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Aram, em passadas lentas, deu três voltas em torno do salão antes de parar bem ao pé da escada, encarando o barril de espadas. Então se aproximou e puxou uma delas do amontoado, erguendo-a, meio sem jeito. O cabo envolto em couro era tão comprido que era possível segurá-lo com ambas as mãos.

— Posso usar essa aqui? — perguntou ele.

Perrin quase engasgou.

Alanna surgiu no topo da escada, acompanhada por Ila; a mulher Tuatha’an tinha uma expressão cansada, mas já não se via o hematoma em seu rosto.

— … a melhor coisa é dormir — dizia a Aes Sedai. — O que o perturba mais é a lembrança, e isso eu não consigo Curar.

Os olhos de Ila pararam no neto, no que ele segurava, e a mulher gritou como se aquela lâmina tivesse sido cravada em sua carne.

— Não, Aram! Nãããooo! — A mulher quase caiu, na ânsia de descer as escadas, e atirou-se em cima de Aram, tentando arrancar a espada das mãos dele. — Não, Aram — dizia, desesperada. — Não faça isso. Ponha isso no chão. O Caminho da Folha. Não faça isso! O Caminho da Folha! Por favor, Aram! Por favor!

Aram dançava com a mulher, defendendo-se, meio desajeitado, tentando afastar dela a espada.

— Por que não? — gritou ele, cheio de raiva. — Eles mataram a mamãe! Eu vi! Eu poderia ter impedido, se tivesse uma espada. Eu poderia ter salvado a minha mãe!

As palavras partiram o coração de Perrin. Um latoeiro com uma espada era algo anormal, quase o bastante para lhe arrepiar os pelos da nuca, mas aquelas palavras… a mãe dele.

— Deixe o rapaz quieto — disse, com mais rispidez do que pretendia. — Todo homem tem o direito de se defender, de defender sua… ele tem o direito.

Aram estendeu a espada para Perrin.

— Você pode me ensinar a usar?

— Eu não sei usar — respondeu Perrin. — Mas você pode encontrar alguém.

Lágrimas corriam pelo rosto de Ila.

— Os Trollocs levaram a minha filha — disse ela, aos soluços, o corpo inteiro tremendo — e todos os meus netos, menos um, e agora você está levando o último. Ele está Perdido, e por culpa sua, Perrin Aybara. Você já é um lobo, em seu coração, e agora ele também vai virar um. — A mulher se virou e subiu de volta os degraus, cambaleante, ainda soluçando.

— Eu poderia ter salvado a mamãe! — gritou Aram para ela. — Avó! Eu poderia! — Ela não olhou para trás, e, ao vê-la desaparecer no corredor, o rapaz desabou sobre o corrimão, chorando. — Eu poderia, vovó. Eu poderia ter salvado…

Perrin percebeu que Bo também chorava, com o rosto enfiado nas mãos, e as outras mulheres o encaravam de cenho franzido, como se ele tivesse feito algo errado. Não, não todas. Alanna, do alto da escada, o observava com aquela calma indecifrável de Aes Sedai, e Faile exibia uma expressão igualmente impassível.

Ele limpou a boca, largou o guardanapo na mesa e se levantou. Ainda havia tempo de dizer a Aram que largasse a espada e fosse pedir perdão a Ila. Tempo de dizer a ele… O quê? Que talvez, da próxima vez, ele não estivesse presente para assistir à morte de seus entes queridos? Que talvez ele pudesse apenas retornar para procurar suas covas?

Ele pousou a mão no ombro de Aram, e o homem se encolheu, envolvendo a espada como se esperasse que Perrin fosse tomá-la. O cheiro do latoeiro trazia diversas emoções: medo, ódio e uma tristeza profunda. Perdido, foi assim que Ila o chamara. O olhar dele estava perdido.

— Limpe o rosto, Aram. Depois vá encontrar Rand al’Thor. Diga que eu pedi a ele para lhe ensinar a usar a espada.

O outro homem ergueu a cabeça, lentamente.

— Obrigado — gaguejou, esfregando as lágrimas do rosto com a manga. — Obrigado. Nunca vou me esquecer disso. Nunca. Eu juro. — Subitamente ele ergueu a espada e beijou a lâmina reta; o pomo do cabo tinha o formato de uma cabeça de lobo. — Eu juro. Não é assim que se faz?

