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Sem pensar, Elayne canalizou. Um punho de Ar mandou o homem e sua faca rodopiando em uma cambalhota. A mulher de rosto austero deu um giro para se defender, mas o homem já saíra correndo, meio sem jeito, e logo conseguiu se levantar e se misturar à multidão, mais adiante na rua. O povo havia parado para assistir à estranha luta, mas ninguém fez menção ajudar além da mulher de cabelos escuros. Ela encarava Elayne e Nynaeve, indecisa. A Filha-herdeira se perguntou se a mulher teria percebido que o homem magrelo fora derrubado pelo que parecia ter sido um monte de nada.

— Agradeço a ajuda — disse Nynaeve, meio ofegante, e aproximou-se da mulher, ajeitando o véu. — Acho que precisamos sair daqui. Sei que a Guarda Civil não vem muito às ruas, mas não quero ter que explicar, se eles aparecerem. Nossa estalagem é aqui perto. Quer vir com a gente? Uma xícara de chá é o mínimo que podemos oferecer a alguém que ainda ajuda os outros nessa cidade abandonada pela Luz. Meu nome é Nynaeve al’Meara, e esta é Elayne Trakand.

A mulher estava visivelmente hesitante. Ela tinha percebido.

— Eu… eu… gostaria. Sim. Gostaria. — A mulher tinha um jeito arrastado de falar, difícil de entender, mas vagamente familiar. Era mesmo encantadora, ainda mais com o contraste entre cabelos escuros e pele clara. Um pouco rígida demais para ser chamada de beldade. Os olhos azuis eram intensos, como se estivesse acostumada a dar ordens. Uma mercadora, talvez, naquele vestido. — Eu me chamo Egeanin.

Egeanin não demonstrou hesitação em acompanhar as duas até a rua mais próxima. O povo já começava a se reunir ao redor dos homens caídos. Elayne imaginou que os sujeitos acordariam despidos de qualquer coisa de valor, até mesmo das botas e roupas. Queria saber como eles tinham descoberto sua identidade, mas não havia como trazer um deles para interrogar. Definitivamente precisavam de guarda-costas, de agora em diante, independentemente do que Nynaeve dissesse.

Egeanin talvez não estivesse hesitante, mas parecia desconfortável. Elayne via nos olhos da mulher, enquanto as três avançavam pelo meio do povo.

— Você viu, não foi? — perguntou. A mulher tropeçou. Foi a confirmação de que Elayne precisava, e ela logo acrescentou: — Não lhe faremos mal algum. Ainda mais depois de você ter nos ajudado. — Precisou cuspir o véu outra vez. Nynaeve não parecia ter o mesmo problema. — Não precisa fazer careta para mim, Nynaeve. Ela viu o que eu fiz.

— Eu sei disso — respondeu Nynaeve secamente. — E foi a coisa certa a se fazer. Mas a gente não está enfiada no palácio da sua mãe, a salvo dos bisbilhoteiros. — Ela fez um gesto, indicando todo o povo à volta delas. Vendo o cajado de Egeanin e seus bastões, a maioria evitava se aproximar das três. Para Egeanin, a mulher disse: — A maioria dos boatos que você talvez tenha ouvido não é verdadeira. Pouca coisa é. Não precisa ter medo da gente, mas é bom entender que existem assuntos que não podemos abordar aqui na rua.

— Medo de vocês? — Egeanin parecia surpresa. — Eu não achei que precisava ter. Farei silêncio até vocês decidirem falar.

Ela manteve a palavra. As três caminharam caladas em meio aos murmúrios do povo, cruzando a península até retornarem ao Jardim das Três Ameixeiras. Toda aquela história de andar para cima e para baixo estava deixando os pés de Elayne doloridos.

Apesar de ainda ser cedo, havia homens e mulheres sentados no salão, bebericando vinho ou cerveja. A mulher tocando saltério estava acompanhada de um homem magro que tocava flauta; um som agudo que combinava com seu físico franzino. Juilin estava sentado a uma mesa perto da porta, fumando um cachimbo de haste curta. Ele ainda não retornara da incursão noturna quando as duas saíram. Elayne ficou satisfeita em ver que, pela primeira vez, o homem não exibia um corte ou hematoma novo. O submundo de Tanchico, como ele chamava, parecia ainda mais cruel do que a face que a cidade apresentava ao mundo. A única concessão de Juilin à moda da cidade fora substituir o chapéu reto de palha por um quepe cônico e escuro, que usava empoleirado na nuca.

— Encontrei as mulheres — comentou, dando um salto do banco e agarrando o quepe, antes de perceber que as duas estavam acompanhadas.

