— Gostaria de poder dar uma mãozinha — disse Perrin — mas há outra coisa que preciso fazer. De qualquer modo, provavelmente estou meio enferrujado. Não trabalhei muito com ferragem no ano passado.

— Luz, não foi isso que eu quis dizer. Não é para você pegar em um martelo. — O ferreiro parecia chocado. — Toda vez que mando um daqueles cabeças de ganso embora depois de dizer poucas e boas, o sujeito volta dez minutos depois e torna a discutir. Não consigo trabalhar. Eles vão escutar você.

Perrin duvidava, se os homens não estavam escutando Mestre Luhhan. Além de pertencer ao Conselho da Aldeia, Haral Luhhan era grande o bastante para pegar praticamente qualquer homem em Dois Rios e atirar longe, se fosse preciso. No entanto, ele avançou até uma ferraria provisória que Mestre Luhhan havia montado em um galpão aberto, erguido às pressas perto do Campo. Havia seis homens aglomerados em volta das bigornas resgatadas da ferraria incendiada pelos Mantos-brancos, e outro sujeito, absorto, soprava os enormes foles de couro, até que o ferreiro o afugentou com um berro. Para surpresa de Perrin, os homens de fato lhe deram ouvidos quando ele os mandou sair, e não foi preciso nenhum discurso para submetê-los à sua vontade de ta’veren, bastou declarar que Mestre Luhhan estava ocupado. Sem dúvida o ferreiro poderia ter feito isso sozinho, mas ele apertou a mão de Perrin e agradeceu muito antes de voltar ao trabalho.

Perrin desceu da sela de Galope, agarrou um dos homens pelo ombro, um fazendeiro careca chamado Get Eldin, e lhe pediu que ficasse e expulsasse qualquer um que tentasse incomodar Mestre Luhhan. Get devia ter o triplo da idade dele, mas o sujeito, de rosto enrugado e curtido, apenas assentiu e se postou próximo ao martelo de Haral, que jazia envolto em ferro quente. Finalmente poderia ir embora, antes que Faile descobrisse.

Assim que Perrin conseguiu virar Galope, Bran apareceu, de lança no ombro e elmo debaixo do braço robusto.

— Perrin, deve haver um jeito mais rápido de trazer os pastores e vaqueiros para cá, se formos atacados de novo. Mesmo mandando os mais ligeiros da aldeia, Abell não conseguiria trazer nem metade deles de volta antes de aqueles Trollocs saírem da mata.

Aquilo era fácil de resolver: era só pegar um clarim antigo que Cenn Buie tinha pendurado na parede, já quase preto de tão deslustrado, e emitir um sinal de três toques longos que até o pastor mais distante fosse capaz de ouvir. Também seria possível emitir sinais para outras coisas, naturalmente, como mandar todos aos seus lugares caso houvesse um ataque iminente. Era só questão de saber quando haveria um ataque iminente. Bain, Chiad e os Guardiões se revelaram bastante satisfatórios como sentinelas, mas quatro não era o suficiente, então era preciso encontrar bons lenhadores e rastreadores e equipá-los com cavalos, para que pudessem chegar a Campo de Emond antes de qualquer Trolloc que avistassem.

Depois disso, Buel Dowtry precisou ser acalmado. O velho flecheiro, de cabelos brancos e nariz aquilino feito a ponta de uma lança, sabia muito bem que a maioria dos fazendeiros costumava fabricar as próprias flechas, mas estava determinado a não deixar ninguém ajudá-lo ali na aldeia, como se tivesse condições de preencher sozinho todas as aljavas. Perrin não soube ao certo como conseguiu suavizar a irritação de Buel, mas acabou dando um jeito de deixar o sujeito ensinando alegremente um bando de garotos a amarrar e colar as flechas de pena de ganso.

Eward Candwin, o corpulento tanoeiro, tinha um problema diferente. Com tanta gente precisando de água, o homem tinha mais baldes e barris a fazer do que daria conta em semanas sozinho. Não foi preciso muito tempo para encontrar mãos confiáveis pelo menos para chanfrar pedaços de pau, porém, logo veio mais gente, com perguntas e questões para as quais pareciam achar que Perrin era o único que tinha as respostas. Desde onde pôr fogo nos corpos dos Trollocs mortos até se era seguro retornar às fazendas para resgatar o que fosse possível. A essa última pergunta, sempre que surgia, ele respondia com um firme “não” — e ela era mais frequente do que qualquer outra, feita por homens e mulheres que encaravam de cenho franzido a fumaça que subia pelo campo — mas na maioria das vezes ele apenas retrucava perguntando qual o sujeito achava que seria a melhor solução e o mandava fazer exatamente aquilo. Poucas vezes foi de fato necessário fornecer alguma resposta; o povo sabia o que fazer, mas tinha a ideia besta de que era preciso perguntar a ele.

Dannil, Ban e os outros o encontraram e insistiram em ficar na cola dele com aquele estandarte, como se o outro, imenso, que havia no topo do Campo não fosse bastante, até que ele resolveu mandá-los vigiar os homens que haviam voltado para derrubar mais árvores na Floresta do Oeste. Parecia que Tam lhes contara alguma história a respeito de algo chamado os Companheiros, em Illian, soldados que cavalgavam com o general de um exército illianense e eram atirados em qualquer batalha que estivesse pegando fogo. Tam, logo ele! Pelo menos o grupo levou junto o estandarte. Perrin se sentia um completo imbecil com aquela coisa o perseguindo.

No meio da manhã apareceu Luc, todo louro e cheio de arrogância, com leves meneios de cabeça em resposta a uns poucos cumprimentos, embora o que levasse alguém a querer cumprimentá-lo fosse um mistério. Ele trazia um troféu, que puxou de uma bolsa de couro e ajeitou em cima de uma lança, bem na beirada do Campo, para que todos olhassem, boquiabertos. A cabeça sem olhos de um Myrddraal. O sujeito estava bastante modesto, de um jeito meio condescendente, mas deixou escapar que havia matado o Desvanecido ao dar de cara com um bando de Trollocs. Um admirado séquito o levou para ver a cena da batalha que ocorrera ali — estavam chamando assim — onde cavalos arrastavam Trollocs para imensas piras que já mandavam para cima colunas de fumaça negra e oleosa. Luc também admirava tudo, respeitoso, fazendo apenas uma ou duas críticas em relação à distribuição que Perrin fizera de seus homens; fora essa a história que o povo de Dois Rios contara, sobre Perrin formando todo mundo em fila e dando ordens que decerto jamais dera.