— Suponho que sim — respondeu Perrin, pesaroso, se perguntando qual seria a razão do pesar. O Caminho da Folha era uma bela crença, como um sonho de paz, mas, assim como o sonho, não resistiria à violência. Ele não conhecia nenhum lugar assim. Era um sonho para outro homem, em outro lugar. Em outra Era, talvez. — Vá, Aram. Você tem muito o que aprender, e talvez não haja muito tempo. — Ainda balbuciando agradecimentos, o latoeiro não esperou que as lágrimas secassem para sair correndo da estalagem, erguendo com ambas as mãos a espada diante de si.

Ciente da cara de desprezo de Eldrin, das mãos de Marin na cintura e da carranca de Natti, sem mencionar o choro de Bo, Perrin retornou à cadeira. Alanna havia saído do topo da escada. Faile o observou pegar o garfo e a faca.

— Você desaprova? — perguntou ele, baixinho. — Um homem tem o direito de se defender, Faile. Até mesmo Aram. Ninguém pode obrigá-lo a seguir o Caminho da Folha se ele não quiser.

— Eu não gosto de ver você sofrer — disse ela, bem baixinho.

Ele parou de cortar o pedaço de ganso. Sofrer? Aquele sonho não era para ele.

— Só estou cansado — respondeu, com um sorriso. Não achou que ela tivesse acreditado.

Antes que ele tivesse tempo de dar a segunda garfada, Bran enfiou a cabeça pela porta da frente. Usava outra vez o elmo tosco.

— Cavaleiros chegando pelo norte, Perrin. Muitos cavaleiros. Acho que devem ser os Mantos-brancos.

Faile deu um salto ao mesmo tempo em que Perrin se levantou, e quando ele surgiu do lado de fora montado em Galope, com o Prefeito resmungando sozinho sobre o que pretendia dizer aos Mantos-brancos, ela saiu pela lateral da estalagem, conduzindo a égua negra. Havia mais gente correndo para o norte do que concentrada em suas tarefas. Perrin não estava com muita pressa. Os Filhos da Luz poderiam muito bem ter chegado para levá-lo preso. Provavelmente era isso. Ele não pretendia ser algemado, mas não estava ansioso para pedir ao povo que lutasse com os Mantos-brancos por causa dele. Avançou atrás de Bran e juntou-se ao fluxo de homens, mulheres e crianças que cruzavam a Ponte do Carroção sobre o rio Fonte de Vinho, com os cascos de Galope e Andorinha ressoando nas tábuas pesadas. Uns poucos salgueiros compridos cresciam ali, à beira d’água. A ponte marcava o início da Estrada do Norte, depois seguia adiante para Colina da Vigília e além. Algumas das colunas de fumaça a distância haviam se transformado em filetes, sobre as fogueiras que se esvaíam.

No ponto onde a estrada se afastava da aldeia, ele encontrou um par de carroções a bloqueá-la e homens cheirando a ansiedade reunidos atrás de estacas afiadas cravadas no chão, com arcos, lanças e afins, conversando em murmúrios, todos amontoados para observar o que vinha pela estrada: uma longa fileira dupla de cavaleiros de mantos brancos seguiam deixando uma nuvem de poeira, os capacetes cônicos e as placas e malhas polidas, reluzentes a cintilar sob o sol da tarde, as lanças com ponta de aço todas inclinadas na mesma angulação. Na liderança vinha um jovem, empertigado e de rosto severo, que era vagamente familiar a Perrin. Com a chegada do Prefeito, o burburinho cessou no mesmo instante. Ou talvez tivesse sido a chegada de Perrin que causou o silêncio.

A cerca de duzentas passadas das estacas, o homem de rosto severo ergueu a mão, e a primeira coluna parou, com a ordem ecoando pelas fileiras. Ele avançou na companhia de apenas meia dúzia de Mantos-brancos, correndo o olhar pelos carroções, as estacas afiadas e os homens atrás. A atitude indicava alguém importante, mesmo sem os nós de patente sob o raio de sol flamejante que havia em seu manto.