Ele encarou Egeanin, estreitando os olhos, e fez uma pequena mesura. Ela retribuiu com um meneio de cabeça e um olhar tão reservado quanto o dele.

— Encontrou? — perguntou Nynaeve, espantada. — Tem certeza? Desembuche, homem. O gato comeu sua língua? — E ela com as advertências sobre falar na frente dos outros.

— Eu deveria ter dito que descobri onde elas estão. — Julian não olhou Egeanin outra vez, mas escolheu as palavras com cuidado. — A mulher de mecha branca no cabelo me levou até uma casa onde estava hospedada com várias outras mulheres, embora poucas dessem as caras na rua. O povo local acha que são fugitivas ricas do interior. Não tem mais muita coisa lá além de alguns restos de comida na despensa. Até as serviçais foram embora… Mas, por uma pista aqui, outra ali, eu diria que elas foram embora ontem, no fim do dia, ou logo ao cair da noite. Duvido que aquelas ali tenham medo da noite em Tanchico.

Nynaeve agarrou um punhado das tranças finas. As juntas dos dedos ficaram brancas, de tanta força.

— Você entrou na casa? — perguntou, em um tom firme.

Elayne achou que a amiga estivesse a um passo de erguer o bastão que bamboleava a seu lado.

Juilin parecia pensar o mesmo. Encarando o bastão, ele respondeu:

— Vocês sabem muito bem que eu não corro riscos com essas mulheres. Uma casa vazia tem um certo jeito, passa uma sensação de vazia, não importa o tamanho. Não tem como caçar ladrões há tanto tempo quanto eu caço sem aprender a ver como eles.

— E se você tivesse acionado alguma armadilha? — Nynaeve praticamente sibilava. — Esse seu grande talento para sentir as coisas se aplica também a armadilhas? — O rosto escuro de Juilin ficou um pouco cinza. Ele umedeceu os lábios, como se fosse se explicar ou se defender, mas a mulher o interrompeu. — Vamos conversar sobre isso mais tarde, Mestre Sandar. — Ela desviou os olhos na direção de Egeanin com muita sutileza. Enfim se lembrara de que havia outros ouvidos ali. — Diga a Rendra que tomaremos chá na Sala das Flores Caídas.

— Câmara das Flores Caídas — corrigiu Elayne, baixinho, e Nynaeve disparou um olhar feio para ela.

A notícia de Juilin a deixara de mau humor.

O homem se curvou em uma mesura profunda, com as mãos espalmadas.

— Como a senhora ordenar, Senhora al’Meara, obedeço de coração — respondeu, cheio de ironia, botou o quepe escuro de volta no topo da cabeça e saiu batendo o pé, as costas expressivamente indignadas. Devia ser muito desagradável para um sujeito receber ordens de uma mulher com quem já tentara flertar.

— Aquele idiota! — grunhiu Nynaeve. — A gente devia ter largado esses dois no cais de Tear.

— Ele é seu serviçal? — perguntou Egeanin, receosa.

— É — respondeu Nynaeve, com rudeza.

— Não — disse Elayne, ao mesmo tempo.

As duas se olharam, Nynaeve ainda de cenho franzido.

— Talvez ele seja, de certa forma — retrucou Elayne, com um suspiro.

— Acho que não, afinal de contas — resmungou Nynaeve, por cima da outra.

— Ah… entendi — disse Egeanin.

Rendra avançou apressada por entre as mesas, com um sorriso nos lábios rosados por baixo do véu. Elayne preferia que a mulher não se parecesse tanto com Liandrin.

— Ah, as senhoritas estão lindas hoje. Que vestidos magníficos. Lindas. — Como se a mulher de cabelos cor de mel não tivesse influenciado a escolha do tecido e corte tanto quanto elas duas. O que ela vestia tinha um tom de vermelho adequado para uma latoeira, e sem dúvida pouco apropriado para ser exibido em público. — Mas as senhoritas fizeram bobagem outra vez, sim? É por isso que Juilin, aquele cavalheiro, está com uma carranca. As senhoritas não deveriam preocupá-lo tanto assim. — Um brilho em seus grandes olhos castanhos denunciava que Juilin encontrara outro flerte. — Venham. Tomem o chá de vocês no fresquinho e na privacidade, e, se precisarem sair outra vez, as senhoritas me permitam providenciar carregadores e guardas, sim? A bela Elayne não teria perdido tantas bolsas se as senhoritas estivessem mais bem protegidas. Mas não vamos falar dessas coisas agora. Seu chá, ele está quase pronto. Venham.